Romance A família Canuto

Romance A família Canuto
Romance A família Canuto e a Luta camponesa na Amazônia. Prêmio Jabuti de Literatura.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

O Estrangeiro e a Cidade

Carlos Cartaxo

“The Stranger and the City", O Estrangeiro e a Cidade é a performance que apresentamos essa semana em Framingham, Massachusetts, nos Estados Unidos da América. Framingham é uma cidade que tem em torno de vinte e cinco mil brasileiros; realidade brasileira com vitórias e fracassos no contexto real norte-americano. É claro que, nesse quadro, muitas personagens se tornam marcantes porque trazem consigo a cultura brasileira, inclusive regional, de desbravamento e resistência e, em alguns casos, de analfabetismo funcional que forçosamente tem que se adaptar, viver e conviver com outra realidade, na maioria das vezes, difícil, dura e árdua.

Foto; Zoe Salvucci

Então, o que faz uma pessoa que trabalha com arte, educação e comunicação no Brasil, sair de sua casa, sua zona de conforto, em pleno verão, para desbravar horizontes e tentar descobrir novos sentidos, olhares e sentimentos?
Essa questão não tem resposta pronta; só sei que essa não é a primeira vez. Em 2011 saí para trabalhar com teatro, por dois meses, em Luanda, angola. Foi uma experiência ímpar tendo em vista a gana, o talento e determinação dos irmãos e irmãs, atores e atrizes, angolano/as. Em 2015 levei para Portugal e Holanda o monólogo “Anayde Beiriz – história a ser contada” produzido pela ADUFPB e o Suspensório Produções Artísticas e agora vim fortalecer o projeto “Babel Theater Project” que montou a performance “O Estrangeiro e a Cidade” em Framingham, Massachusetts.
Foi com o ímpeto de desbravador, pesquisador que não tem medo de ir à busca de novas informações, que deixei minhas férias de verão em Parahyba para vir pesquisar sobre histórias de vidas de brasileiros nos Estados Unidos da América. Os contatos me levaram ao grupo que construiu a experiência de “O Estrangeiro e a Cidade”, cujo tema também aborda a realidade dos brasileiros nos Estados Unidos. Fui convidado para trabalhar na performance e não relutei, abracei a oportunidade de imediato.

Foto; Zoe Salvucci

A vida cotidiana dos brasileiros emigrantes nos Estados Unidos da América não é muito diferente do que acontece no restante do mundo. Há as dificuldades objetivas: trabalho, idioma, moradia, alimentação, saúde, mobilidade, formação técnica ou acadêmica etc; mas há as dificuldades subjetivas: cultura, valores morais e éticos, religião, normas e leis, educação, segurança etc. Então, a conhecida “American way of life”, a maneira, estilo e jeito norte-americano de ser, não é tão óbvio, nem fácil de viver como se imagina. Esses fatores, que muitas vezes, são comportamentais, além de culturais, se tornam muros a serem escalados de forma correta e precisa, o que não é tão fácil o quanto se pensa ser.
Os problemas que aparecem no contexto de emigração são tantas que preocupam as autoridades e as pessoas mais conscientes e preparadas que fazem parte do processo. Essa é a questão central de “O Estrangeiro e a Cidade”. O texto foi escrito por brasileiros e brasileiras que residem nos Estados Unidos da América. De fato são relatos de experiências vividas que se transformaram em literatura. Dirigido por Ana Cândido e interpretada por artistas brasileiro/as que vivem nos EUA. Eu sou a exceção que não mora na América do Norte, mas na América do Sul.
O processo começou com logo na minha chegada a Boston pela manhã do dia 07 de dezembro. Manhã muito fria, dois graus negativos e a cidade tomada de neve. Às 14 horas me agrupei com a equipe, que já estudava o texto, e iniciamos o trabalho. Para minha surpresa encontrei um grupo extremamente qualificado; um elenco repleto de talentos.
O texto, escrito a várias mãos, é rico por ir do drama denso ao humor. O principal valor está nas personagens que de reais se tornaram ficcionais. O espetáculo é itinerante; inicia no Sofá Café, ponto de encontro para se tomar um bom café com tapioca e, apesar do frio, sai em caminhada pelo centro de Framingham para a escadaria da prefeitura da cidade onde há a cena do casamento. Em seguida segue para um prédio de escritório onde há cenas na escadaria, no “hall” central e em uma sala, a cena da imigração. Retornando, em seguida, para o Sofá Café, onde acontecem as cenas finais. São 120 minutos de emoção!
— “Meu amigo você está furando a fila”. — A fala do prólogo já inicia com uma reflexão sobre ética e respeito. Nos EUA, muitos emigrantes agem com a formação cultural própria e, muitas vezes, sem o mínimo conhecimento sobre ética e, consequentemente, valores como respeito e solidariedade. Isso tem causado um descompasso com a realidade cultural do país. No final dessa cena inicial há uma fala densa — “Ô, rapaz, você é um trapaceiro mesmo. Por que você não volta para lá de onde você veio?” —. Entra uma personagem feminina para esclarecer a situação. — “Calma pessoal, o que é isso? Ficaram loucos, é? Vamos lembrar que somos da mesma terra. Somos brasileiros, estamos aqui juntos. Viemos por um motivo. Estamos nessa juntos. Eu, por exemplo, vim aqui porque quero uma vida melhor para mim e minha família.”

