Romance A família Canuto

Romance A família Canuto
Romance A família Canuto e a Luta camponesa na Amazônia. Prêmio Jabuti de Literatura.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

A consciência, a ética e os eternos conflitos

 A consciência, a ética e os eternos conflitos

Carlos Cartaxo

 

 

A ética tem sido uma escada que insisto em subir desde que tive minhas primeiras lições sobre ideologia. O fato de estudar teatro na minha adolescência e, consequentemente, ler os gregos, me permitiu adentrar no universo da ética. Concomitante a esse período, na universidade tive o início da minha formação política; todavia as leituras e os debates foram os pilares que deram sustentação a tal formação. Hoje vivo um dilema entre a ética e a consciência. Em vários momentos esses dois pilares me põem contra a parede ao ponto de me sentir traído pela aprendizagem e consequente formação política; ao mesmo tempo tenho traído as expectativas de pessoas queridas que se afastaram de mim por causa das minhas posições, para elas, não convenientes.

Nesse texto posto abaixo algumas situações em que os fatos geraram conflitos entre minha consciência e os princípios éticos que trago comigo. Não foi e não é fácil conviver com esses dilemas que prefiro chamar de diferenças éticas.

 

Caso 1

Um casal sentou na areia da praia em Carapibus. A mulher estendeu uma canga e o homem colocou um mantenedor de temperatura ao lado cheio de cerveja. Sentaram e, com a beleza de todo casal em momentos de deleite, passaram a conversar e a admirar o que se pode ver de belo diante do mar. Ele pegou duas de cerveja, passou uma para ela e brindaram aquela tarde de maré baixa e água serena. Em seguida, ela acendeu um cigarro. Tomaram mais cervejas e mais cigarros. E assim foi até que acabou o estoque de bebida e eles resolveram ir embora, já próximo do anoitecer. As latas vazias voltaram para o lugar em que vieram, já o resto dos cigarros fumados, ela enterrou. Eu pensei sair e ir à rua conversa com eles sobre o lixo deixado na areia da praia. A consciência exigia que eu fizesse uma abordagem educativa, mas o fato de não conhecê-los e o conceito ético de respeitar o próximo como ele o é, me fez recuar e evitar, talvez, um conflito. Como o tempo não perdoa, meses depois conheci o casal e eles quiseram conhecer minha casa, nessa oportunidade descobri que o marido era eleitor e defensor de Bolsonaro e a mulher era a que deixou a sujeira na praia. Então a dúvida me consumiu: contar para eles o corrido e a impressão que tenho sobre as atitudes deles ou silenciar e deixar minha consciência magoada com minha atitude covarde de se omitir diante dos fatos?

 

Caso 2

            Eu sou grato pelos trinta anos, que completarei em 2022, como profissional do Serviço Público Federal, mais especificamente, como servidor concursado da Universidade Federal do Pará e Federal da Paraíba. Os momentos bons justificam minha escolha, todavia não posso passar por cima dos momentos em que a ética entrou em conflito com minha consciência. O fato de ter sido do Conselho Universitário – CONSUNI, do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão – CONSEPE e presidente do Conselho Curador me permitiu conhecer Leis, Resoluções, Regimentos e Estatutos. Essas experiências colocaram à minha frente situações que geraram discórdias entre a consciência e a ética. Muitos pareceres que escrevi com base na legalidade me fizeram perder amigos e até pessoas queridas. Infelizmente, no Brasil o “jeitinho” aplicado para amigos e correligionários tem sido uma prática que coloca o país no mapa da corrupção endêmica. Casos como: concursos dirigidos, alunos que não estudam e não frequentam as aulas, mas querem passar, cópias e plágios são exemplos corriqueiros que me colocaram em situações difíceis por defender a legalidade. Vou me aposentar como o chato; todavia aquele que procurou fazer e ensinar o que é correto.  

           

Foto: Carlos Cartaxo

Caso 3

            Eu sou daquelas pessoas que gostam de caminhar na praia, no meu bairro e de ir às compras a pé quando é possível. Nas caminhadas por Carapibus, praia no município do Conde, litoral sul da Paraíba, encontro muitas gaiolas penduradas no lado de fora das casas, varandas e janelas. Uma vez que eu passei, um senhor estava saindo e eu indaguei perguntando qual era o prazer dele em manter um ser vivo preso; um ser que tem asas e ele não permite que desfrute da liberdade de voar. A resposta foi:

            ― Esses passarinhos são minha vida. Se eu soltar, rasgo meu coração!

            Diante de uma fala dessa, eu emudeci. Claro não tinha como convencê-lo de que estava equivocado. Nem adiantava dizer que escrevi o texto teatral, infantil, “O tico-tico cantador”, publicado no livro Teatro de Atitudes, com o intuito de além de divertir, educar como o propósito de defender a liberdade de voar dos pássaros.

            O marcante nessa história é que os pássaros presos continuam lá, a polícia ambiental e a guarda municipal passam e fazem de conta que não vêem nada. Diante de tal fato só me resta escrever sobre a questão, que termina sendo uma forma de aliviar minha consciência, além de denunciar e questionar a ética da polícia.



  

Caso 4

Diante desses imbróglios que geram conflitos entre a consciência e o comportamento ético, uma vez ou outra aparece um bálsamo que alivia nosso sofrimento nos dando a oportunidade de continuar a defesa da ética, apesar das perdas e danos. Esse é o caso recente, dezembro de 2021, de uma aluna que me enviou a seguinte mensagem:

― Professor, eu sei que o período letivo com a sua matéria já acabou, mas queria muito te agradecer por tudo que o senhor ensinou. Graças a tudo que eu aprendi, na sua aula, eu consegui outra nota máxima no artigo do professor Rodrigo. Obrigada de verdade.

Terminar o ano de 2021, que não está sendo fácil, com a escrita de pequenas crônicas sobre o tema desse artigo, alivia minha consciência diante do volumoso mar de pouca ética que nos assola cotidianamente. É claro que não busco a verdade, nem abordo o tema ética apenas pela ótica da filosofia. Contudo, cito fatos que poderiam ser pitoresco, não obstante, são reais, logo susceptíveis a investigação e apuração, porque são do conhecimento de todos visto que são tratados de forma pública, seja na imprensa, na internet, nos cursos e departamentos ou nos Conselhos Universitários. Como o tempo não pára e 2022 está batendo na porta para adentrar, vamos adiante porque o horizonte é logo ali, mas está muito distante de alcançarmos.  

 

 

Referência

Cartaxo, Carlos. Teatro Determinado. João Pessoa: Sal da Terra, 2005.