Romance A família Canuto

Romance A família Canuto
Romance A família Canuto e a Luta camponesa na Amazônia. Prêmio Jabuti de Literatura.

quinta-feira, 30 de junho de 2022

Amor e pós-modernidade

 


Amor e pós-modernidade

Carlos Cartaxo

 

Ao caminhar com um amigo, um vizinho, sempre conversamos sobre uma pauta de assuntos variados. Certo dia ele teceu um comentário sobre arte e, como é natural, fez severas críticas sobre o que não conhece. Quem já cruzou além de suas fronteiras e viaja, pelo menos, através da leitura, consegue expandir o nível cultural e, consequentemente, sua visão universal; expande sua formação intelectual e amplia a compleição de ser e de viver, além de fomentar visões ampliadas do mundo que nos cerca. Se ele aumentasse sua amplitude de leitura, evitaria cometer gafes e estaria habilitado para uma prosa sobre vários gêneros de trabalhos criativos, evitando que certas expressões artísticas fossem tratadas de forma abjeta.

Quando era professor de arte, por vezes, presenciei conversas entre colegas sobre metodologias e ensino de arte; em vários momentos constatei que, mesmo no meio de educadores, havia pouco ou limitado conhecimento sobre história da arte, o que é muito grave! Apesar dessa área exprimir a história da própria humanidade; o inusitado é a constatação de que ainda se conhece muito pouco sobre a arte enquanto expressão humana. Essa corroboração me levou a escrever livros sobre o tema, que listo em ordem cronológica: 1) O Ensino das Artes Cênicas na Escola Fundamental e Média, 2001; 2) Teatro de Atitudes, 2005; 3) Teatro Determinado, 2009; 4) Geraldeando, 2010; 5) Amor invisível: artes e possibilidades narrativas, 2015. Eu escrevi outros livros importantes como o romance A família Canuto e a luta camponesa na Amazônia, 1999, agraciado com o Prêmio Jabuti de Literatura, e o livro de contos Contatos, 2014. Eu também participei de seis outros livros que são coletâneas de contos e dois livros técnicos, um sobre teatro-educação e outro sobre arte-educação.


Como mergulhador do universo cultural, tenho a rotina de ler sobre o tema; portanto, para não me perder em teorias, sempre sou estimulado a revisitar leituras, pois esse procedimento é um ato que nós deveríamos fazer, afinal, a segunda leitura de uma obra sempre acrescenta algo com relação à primeira. Eu raramente leio os livros que já publiquei, todavia, com base na necessidade do debate sobre arte resolvi fazer uma releitura e publicar, nesse texto, fragmentos do meu livro Amor invisível — artes e possibilidades narrativas, de 556 páginas, resultado do meu doutorado na Universidade de Barcelona, na Espanha. É importante registrar que esse livro é um romance; portanto é o resultado de uma atividade acadêmica cujo produto final é algo menos burocrático e de leitura mais prazerosa, principalmente para quem não é familiarizado com explorações literárias complexas, natural no seio dos espaços universitários.

Será que um romance pode ser uma tese de doutorado? É claro que, para muitos acadêmicos ortodoxos, não pode. Eu fui à contramão dessa concepção e escrevi uma tese que é um romance ou um romance que é uma tese. Afirmar que um trabalho final de doutorado é um romance que causa certa resistência e rejeição naqueles que veem a academia como uma redoma para poucos; por esse motivo resolvi tratar um tema complexo de forma que a narrativa seja usual e identitária com o cotidiano de todos nós.

A juventude e suas aventuras amorosas, assim como os conflitos técnicos e ideológicos sobre a formação do/a professor/a de arte é o tema central do livro citado. Contudo, o que parece simples, de fato, é complexo. Este é um trabalho fundamentado a partir da perspectiva metodológica da investigação baseada nas artes, IBA. É uma história ficcional, mas fundada na trajetória real da pesquisa que a gerou. O enredo de Amor invisível traz no bojo do seu contexto, situações vividas durante a pesquisa, todavia, associado ao conteúdo teórico do ensino de arte, interligando a ficção ao cotidiano real das escolas pesquisadas; no caso é um triângulo amoroso entre um aluno estudioso, uma aluna estudiosa e uma aluna, bonita, que empregava parte de seu tempo escolar na conquista de garotos.

Em vários momentos os leitores se encontrarão no contexto descrito, refletirão sobre suas próprias experiências e, naturalmente, emitirão parecer e crítica sobre o conteúdo retratado. O texto é evocativo. A narrativa foi pensada para provocar ou evocar uma interação do leitor com o próprio texto, possibilitando assim, que este revise sua forma de ser e se coloque como sujeito da própria experiência, uma parte do todo. Como o romance situa o leitor no contexto da história, pode-se afirmar que essa é uma obra de narrativa evocativa.


