Romance A família Canuto

Romance A família Canuto
Romance A família Canuto e a Luta camponesa na Amazônia. Prêmio Jabuti de Literatura.

sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Estrelas poéticas

 Estrelas poéticas

Carlos Cartaxo

 




Há muito tempo que se conhece a máxima: de poeta e louco, todo mundo tem um pouco. Pois, então, eu fui visitar a minha biblioteca e encontrei vários alfarrábios de poesia, traços de escritores que tenho proximidade e apreço; por conseguinte resolvi dividir com minha dúzia de leitores a profundidade do mergulho poético que costumo dar nas publicações de escritores que, pelo menos um pouco, também, como eu, são loucos. Loucos pelos efeitos conotativos da vida, pelas possibilidades reais e abstratas de se fazer etéreo no universo pensante em que reside as possibilidades de ser humano.

 

O título Estrelas poéticas é um tanto comum, para não dizer redundante, já que o desenho poético da criação, por si só, é uma estrela brilhante. Todavia, optei por esse cabeçalho porque de fato, os trabalhos aqui comentados fazem parte do mar bibliotecário que repousa nas estantes do universo físico da minha coleção de escritores, poetas desvairados/as pelo além do olhar, do ver e enxergar; construtores/as do ser viver. Cada mergulho que dou ao folhear um livro de poesia, adentro na sensibilidade de poetas que, através dos seus escritos, dão sentido à vida porque viver não é uma escolha, mas uma missão, portanto compete a cada pessoa a liberdade de criar possibilidades que dão densidade as suas escolhas na vida; nesse sentido a poesia é para todo/as, mas poucos se permitem à oportunidade, e talvez, a ousadia de ser e viver fazendo usufruto do que a colheita do cotidiano lhe permite desfrutar.

Em toda escolha há um risco, logo tenho consciência que às escolhas aqui postadas são de minha inteira responsabilidade. Por se tratar de arte, parto do princípio pós-moderno de que o/a leitor/a é cúmplice do reconhecimento da seleção do/as escritore/as aqui publicado/as, mas não precisa concordar, necessariamente, com a minha seleção dos poemas.  Como toda verdade é relativa, abro as águas do mar poético aqui exposto para que o/as leitor/as possam mergulhar na criação do/as poetas que aqui estão adoçando ou salgando o desfrutar do seu trabalho criativo. Outra alternativa é voar por esse pequeno universo de estrelas das letras. Esclareço que o critério adotado, digo a curadoria, para a exposição dos poemas aqui publicadas parte do simples fato de que são escritos que repousam na minha biblioteca particular, por conseguinte, fazem parte dos meus mergulhos e vôos poéticos. A Aqui mantenho a forma tal qual o poema foi publicado. Aquele/as poetas que ainda não foram citados/as aqui, podem acrescer sua criação nos comentários como complemento ao mergulho que possamos realizar, coletivamente, como desfrute do mar poético.

 

 

Livro: O sol de algibeira. Autor: Águia Mendes. João Pessoa: Ideia, 2010.

 

Tuas luas

como são lindas

essas luas

fora do teu corpete

 

na noite

que ruge nuvens

brilham aterradoras

 

lindos faróis

 

estrelas auxiliadoras

 

Livro: Sob o amor Autor: Antônio Mariano. São Paulo: Pautá, 2013 SOB O AMOR

V

Devoto,

eu vos elejo,

Ceres,

bendita entre as fêmeas,

razão da existência

de minha fome.

A senhora é pra comer

rezando,

banquete divino

que se renova

em moto-contínuo,

pés,

mãos,

olhos,

boca,

peito,

umbigo,

greta sagrada,

orifício,

ajoelho-me

e vos adoro.

 

Livro: Acaso caos. Autor: Bruno Gaudêncio. João Pessoa: Ideia, 2013.

Acaso caos

o caos que existe em nos

não faz a cama,

mas abre as portas,

as pernas...

 

o acaso não liberta,

mas deixa a chama,

a chave,

na porta...

na pele

 

? acaso o caos

não é o cobertor?

? a madeira que divide

os nossos corpos

na hora do sexo?

 

 

Livro: Tempo. Autor: Emília Guerra. João Pessoa: Manufatura, 2008.

 

O tempo

De dar tempo

Ao tempo

 

O presente que

Ele e ela

Não quer

 

Quando acaba

O namoro

Para o homem

Ou para a mulher

 

 

Livro: As palavras me escrevem. Autor: Hildeberto Barbosa Filho. Itabuna: Mondrongo, 2019.