Foto; Zoe Salvucci

Há personagens que narram à saga de sair do Brasil e chegar à terra de Tio Sam. Descrevem os sonhos de: chegar aos Estados Unidos da América, aprender o idioma, ter o Green Card, abrir uma empresa, ser rico e ser feliz. A felicidade é tratada como sendo a materialidade da vida. Essa concepção leva a equívocos como “o jeitinho brasileiro” que rompe com valores como ética e respeito. Esse comportamento é real, inclusive, sobrevive com base em atitudes como ter que derrubar o outro para se “dar bem”.
Em contrapartida a esse comportamento cultural refutado, há as personagens que trabalham com afinco em serviços diversos, doze, quatorze horas por dia, sem direitos trabalhistas, férias, seguro saúde, etc., de segunda a segunda. As cenas de ausência da família e de trabalho escravo, como “au pair”, emocionam porque tratam de questões que vêm de experiências reais; situações que envolvem até suicídio. Há brasileiros que se passam por médicos e exercem a profissão de forma irregular, inclusive provocando a morte de pacientes conterrâneas.   
O Estrangeiro e a cidade é um espetáculo itinerante em Framingham, EUA, com texto de: Eduardo de Oliveira, Heloísa Galvão, Jaime Zimmer, Júlia Aldana, Júlia Jannuzze, Luciana Castrillo,  Luiz Madrid, Poeta Imigrante, Ninho dos Santos, Rossane Correa e Talisgean Beknap; com adaptação de texto e direção de Ana Cândida Carneiro. O elenco é formado pelos intérpetres: Carlos Cartaxo, Catarina Costa, Lucas Laguardia, Luiz Madrid, Pedro Natividade, Pedro Teixeira, Renata da Costa, Sâmia Costa e Simoneide Almeida. A ficha técnica é composta por: Sábato Visconti na Programação Visual (Filtro de realidade aumentada); Pedro Teixeira: voz e violão; Jamie Canaan e Júlia Aldana, na iluminação e áudio; Assistente de produção e realização: Brian English.


A diretora Ana Cândido Carneiro conseguiu reunir um elenco excepcional de brasileiro/as que moram nos EUA. A exceção sou eu que estou de passagem realizando uma pesquisa em Massachusetts sobre “histórias de vidas de brasileiro/as nos EUA”. Na sua página no Facebook Ana expressou sober seu trabalho: “I would like to thank everybody that made "The Stranger and the City" possible: the writers, the actors, the whole production crew, friends and supporters, and the audience that showed up and was ready to go on this "urban theatrical trip" about immigration, and the sponsors - Mass Cultural Council and Consulado-Geral do Brasil em Boston. It was very moving to see the impact of this work on everybody. And this is just the beginning...” “Agradeço a todos os que fizeram com que "O Estrangeiro e a Cidade" fosse possível: escritores, atores, toda a equipe de produção, amigos, e a plateia que embarcou conosco nessa viagem urbana sobre experiências de imigração. Foi muito comovedor ver o impacto deste trabalho na plateia e nos participantes. E pensem que é só o começo... Grande abraço a todos.”



quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Em tempos de poucos leitores

Em tempos de poucos leitores
Carlos Cartaxo

Uma olhada nas redes sociais é o suficiente para constatarmos que as pessoas não lêem mais, ou melhor, lêem muito pouco. Algumas pessoas, para minha decepção, não lêem nada. Felizmente há aqueles que ainda têm a leitura como parte do seu cotidiano. Lembro que na minha adolescência íamos para o cinema com um livro para lermos em qualquer momento livre, seja na sala de espera, seja no ponto do ônibus. É claro que os tempos são outros; ninguém solta o aparelho celular, e não é para telefonar, mas para acessar as redes sociais. Leitura é algo fora do cotidiano de muita gente. Será que estamos diante de uma geração perdida?
Essa é uma realidade que a gente não pode fugir dela. Todavia, ainda há aqueles, até entre os adolescentes, que têm a leitura como uma escada à aprendizagem, como referência ou imitação da vida. O poeta e/ou escritor se tornou um criador, aquele que cria mundos e suas novas criaturas. Em reverência aos criadores e aos criados escrevo esse artigo com zelo e afinco, tendo em vista que a literatura é a bússola que expressa e traduz épocas.
Eu tenho na cabeceira da cama o livro “Cultura: tudo o que é preciso saber” de Dietrich Schwanitz, edição portuguesa da editora D. Quixote. Dessa obra sempre tiro novas informações, o que me inspira a continuar escrevendo. Esse é um procedimento de constante aprendizagem. É o poço sem fundo, digo o ciclone, de “O mágico de Oz”. Sempre estou descobrindo algo novo e acumulando conhecimentos. Essa busca incessante tem me distanciado de muitos grupos; em contrapartida escrevo aqui o que considero importante para aqueles que constituem o universo pensante.
Quem acompanha o meu trabalho sabe que tenho mais de uma dezena de livros escritos, por mim e alguns em parcerias. Mas, tenho consciência de que o que escrevo é pouco lido; afinal não se trata de sensacionalismo, fofoca ou doutrina que imputa uma verdade absoluta. Escrevo o que de fato, eu acredito; algumas coisas do imaginário ficcional, outras fruto de pesquisas. Como ando mergulhado no universo literário, divido alguns dos meus referenciais com meus leitores. Listo aqui algumas obras literárias que considero importantíssimas para a história e o conhecimento da humanidade. Inicialmente, esse texto que tem como fundamento a obra, já citada, de Dietrich Schwanitz.
 A formação cultural que tive na minha adolescência foi fazendo teatro em Parahyba. Nessa experiência fui apresentado à dramaturgia grega; literatura que me conquistou, me arrebatou da mesmice e me fez um leitor em potencial. Isso já na minha adolescência, porque na minha infância tive pouco acesso à literatura infantil. Então, obras gregas como Lisístrata e As nuvens de Aristófanes; Édipo Rei, Antígona, e Electra primeiras peças de Sófocles que me encantaram; Andrômaca e As Bacantes de Eurípedes, autor que escreveu em torno de 95 tragédias, me influenciaram para a escrita dramática; já as peças de Ésquilo, As suplicantes e Prometeu Acorrentado foram determinantes para minha gana por leitura. Ésquilo é considerado como o fundador do estilo trágico na dramaturgia. Sua obra tem como base a mitologia grega. Sófocles além de dramaturgo introduziu tecnicamente o terceiro ator nas peças, criando assim uma importante inovação do fazer teatral à época.


