Romance A família Canuto

Romance A família Canuto
Romance A família Canuto e a Luta camponesa na Amazônia. Prêmio Jabuti de Literatura.

segunda-feira, 25 de junho de 2018

Conhecimento, a base dos valores humanos

Conhecimento, a base dos valores humanos
Carlos Cartaxo

Vejo os 24 anos da ditadura no Brasil reproduzir o arbítrio com a prisão de Lula; vejo e vivo um golpe de Estado do Legislativo, ratificado pelo judiciário; vejo 50 anos do maio de 1968 em Paris; vejo a primavera de praga; 200 anos do nascimento de Karl Marx, tudo isso como uma trilha aberta a se continuar na história. Em contrapartida vejo meus alunos inertes diante do retrocesso que passa o Brasil, inclusive da escalada de ataques ao ensino público e as leis trabalhistas; vejo esses mesmos alunos fazerem de conta que estudam, fazerem de conta de leem; vejo professores de artes, suponho profissionais bem informados e sensíveis, silenciarem diante das reformas retrógradas do ensino do Brasil.
Então, que fazer? Dormir em berço esplêndido? Desacreditar que o ser humano pensa no próximo? Esquecer a força da solidariedade? Deixar de lado a tese de que quanto menor as diferenças de classes mais equilibrada e feliz será a sociedade?
Faço uma revisão de minhas leituras e me vem à mente a peça "Mãe Coragem" de Bertolt Brecht; um libelo as ações devastadoras do Fascismo e do Nazismo na Europa; lembro o quadro "Guernica" de Pablo Picasso, trabalho cubista exposto no Museu Reina Sofia, Madrid, em que o artista expõe sua indignação com o bombardeio à cidade espanhola de Guernica no dia 26 de abril de 1937; recordo a música “Mote do navio” em que o compositor Pedro Osmar, já na primeira estrofe, expressa a força da arte no contexto social: “Lá vem a barca/ Trazendo o povo/ Pra liberdade/ Que se conquista”. É enorme a lista de trabalhos artísticos que têm como base a democracia, a luta contra as desigualdades sociais, a favor dos direitos humanos, contra a escravidão “moderna”, a defesa da justiça social, a valorização da mulher e das culturas. Então por que muitos artistas e criadores se eximem e fogem de produzir uma arte comprometida com os avanços sociais? É a arte pela arte? É o sucesso pelo sucesso? A liquidez dos valores estéticos?
Foto reproduzida da internet

Historicamente existem artistas com trabalhos focados para todas as direções: direita, esquerda, frente, atrás, cima e em baixo. Mas se a arte é uma expressão humana cuja essência é comunicar algo para alguém, por que muitos criadores, nesse processo de emissão e recepção de informações, se isentam da responsabilidade sobre o conteúdo que emitem e expressam artisticamente? Ou, de fato, essas pessoas estão do lado do consumo, da vaidade, da individualidade, do egoísmo e outros valores que se chocam com o avanço da humanidade?
A radiografia do tempo no coloca no final da segunda década do século XXI, terceiro milênio; nesse referencial temporal nos deparamos com muitos retrocessos políticos, sociais e humanitários que estão acontecendo, concomitantemente, em todo o mundo. Nesse contexto me volto à comunidade universitária no Brasil que faz parte da geração complexa e difusa fruto da sociedade líquida, seio da era pós-moderna que desponta no horizonte turvo, tema estudado com propriedade por Zygmunt Bauman no livro Modernidade líquida.
Então me vejo diante de pessoas que leem pouco, que se vão pela onda dos textos rápidos e sucintos das redes sociais. Essa questão da liquidez social e comportamental é tratada por Bauman a partir lógica dicotômica de líquido/sólido e leve/pesado, com o fim de analisar as relações sociais a partir de abordagens que considerem tempo/espaço, individualidade, emancipação, trabalho e sociedade. Esse processo individualiza os sujeitos constituindo uma sociedade de indivíduos, o que acelera a busca desenfreada do consumo tornando essa procura um ritual de incertezas e instabilidades emocionais, sociais e econômicas. A forma física passa a ser mais importante que a energia do abraço. A moda passa a ser um elemento determinante na forma de ser e viver. O comportamento passa a ser reprodutivo e consumista, ou seja, se meu amigo tem uma tatuagem, eu também devo ter. Se ela pintou o cabelo, eu também devo pintar. Se ele fuma, devo fumar. Se aquele artista faz sucesso, mesmo que impulsionado pela mídia que sobrevive a base do consumo, então também devo me tornar seu fã. Essa instabilidade recheada de dúvidas adentra nosso âmago e passa a determinar nossa forma de ser e viver. Em muitos casos essa condição impõe perdas de valores morais e éticos. Sonhar em ter um grande amor é um sonho real que é violado pela busca virtual da pseudo felicidade.
No centro dessa turbulência de ser e não ser shakespeariano, o contexto e o coletivo social deixa de ser a essência da civilidade e o ser humano se desumaniza passando a viver sem pensar o próximo e o todo. Dessa forma o que significa se comunicar sem pensar no receptor das mensagens, mas apenas em si? A resposta é complexa e pode ser argumento para uma tese acadêmica; afinal, o conhecimento é a base estrutural da sociedade porque constitui elementos que formalizam os valores humanos.