 

Adormeço

na madrugada dos teus seios,

vítima das vertigens

do repouso.

 

A noite adentra

meu corpo como pétalas

de luzes que não se apagam.

 

Só sei cantar os astros

do amor, quando o amor

derrama suas águas luminosas

no meu coração.

Desdenhem de mim,

poetas maiores, com suas elipses

aristocráticas.

 

Só sei cantar o que me encanta.

A loucura da musa,

sua beleza inenarrável.

 

Dante, Petrarca, Camões

fizeram assim.

 

Sou humildemente

um poeta menor, um lírico

de si mesmo, quase feliz

só por ter a minha amada

para cantar.

 

Verso nenhum vale

a sagrada sílaba

de quem ama.

 

Livro: O circo, o bicho e a festa. Autor: José Leite Guerra. João Pessoa: Edição do autor, S/D.

 

Salto solto

 

nasceu palhaço

teve vergonha

deixou de ser

 

vestiu-se homem

partiu ao sério

 

armou abraço:

o próprio circo

 

tanto mistério

perdeu o nome

e, também, homem

deixou de ser

 

 

 

Livro: Vislumbre. Autor: Marcos Barros. João Pessoa: Sal da Terra, 2005.

 

Limiar

 

No limiar

absorvo as horas,

os dias...

Absorvo o homem,

a vida...

Como a areia absorve a água.

 

Galopo pra não ser absorvido

no sequenciar...

Engulo para não ser engolido,

consumo para não ser consumido.

 

Ando para não ser passado,

faço história para ser sujeito,

sou sujeito para ter direito.

 

 

Livro: Diálogo das horas. Autor: Paulo Sérgio Vieira. João Pessoa: Editora da UFPB, 2014.

 

 

XXV

 

A abelha sopra

Mel no bambual

É flauta doce

 

 

Livro: Ilha perdida. Autora: Porcina Furtado. Cajazeiras: Editora Arribaçã, 2021.

 

Brincadeira

Não escrevo as minhas memórias

Escrevo para os dias de sol

Pra menina debruçada na janela

Que sonha acordada na tarde que finda

 

Escrevo para a insônia da noite

E para os devoradores de versos

 

Escrevo para os amantes e viajantes

Escrevo porque posso escrever

Brincar com todas as palavras

 

Escrevo para a lua dançante

E para os vagalumes brincantes

 

Escrevo para não desperdiçar os dias

Todos os poemas são inventados

Porque você chegou tarde.

 

Livro: Entre nós. Autor: Regina Lyra. João Pessoa: Editora Universitária UFPB, 2008.

 

Noites insones

 

As noites

Buscam o Cacique

Sem fim.

 

Neste momento preciso,

A fala tem nome,

Apenas o desejo forte explica.

 

O Pajé anuncia:

Na dança,

No açoite do relâmpago

Da tempestade, enfim.

 

Sede do papo

Fome sem fim.

 

 

Livro: Entre Parénthesis. Autor: Romualdo Rodrigues Palhano. João Pessoa: Sal da Terra, 2010.

 

À primeira vista

 

Parece ser morte é vida

Parece ser vida é morte

Parece ser belo é disforme

Parece ser rico é pobre

Parece ser infame é glorioso

Parece douto é ignorante

Parece robusto é fraco

Parece nobre é ignóbil

Parece fraco é inteligente

Parece alegre é triste

Parece favorável é contrário

Parece amigo é inimigo

Parece salutar é nocivo.

 

 

Livro: O avesso da pele. Autor: Waldir Pedrosa Amorim. João Pessoa: Manufatura, 2005.

 

 O avesso do tempo

Pelo lado de dentro do tempo

esqueci das paradas

dos semáforos

dos sinais de contramão.

 

Era o avesso que me guiava

no surdo palmilhar.

 

Nem dos afavores, nem dos contrários eu

entendia.

Nem se os ventos atiçavam os meus pelos nem

em que direção.

 

Nada da epiderme eu pressentia, senão o avesso

da

epiderme.

Bastava-me este,

se é que importava o que bastasse,

ou, o que ausência tivesse provocado.

 

Era o avesso, o íntimo, o interior,

o refratário às medidas.

Era uma tipografia ruminada

entre silêncios.

Era o avesso do tempo: poesia.