Quando li Lisístrata me encantei pela profundidade histórica e política que o teatro grego apresenta. Nessa obra de Aristófanes, que data de 411 a.C., encontramos a primeira abordagem literária feminista, cujo foco é sobre greve, ou seja, resistência social. A personagem Lisístrata organizava as mulheres da época para que fizessem greve de sexo quando seus maridos voltassem das guerras porque o resultado daquelas lutas insanas era: 1) dar poder a quem já era poderoso e tinham que manter seu império; e 2) deixar muitas crianças órfãs; e 3) muitas mulheres viúvas.

    
Da literatura grega vou para A Divina Comédia do italiano Dante Alighieri, escrito durante a Idade Média que se tornou público em 1321. Considerada como a mais significativa obra da Idade Média e da literatura italiana, é um trabalho determinante para a formação cultural de todo leitor. Sua base é a cultura da memória, ou seja, a tradição oral porque, na época, a imprensa ainda não existia. Os valores morais eram bem definidos e bem determinados divulgados através da oralidade. Como não poderia ser diferente, Dante trabalhou com um sistema de memória para escrever A Divina Comédia. A história é uma viagem literária que começa em uma Sexta-Feira Santa de 1300. Logo de início Dante se perde na floresta do erro, momento em que se encontra com o autor de Eneida, Virgílio, que faz descer o caminho acentuado que o leva aos nove círculos do inferno. É uma alegoria à representação da maldade, centrada na figura dos mais representativos traidores da história da humanidade, no caso, Bruto e Cássio que assassinaram César e Judas, o emblemático traidor de Jesus Cristo.  Em seguida Virgílio o conduz até o cume do purgatório. Por último, Virgílio leva Dante à entrada do paraíso terreno; daí ele é conduzido por Beatriz ao tão sonhado paraíso. Aqui há o resplendor da espiritualidade, os patamares dos espíritos superiores, os anjos, e, por fim, Deus.
Ainda na Idade Média, há outros referenciais da literatura que merecem destaque, por exemplo: o poeta Francesco Petrarca, escritor que tinha a filosofia e o amor como base para suas criações e Giovanni Bocaccio, amigo de Petrarca, que notabilizou sua escrita quando morava em Florença. Seu destaque do seu trabalho é O Decameron, que é uma coletânea de histórias consideradas imorais. Esse, possivelmente, é o primeiro trabalho literário sobre histórias eróticas; referência para várias gerações de jovens que tiveram a oportunidade de, poder usufruir, através da leitura, de uma literatura sem preconceitos sexuais.
A literatura portuguesa se faz bem representada por Luís Vaz de Camões. Dentre vários escritos, principalmente sonetos, a obra que o imortalizou foi Os Lusíadas. Camões fez com que navegadores portugueses transformassem deusas em mulheres, jogando fora a tese do pecado instituída pela igreja católica na Idade Média, e estabeleceu a Ilha dos Amores como sendo um território da espontaneidade e da felicidade. Foi um escritor mais que habilidoso, foi muito talentoso.
Pouco tempo depois de Camões, o espanhol Miguel de Cervantes nos presenteou com Dom Quixote de La Mancha. Possivelmente o romance mais representativo da literatura espanhola. O talento de Cervantes faz de Don Quixote (latifundiário espanhol Alonso Quijano), seu cavalo denominado de Rocinante; seu escudeiro o camponês Sancho Pança e seu respectivo jumento; e a enigmática camponesa Dulcineia de Toboso, personagens icônicos da literatura mundial. Cervantes fez seus personagens, arquétipos de uma época, circularem a Espanha renascentista combatendo os opressores e ajudando os pobres da época, que eram muitos. O imaginário ficcional do autor faz Don Quixote ver inimigos poderosos carregados de ideologias que deveriam ser combatidas. É um misto de alucinação, ingenuidade e idealismo de um incansável cavaleiro. Depois de um desafio, perdeu o duelo e teve que pagar a promessa de desistir de sua luta por um ano. Cumpriu, momento em que reviu seus ideais e concluiu que sua empreitada não passava de uma ridícula elucubração. Desistiu de suas ilusões. Afastado de suas fantasias, passou a conviver com a lucidez, em seguida faleceu.
Ainda no Renascimento encontramos William Shakespeare, que além de autor de tragédias, dramas e comédias, tinha outras habilidades que o fez um criador eclético, afinal ele também foi excelente ator e empreendedor. Dentre as 38 peças teatrais e 154 sonetos e outras poesias, de Shakespeare, Otelo é a peça teatral que merece minha releitura. Personagens como o general mouro Otelo, sua esposa Desdêmona e seu sub-oficial maquiavélico Iago marcam os arquétipos da humanidade com suas contradições psicológicas e morais. Valores como amor, traição, ciúme, inveja e racismo são o foco do enredo. Hamlet é outra obra marcante em que Shakespeare trás à tona valores morais e comportamentais como traição, vingança, incesto e corrupção. É claro que teríamos que escrever dezenas de páginas para falar de Shakespeare e de sua obra. Peças como Macbeth, Rei Lear, Júlio César, Ricardo III, Romeu e Julieta, entre muitas outras não poderiam ficar de fora do debate; todavia, deixamos o estímulo para o/a leitor/a ir fundo na literatura shakespeariana.
Seguindo pelo universo da dramaturgia lembro o francês Jean-Baptiste Molière, memorável escritor e intérprete de comédias que teve forte influência da Commedia Dell’Arte. Escreveu clássicos memoráveis como: O Tartufo, O Avarento, Escola de Mulheres, Escola de Maridos, Médico à Força, O Amor Médico, Don Juan e O Burguês Fidalgo, entre outras obras. O Avarento foi a peça teatral que marcou definitivamente meu apreço pela comédia. A ganância exacerbada pelo dinheiro é a mola propulsora do conflito dessa peça teatral. O Tartufo é outra criação que sempre fortaleceu minha paixão pela dramaturgia. No caso de O doente imaginário há um fato pitoresco. Poderia ser uma tragédia se não fosse uma comédia. Molière interpretava a personagem principal. Na peça, o pai quer um marido médico para a filha para que este cuidasse de sua saúde cotidianamente. Ele interpretava o pai, momento em que já estava, de fato, doente. Como ele era um excelente ator além de escritor, interpretou a personagem com tanta naturalidade que a platéia delirava sorrindo enquanto ele estava sofrendo, quase morrendo, doente no palco.
O romance Robinson Crusoe de Daniel Defoe, apesar de pouco comentado, digo trabalhado na escola, e nos meios literários que convivo, merece ser citado aqui por duas particularidades. Primeiro, com base no pensamento de Dietrich Schwanitz, Robinson Crusoe pode ser considerado, no contexto da literatura universal, o primeiro romance realista. Segundo, em época de fragmentação profissional, o escritor Defoe é considerado o primeiro jornalista da história. Foi ele quem criou The Review, o primeiro jornal que tinha o fim de publicar notícias e comentários. Esse é o momento histórico em que surgiu a burguesia e a modernidade. Ratificando essa tese, Daniel Defoe escreveu em 1719 A Vida e as Surpreendentes e Singulares Aventuras de Robinson Crusoe, considerado o texto que demarcou conceitualmente a modernidade. A literatura de Defoe valoriza o quotidiano da vida associando e dando ênfase ao realismo e a literatura; é a chegada da vida moderna.
Em tempo de analfabetos funcionais, de extremismo religioso, de perdas trabalhistas e sociais e de ignorância política, me convenço de que a leitura é um bom caminho para construirmos a paz através da cultura. É um caminho para sorrirmos de felicidades acreditando que a vida vale a pena ser vivida com toda intensidade.