quarta-feira, 6 de junho de 2018

Investigação Baseada na arte, o que vem a ser isso?

Investigação Baseada na arte, o que vem a ser isso?

O Instituto Federal de Educação e Tecnologia do Ceará – IFCE, através do Programa de Pós-Graduação em Artes, realizou o I Seminário Práticas Artísticas e Demandas Contemporâneas, de 23 a 27 de abril de 2018, com o tema Miscigenação Poética: o lugar da pesquisa na arte. Eu preparei o artigo “Investigação Baseada na Arte: um recurso metodológico para a pesquisa em arte” para debater no evento. O tema foi foco da minha tese de doutorado, publicado no livro Amor invisível: artes e possibilidades narrativas, e é recorrente, pelo menos com meus orientados e membros do Grupo de Pesquisa Artes, Comunicação e Possibilidades Narrativas da UFPB.
Quando se trata de pesquisa em arte, muitas dúvidas despontam como água na fonte. Arte é conhecimento ou entretenimento? Arte é ciência? Pela ótica de muitos pesquisadores das Ciências Humanas e Sociais, sim. Pelo olhar das ciências exatas, não. O fato é que eu trabalho com a perspectiva de que arte gera conhecimento, portanto é ciência. Contudo essa compreensão merece atenção redobrada porque para se fazer ciência faz-se necessário rigor acadêmico. O trabalho artístico traz em si a candura e subjetividade da criação; todavia a pesquisa em arte exige a profundidade de análise científica sobre o objeto que se estuda. Por exemplo, deve-se evitar a busca do caminho mais fácil quando se trata com arte pela ótica científica. Devem-se evitar equívocos como confundir relatório com dissertação, trabalho lato sensu com stricto sensu. Quando se trata de um trabalho de conclusão de curso ou uma monografia de especialização, falamos de lato sensu, que é um trabalho de sentido amplo. Quando a pesquisa é uma dissertação ou tese falamos de trabalho stritu senso, ou seja, de sentido limitado, que exige um aprofundamento teórico mais consistente; nesse caso há que ter uma metodologia de pesquisa bem definida e rigor científico. Na dissertação de mestrado se pesquisa um objeto com o fim de aprofundamento temático, mesmo que este já tenha sido explorado em outras pesquisas. No caso da tese de doutorado, faz-se necessário um aprofundamento científico, um tratamento diferenciado, inovador, inédito para o objeto pesquisado.
A convivência com essa questão no seio da universidade me faz trazer a pesquisa em arte para o foco da ciência com essa atenção mais apurada porque o fazer artístico, infelizmente, é muito tecnicista. Ainda o é! A pós-modernidade está dando um puxão de orelha em quem insiste pela ótica tecnicista no fazer e no ensinar arte. Diagnostico que na universidade se está lendo muito pouco. O grupo de pesquisa que atuo “Artes, comunicação e possibilidades narrativas” também diagnostica a mesma deficiência de leitura contextual. Poucos alunos conhecem sobre a cultura do espetáculo citada por Guy Debord, a arte no contexto da sociedade líquida e individualizada tratada por Zygmunt Bauman. O que é mais grave, nunca ouviram falar de Elliot Eisner.
Eisner foi quem pensou a Investigação Baseada na Arte e provocou essa área de conhecimento questionando se existe outro lugar mais adequado para ousar na pesquisa em arte que não seja a pós-graduação nas instituições de ensino superior. Esse é um campo a ser explorado, todavia precisa-se quebrar o paradigma da arte tecnicista. Como sugestão para esse rompimento, sugiro a arte híbrida como caminho a ser trilhado.
Set de filmagem na Time Square. Nova Iorque, EUA.
Minha escolha por trabalhar com a IBA se deu quando descobri que sua finalidade é
utilizar a arte como método, uma forma de análise, de diagnóstico, um tema, ou todos esses propósitos dentro da investigação qualitativa. A pesquisa baseada na arte parte da compreensão de que as artes, da mesma forma que as ditas ciências, geram conhecimentos, portanto podem ajudar-nos a compreender o mundo no qual vivemos.