Com esse trabalho procurei desconstruir o ponto de vista separatista que trata os artistas como criadores e os cientistas como recriadores, reconstrutores e descobridores de coisas novas no mundo. Amor invisível gera conhecimento, recria informações, constrói reflexões e propósitos, reconstrói ideias e conceitos. Nele arte é conteúdo e conhecimento em forma de literatura.

Para aproximar e estimular a leitura dessa obra, eu cito fragmentos do livro Amor Invisível para suscitar o debate. Um dos pontos basilares do romance é a atualização contextual da história da arte. Como o meu amigo citado no início desse artigo só conhecia a arte clássica, portanto, criticada e rejeitava a arte moderna e a pós-moderna, enceto com o personagem Rubens quando conversa com seu filho Renato que quer saber quem é o sujeito pós-moderno. O pai tentar ser claro:

— “A condição pós-moderna representa a dificuldade de pensar, sentir e representar o mundo onde se vive”.

A conversa entre eles avançou sobre a compreensão do significado de condição pós-moderna. Rubens lembra do autor Jair Ferreira Santos.

— “O modernismo considerava a cultura como sendo elevada. Para isso se baseava em conceitos como: arte pura, estetização, originalidade da obra, abstração como determinante na forma, hermetismo e conhecimento superior. Já o pós-modernismo tem como base o cotidiano banalizado, a antiarte, a desestetização, o pastiche como processo, a figuração como conteúdo, a fácil compreensão das obras e a arte como um jogo” (SANTOS, 1986).

Esta iniciação teórica esclarece sobre a necessidade de entendermos que estamos vivendo um momento social, cultural e econômico, não obstante, histórico e artístico, em transformação. É o que Jean-François Lyotard chama condição pós-moderna.  Esse conceito se encontra no romance, tanto nos debates entre professores e professoras, como entre os alunos e alunas nas aulas de arte.

Durante as aulas de arte o aluno Renato e a aplicada Sofia iniciaram um namoro. Já Rafaela, a loira fatal, decidiu conquistar Renato; planejou uma festa e lá o conquistou. O namoro não foi longe. Renato, inesperadamente, a viu na praia com outro em um carro estacionado. Com o tempo, aconteceu uma reaproximação de Sofia e Renato. O casal estava no aeroporto; foram deixar Rubens que partia para defender seu doutorado na Espanha. O imprevisível aconteceu! Lá encontraram Rafaela, que, atenciosamente se, aproximou do casal. “Sofia ficou calma, mas Renato ficou nervoso, receoso do inesperado que poderia acontecer diante de um reencontro das duas. Rafaela vinha só, mas não desviou a rota que caminhava. Renato ficou torcendo para que ela desviasse o caminho, o que não aconteceu. Ao contrário, sorridente, loiríssima, com uma blusa decotada e vestida de calça jeans azul colada ao corpo, ela veio ao encontro do casal. Cumprimentou primeiro Sofia e depois Renato. Alegre, declarou que era um prazer revê-los depois de tanto tempo e de tantas mudanças nas vidas deles. À medida que Rafaela falava, Renato aliviava sua tensão e ficava mais à vontade na conversa. Sofia parecia relaxada e ouvia mais que falava”. Após a conversa, Rafaela, ao se despedir, não resistiu e disse:

─ “Você venceu!

─ Não, o amor venceu ─ educadamente, respondeu Sofia.

Renato, sentindo o clima inesperado da despedida, gelou e ficou inerte, sem saber como proceder.

─ O amor venceu porque o amor é como a arte: é subjetivo. Para muitos, o amor é invisível. O amor existe em torno do ar e se encontra nos corações que melhor sabem pulsar ─ filosofou Sofia pausadamente.

─ Invisível! ─ pensou alto Rafaela.

─ Invisível como muita coisa na sociedade, que se vê, mas não se enxerga ─ completou Renato, sorrindo, tentando descontrair o momento”.

Essa é a trama de Amor Invisível que faz parte da minha vida de escritor e pesquisador. Diante da obra publicada e acessível, só me resta, desejar-lhes uma boa leitura e bons debates.

 

Referências

CARTAXO, Carlos. Amor invisível: artes e possibilidades narrativas. João Pessoa: Editora do CCTA, 3015.

LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998.

SANTOS, Jair Ferreira. O que é pós-moderno. São Paulo: Brasiliense, 1986.