sábado, 28 de setembro de 2019

Um pouco de tudo que vi


Um pouco de tudo que vi
Carlos Cartaxo

A vida passa como um sopro, em uma velocidade estonteante; às vezes suave dando tempo para ser admirada; outras em uma rapidez imperceptível que nem a mente consegue acompanhá-lo. Pois bem, outro dia eu tinha a inexperiência de um adolescente de 15 anos cheio de sonhos, fantasias e rebeldia, pensando que sabia tudo e por isso mesmo, era o dono da verdade e com projeto de ser do mundo; logo após, um homem de 30 anos, um aprendiz da vida; um escolhedor de momentos que pensava ter a sorte como desenhista do seu rumo; hoje, um senhor com 60 anos, um aprendiz que tem um conjunto de imagens gravadas na consciência e seladas no inconsciente, crédulo de que precisa refletir e se transformar para evoluir, enquanto há tempo, nessa rápida passagem material pela vida. Esse processo evolutivo é geométrico e inevitável. Portanto se faz necessário amadurecimento para se evoluir com sabedoria.
A coleção de passagens e vivências, pelas quais vivi, é tão grande que nem a mente consegue listá-las. Mesmo assim, como uma nuvem passageira que paira sobre mim permitindo que a sombra se aloje na memória para refrescá-la, cito algumas imagens que foram marcantes, por isso, hoje significantes para meu grau de compreensão do mundo e determinantes para meus valores morais, éticos e afetivos.
A vida é muito mais universal do que se pensa. Em minhas andanças pelo mundo tive o sabor de conhecer lugares e pessoas que trago comigo como se fossem um adendo que não larga os neurônios da aprendizagem. Em novembro de 2017, eu caminhava pelas ruas de Boston, Estados Unidos da América, quando me deparei com alguém que tentava se esconder do frio como se este fosse um perseguidor implacável. O interessante é que essa pessoa não me percebeu, não sabe de minha existência; hoje não sei da sua, mas ela está presente na minha consciência como uma chama que não se apaga e que, por muitas vezes, me trás à realidade para perceber o sentido da vida e compreender meu eu e o em torno de mim. Essas descobertas são afirmações necessárias à vida em sociedade. Alguns encontros na vida são muito mais significativos que jantares e almoços, chiques e agradáveis, que merecem até postagem nas redes sociais como auto-afirmação do significa a felicidade. É assim que vejo e enxergo o mundo; não basta ver, faz-se necessário percebê-lo.


   
Foto: Carlos Cartaxo
O encontro com esse cidadão, que prefiro chamá-lo de personagem, me impõe um grau altíssimo de ponderação sobre a amplitude da sensibilidade humana. A indignação toma conta do meu ser quando percebo que a invisibilidade desses personagens urbanos, que deveriam ser tratados como cidadãos, no máximo, não passa de um artigo esporádico de jornal. A imagem da cena retina na minha memória e o, conseqüente, tratamento dado a ela é a tradução mais cabível a sociedade do espetáculo tão bem tratado por Guy Debord no seu livro “A sociedade do espetáculo”.
Eu sou obrigado a reconhecer que o mundo continua virado de cabeça para baixo ou que o mundo está pirado, como sempre o foi. O fato é há discordâncias nessa ordem preestabelecida que leva a instabilidade humana na terra. É incontestável que o ser humano evoluiu e que a questão do relacionamento entre pessoas, entre pessoas e meio ambiente e/ou entre serres vivos na sociedade deixou de ser uma questão pessoal para ser social. Apesar dessa compreensão harmônica sobre a vida, há comportamentos muito distantes e divergentes que provocam um completo reconhecimento da irracionalidade humana. Nesse caso somos induzidos a compreender que a resiliência é compreendida como um conceito real e necessário á humanidade porque ratifica de forma correspondente a teoria da ação e reação. Infelizmente muitas pessoas que ainda pensam que dormem em berço esplêndido, não se deram conta de que agressões, desrespeito, descaso, indolência é uma doença social fruto da ausência de amor ao próximo e que, a resiliência se encarrega de devolver essa energia desfigura para seu emissor.
No mesmo período e sob o mesmo frio também encontrei em Nova Iorque, o centro mundial do consumo, que o diga o “show” que é a “Time Square”, pessoas brancas pedindo ajuda nas esquinas movimentadas da metrópole das compras. É um caso esporádico? Não me compete quantifica o fenômeno, me compete qualificar. Não defendo o positivismo para entrar na lógica da meritocracia. Defendo o amor e seu instrumento sagrado da solidariedade como elo forte que nos faz humanos e racionais. Enquanto houver uma só injustiça na face da terra, exploração desmesurado do ser humano, agressões e desrespeito transformo a luta pela vida justa e amável em imagens que porto na consciência e no coração.

Foto: Carlos Cartaxo

Minha dramaturgia publicada nos livros “Teatro de Atitudes”, “Teatro Determinado” e “Geraldeando” expressa bem meu compromisso como educador e escritor no que concerne a defesa de uma sociedade justa, igualitária e solidária; são peças teatrais e experiências cênicas que resultaram de criações fruto de tudo que eu vi na minha trajetória de vida; são visões que interpretam a lógica que justifica a defesa de propagar sempre o amor, pode parecer piegas, mas o amor constrói.

sexta-feira, 19 de julho de 2019

Tabajara, povo da resistência indígena

Tabajara, povo da resistência indígena
Carlos Cartaxo

               O conhecimento e a formação humana são essenciais para a evolução do ser humano. Ir ao passado para conhecer e reconhecer o presente é viver a intensidade da felicidade e, naturalmente, de sentido à vida. Acreditando nesse princípio procuro trabalhar metodologicamente com a teoria e prática concomitantes nas minhas aulas na Universidade Federal da Paraíba. Dentre as disciplinas que ministro no atual semestre, uma é Seminário Étnico-Raciais para o curso de Relações Públicas. Pois bem, essa disciplina é uma viagem a nossa origem. É se apropriar do pertencimento de irmãos em um contexto cultural secular. Um dos referenciais teóricos do curso Seminário Étnico-Raciais é o livro “Relatório Tabajara: um estudo sobre a ocupação indígena no Litoral Sul da Paraíba” de Fábio Mura, Estêvão Palitot e Amanda Marques; livro que fundamenta a história dos Tabajara no estado da Paraíba desde o século XVI. Os autores citam que:
Logo após as guerras de conquistas da Paraíba, que colocaram em lados opostos grupos indígenas de língua tupi conhecidos como Potiguara e Tabajara, deu-se início à ocupação portuguesa das terras entre as capitanias de Itamaracá e Paraíba. Os aldeamentos missionários foram instrumentos importantíssimos na fixação dos domínios coloniais sobre o território e as populações nativas. Ainda no final do século XVI, vamos encontrar informações a respeito da quantidade da população indígena e das tentativas de seu aldeamento na região. (MURA, PALITOT e MARQUES, p. 17, 2015).
               Então, quando falamos de povo nativo, indígenas que lutam pela terra, estamos falando em resgate do que sempre lhes pertenceu. A organização natural desses povos foi interceptada pelos padres franciscanos quando estes partiram para organizar os nativos através de aldeamento. Uma data é importante a ser resgatada é o ano 1614, quando houve a concessão das terras da sesmaria dos índios de Jacoca, Segundo os autores do livro citado, atual município do Conde. Essa data certifica quem são os verdadeiros donos da terra e ratifica que essas terras foram usurpadas dos nativos pelos invasores brancos europeus.
               Nosso encontro, aula de campo, na quarta-feira, 17 de julho de 2019, com os indígenas da aldeia Tabajara foi marcada por preciosos momentos de informações históricas e culturais. O cacique Carlinhos fez uma explanação sobre a luta histórica desse povo que ocuparam essas áreas por séculos. A emoção e exalação da energia expelida pela defumação de alecrim do cachimbo do caíque multiplicaram nossa crença e credibilidade na cultura indígena, nos fazendo mergulhar no contexto nativo, real, de um povo que trás consigo a beleza da verdade histórica e da resistência.
Foto: Sheyla Targino

A luz da gigante lua que iluminava a aldeia favoreceu a credibilidade de que a energia dos guerreiros encantados estavam conosco inspirando o cacique Carlinhos para nos transmitir conhecimentos, com propriedade, sobre suas crenças, no caso, Jaci (lua) e Tupã (sol). No seio da oca onde fomos recebidos havia luz solar, tecnologia que havia chegado à aldeia Tabajara, aproximando séculos, mas que, naquele momento, iluminava nossos rostos, sombreava o cenário em que estávamos inseridos, expondo a sensibilidade e a cultura do cacique como um manancial de informações históricas e culturais que enebriava nossas consciências e nossos corações.
Sentados em cadeiras em círculo tínhamos, à frente, membros da família Tabajara e uma mesa repleta de elementos culturais como tacape, lança, arco e flecha e maracás. Todo o grupo presente participou da dança, ritual inicial com canto, que abriu nossa conversação. O cacique e os membros da aldeia se vestiam a caráter e tinham pinturas corporais e adornos à base de penas de aves, cocares, que traduziam séculos de história das mais de trezentas etnias que compõe a configuração dos nativos brasileiros.
Muitos pesquisadores, na área das artes visuais e antropologia, têm trabalhado com as pinturas corporais indígenas; muitos trabalhos foram publicados em nível de graduação e pós-graduação; todavia há quem confunda a arte da pintura corporal com tatuagem. No caso da arte indígena há códigos que a semiótica e a antropologia explicam e interpretam de acordo com a tradição cultural de cada povo. Como o Brasil tem centenas de povos indígenas, cada um tem seus signos, com respectivos significados sobre sua própria história. A pintura corporal indígena tem como base produtos naturais, tintas oriundas de árvores e frutos como jenipapo e urucum. Cada traço são motivos criativos, a maioria geométricos, que estão ligados a determinadas comemorações e rituais.
Antes da aula de campo, tivemos uma aula na universidade com a presença do professor, pesquisador e escritor da Universidade Federal da Paraíba, Dr. Lusival Barcellos e do índio Tabajara, aluno de Antropologia da UFPB, Juscelino Tabajara, momento em que foi exposta a realidade do povo Tabajara, suas lutas e conquistas. Esse diálogo foi introdutório para chegarmos à aula de campo na aldeia Tabajara no Conde, momento de aprofundamento teórico a partir de uma vivência prática. Tanto a aula no campus universitário como a aula de campo na aldeia foram vetores convergentes para a produção de conhecimento e de aprendizagem com relação aos povos genuinamente brasileiros e donos da Terra Brasilis.
Juscelino Tabajara. Foto: Carlos Cartaxo

A experiência na aldeia Tabajara foi um regozijo para minha profissão de educador e é um álibi para encamparmos a luta desse povo que é símbolo da Paraíba, povo que construiu a história da bela cidade que é João Pessoa, mas que nunca deixou de ser Parahyba. A visita aos Tabajara me faz crer que o nome da cidade deve ser resgatada para Parahyba e que a aldeia Tabajara do Conde (porque não Jacoca?) deve se transformar no ponto de visitação para fazer daquele sítio um museu vivo, gerador de conhecimentos históricos e de renda, além de fortalecer a luta para garantir a propriedade legal aos Tabajara da terra que sempre lhes pertenceu.
Carlinhos Tabajara, Carlos Cartaxo e Juscelino Tabajara. Foto: Sheyla Targino

Obrigado povo Tabajara, em especial, o cacique Carlinhos Tabajara e Juscelino Tabajara, seu filho que está se formando em antropologia, primeiro índio Tabajara a concluir o curso universitário de Antropologia na UFPB; agradeço também ao professor pesquisador Lusival Barcellos e o professor e cineasta João Lima, ambas da UFPB, a fotógrafa Sheyla Targino e demais pessoas que contribuíram para essa aula de campo na aldeia Tabajara nesse julho enluarado de 2019.    

Referências
MURA, Fábio; PALITOT, Estêvão e MARQUES, Amanda. Relatório Tabajara: um estudo sobre a ocupação indígena no Litoral Sul da Paraíba”. João Pessoa: Editora da UFPB, 2015.

quarta-feira, 5 de junho de 2019

A indulgência como conexão entre o amor e o ódio

A indulgência como conexão entre o amor e o ódio

Carlos Cartaxo

Os museus dizem muito sobre a humanidade, por isso estou sempre me reportando aos museus como instituições formadoras que merecem todo nosso respeito e admiração. Recentemente tive a oportunidade de visitar o Museu da Memória e dos Direitos Humanos em Santiago, no Chile, aberto ao publico em 2010 com o objetivo de documentar os abusos cometidos pelo golpe militar e pela ditadura sangrenta de Augusto Pinochet, que de 1973 a 1990, portanto durante 17 anos, matou mais de três mil pessoas, além de muitos desaparecidos, instituindo o terrorismo do Estado.

O Museu me deixou surpreso, ao mesmo tempo alegre, porque através dele descobri o quanto o povo chileno tem uma formação humana que valoriza a vida e a democracia como bem infinito da humanidade. É claro que no Chile, assim como no Brasil, há seguimentos sociais estúpidos que defendem o terrorismo do Estado e, como consequência, contestam até hoje o papel do Museu. Não obstante essa corrente autoritária, lá como cá, predomina o pensamento plural e democrático. Quando o Museu chileno foi atacado ideologicamente, houve de imediato uma reação social. Essa formação politizada dos chilenos, em torno da justiça e da democracia, justificou o ato massivo de apoio ao Museu, e de desagravo às declarações estapafúrdias do ex-ministro Mauricio Rojas. Milhares de pessoas foram às ruas comparecer a um evento convocado por artistas e organizações de direitos humanos na capital chilena em apoio ao Museu da Memória e dos Direitos Humanos.
Ao adentrar e cruzar os painéis expostos com as arbitrariedades e carnificina dos militares no dito Museu, muitas questões suscitaram na minha consciência de pai, escritor e pesquisador. A principal foi: o que leva uma pessoa a alimentar o ódio até mesmo quando devia regar o amor?
Painel com fotos dos mortos pela ditadura chilena. Há espaços em branco sinalizando os desaparecidos 
Foto: Carlos Cartaxo
A ditadura no Brasil acusou, prendeu, torturou e matou sem limites crianças, religiosos, mães de família, gente inocente, assim como militantes políticos. O mesmo aconteceu no Chile, da mesma forma que em todas as ditaduras pelo mundo a fora. A diferença marcante, e odiada por alguns, é que todas essas histórias horripilantes têm registros históricos incontestáveis. Portanto esses fatos documentais estão expostos no Museu da Memória e dos Direitos Humanos, que é a instituição que tornou publicou essa realidade dura e crua. Como forma de preserva a memória da história do seu povo, o Chile não deixa por menos e denuncia as atrocidades que os militares e o capital internacional fizeram no país.
E no Brasil? Aqui, infelizmente, há milhares de pessoas que ainda defendem esse procedimento violento, rastro deixado pela ditadura militar! É inacreditável, mas é um fato. Nesses casos de atrocidades contra o ser humano, a indulgência se faz necessária. Essas criaturas desinformadas, ignorantes, doutrinadas ao individualismo, precisam ser reeducadas para pensar no próximo, na cultura da paz e do bem. No livro O evangelho segundo o Espiritismo, de Allan Kardec, no final do capítulo que fala sobre a indulgência, há uma citação de São Luís que diz: “Se as imperfeições de uma pessoa não prejudicam senão a ela mesma, não há jamais utilidade em fazer conhecê-las, mas se podem causar prejuízos a outros, é preciso preferir o interesse da maioria ao interesse de um só. Segundo as circunstâncias, desmascarar a hipocrisia e a mentira pode ser um dever, porque vale mais que um homem caia, do que vários se tornarem enganados ou suas vítimas.” (KARDEC, 2016, p. 108). Essa afirmação possibilita várias interpretações; contudo, quando se trata da violência e degradação da vida humana, museus e outros equipamentos e instrumentos culturais, políticos e sociais devem trazer a tona esse debate pela sua significativa importância.
A falta de leitura leva muita gente a um grau de alienação grave e, por conseguinte, defender o desrespeito ao ser humano, chegando a defender atrocidades como sendo procedimentos legais. Qualquer cidadão que tenha o mínimo de sensibilidade, educação, informação, conhecimento e bom senso, sabe que qualquer regime militar é uma imposição política arbitrária e equivocada para as nações que prezam pela democracia. No Chile, assim como no Brasil, também houve violência, arbitrariedades e rompimento com a democracia e os direitos civis. Por isso o Museu da Memória e dos Direitos Humanos está de porta aberta para desmascarar essas ações político-militares e informar a todos a necessidade da paz e da legalidade no que concerne ao respeito aos direitos civis. Lá, essa questão é tratada com tanta seriedade que o economista Mauricio Rojas foi escolhido do presidente do Chile , Sebastián Piñera, como ministro da Cultura, todavia, anteriormente, tinha criticado o Museu de Direitos Humanos questionando sua importância, logo sua validade, inclusive acusando-o de manipular a história; não deu outra, políticos e artistas exigiram sua renúncia, o que de fato aconteceu três dias depois de tomar posse como ministro da cultura.

O Museu se mostra claro quanto à certeza de que as ditaduras e o quadro político na America Latina têm semelhanças e que estas não são meras coincidências.  Em recente matéria, o Correio do Povo, de Porto Alegre, Brasil, publicou a matéria “Museu da Memória e dos Direitos Humanos alerta necessidade de relembrar passado”. Nesse artigo, o diretor do Museu Francisco Estévez fez uma interpelação à política na América Latina. Ele lembra que 40 mil pessoas foram vítimas das agruras da ditadura militar chilena. Como citado acima, o Museu da Memória e dos Direitos Humanos chileno também é vítima de ataques por parte de correntes políticas de direita que tenta justificar o injustificável, no caso, as atrocidades dos militares. Felizmente há aqueles que defendem o Museu como um espaço que mantém acesa a chama da democracia, fazendo com que nunca mais ditaduras instalem a violência exercida do Estado nos países que têm a democracia como forma política de governo.

Para o Correio do Povo, Francisco Estévez, afirmou que “É importante educar em uma nova cultura de respeito, de bom trato, da ética dos direitos humanos, recordando o que aconteceu, mas ajudando as pessoas a refletirem sobre o que está acontecendo agora com esses temas, com nossos indígenas, com os temas de gênero, da migração, entre outros”.

Alguns seguimentos religiosos pautados apenas na leitura da bíblia e na doutrina do pensamento único e uniforme se tornam sectários com base na ignorância. Esses milhões de religiosos não sabem decodificar o sentido humano para indulgência, assim como não sabem a conexão existente entre ódio e amor. Por amor a um Deus, que eles também não compreendem quem é, disseminam o ódio como se fosse o amor. Dessa forma alimentam a cultura do agrotóxico, do desmatamento, do extermínio de pobres, negros e índios, da exploração do trabalho humano, entre outros dissabores e desamores. Dentro das próprias igrejas disseminam a tese “pura” da divindade a um Deus que eles não têm noção de quem é porque o Deus bondoso, que a grande maioria devota a fé, só reside no amor.

Diante desses equívocos, haja indulgência para transformar o ódio em amor; o que me leva a concluir que ações positivas urgem! Então a educação, leitura, visitas a museus entre outros procedimentos que alimentem a sensibilidade humana à cultura da verdade, são caminhos transformadores que podem facilitar a conexão que deve converter o ódio em amor.

 

Referências

CORREIO DO POVO. Museu da Memória e dos Direitos Humanos alerta necessidade de relembrar passado. Porto Alegre, 29 de maio de 2019.

KARDEC, Allan. O evangelho segundo o Espiritismo. Araras, SP, IDE, 2016.

quarta-feira, 17 de abril de 2019

A pós-modernidade já não me surpreende mais



A pós-modernidade já não me surpreende mais 

Carlos Cartaxo 



A relação entre pais e filhos é objeto de estudos em várias instituições de ensino e pesquisa. Eu perguntei a meu filho de 18 anos se ele ia comigo ao ato político por Lula Livre. Ele não se dispôs porque tinha um compromisso, mas não lembrou qual era o compromisso; horas depois lembrou que ia assistir a um jogo de futebol no Estádio. Minha colega, professora de Inglês, me falou que a filha dela é uma ativista nas redes sociais, mas não sai de casa para participar de atos políticos. Uma ex-aluna minha, pesquisadora sobre redes sociais e sobre pós-modernidade também não doa parte do seu tempo, mesmo que seja uma mínima parte, para ir a um ato político de reivindicação e defesa da liberdade e da democracia. O pessoal dos Centros Acadêmicos dos cursos de Comunicação, de Cinema, Relações Públicas, etc., também não foi ao ato de defesa do maior líder político da América Latina, Lula da silva, que é o preso político mais representativo do Brasil diante do mundo, em pleno século XXI. Não sejamos injustos, nesses atos aparecem uns poucos discentes, assim como uns pouco servidores e uns poucos professores que vão às ruas defender um projeto de sociedade justa, igualitária e democrática e, naturalmente, seu mais importante líder. Esses reais representantes da democracia presentes são os militantes que não fogem à luta! 

É claro que a direita convicta, os fascistas “pós-modernos”, discípulos do individualismo e do consumo, adoram essa ausência, essa lacuna política, essa formação ideológico debilitada, muito bem representada pela formação da sociedade do espetáculo, conceito crítico bem definido por Guy Debord em “A sociedade do espetáculo”, que caminha na mesma direção da sociedade líquida tratada por Zygmunt Bauman em “Modernidade líquida”; teorias críticas que nos leva ao limite da fluidez de pensamentos e ações. Há muitos colegas, que não entendem que os princípios pós-modernos, na calada da noite, no silêncio dos moribundos, tornam a todos, quase todos, sujeitos embevecidos pelo consumo e pela busca do indefinido. Por exemplo, selecionei duas imagens da internet para expressar esse comportamento pós-moderno que tem, intrinsecamente, o culto ao corpo, ao consumo e ao individualismo como força alimentar da necessidade de demarcar espaço social e poder. 



Muita gente não quer nem ouvir a palavra pós-modernidade; mas enlouquece se passar uma hora sem o smartphone. É a colonização fruto da dependência tecnológica, ampliando podemos até dizer dependência virtual. A Pós-modernidade não é uma teoria, não é princípio, é uma condição que o capitalismo nos impôs através da repaginação do capital denominado-a de neoliberalismo. Então, não há como contestar essa condição se você não a conhece, mas consome e não consegue viver sem ela. Conhecê-la é essencial para poder contestá-la, já que se convive com a condição pós-moderna no cotidiano. Contudo, alguns paradigmas teóricos aprisionam pensamentos que não nos permite enxergar tal condição. Então, chegou à hora de descolonizarmos os pensamentos para que possamos ser mais críticos com o neoliberalismo e sua cria, a pós-modernidade, sem sermos prisioneiro dele. 



É certo que a cultura digital tem provocado mudanças em todos os meios de comunicação. Essas mudanças têm influenciado diretamente o comportamento social. Será que o consagrado escritor Marc Prensky estava certo quando criou os conceitos de nativo digital e imigrantes digitais, através de um artigo que ele escreveu em 2001? Com base na criação da Internet, que se deu em 1969, na criação da web, WorldWideWeb, em 1990, desenvolvido no CERN por Tim Berners-Lee e a acessibilidade do mecanismo de busca do Google Inc., em 1998, Prensky escreveu livros e artigos focando em um projeto para a educação baseado na era digital.


O quadro desenhado no nosso horizonte e que ainda está sendo colorido é a surpreende condição pós-moderna. Então, o que faz um profissional, professor/a ou qualquer outro, não reagir diante de perdas de direito, diante de degradação das condições de trabalho? O que faz um/a jovem não se preocupar com o seu futuro profissional? Essa condição de estagnação e comodismo, em muitas situações até de descaso, é uma condicionante da sociedade líquida em que é melhor olhar para si, cultuar a exposição gratuita, alimentar o álibi do fetiche, do que pensar no futuro, pensar no próximo e no coletivo. A ideia de que “eu” devo ser o foco das atenções exige a ilusão de que devo estar na vibe da moda e me comportar de acordo com a liquidez que toma conta de uma geração e a faz líquida e escorregadia, destruindo sua identidade, seu futuro e o futuro do próximo, consequentemente, futuro de toda uma geração. Como o culto ao corpo, ao individualismo e ao consumo é uma realidade da condição pós-moderna, esta já não me surpreende mais. E haja vazio, se é que o vazio existe.

segunda-feira, 18 de março de 2019

Feira Cultural e Científica: Brasil e Estados Unidos


Feira Cultural e Científica: Brasil e Estados Unidos

Em novembro de 2017, professores universitários e alguns artistas brasileiros se encontraram em Framingham, Massachussetts, Estados Unidos da América, na I Feira Cultural Brasileira (The Best of Brazil) de 2 a 5 de novembro. Eu tive o prazer de ser convidado para o evento para proferir uma palestra sobre as riquezas culturais do estado da Paraíba e lançar meus livros na Framingham State University. Na oportunidade fiz uma oficina sobre o Teatro do Oprimido na Harvard University com a professora Doris Sommer. O evento aconteceu entre as cidades de Framingham e Boston aproximando culturas e consolidando parte da história da imigração brasileira nos Estados Unidos da América, em especial no estado de Massachussetts.
O bom dessa história é que a experiência não ficou apenas no evento. A partir daí, eu e a professora Dra. Eliana Marcolino da UNIVALE – Universidade Vale do Rio Doce, escrevemos o artigo “Feira Cultural e Científica: Brasil e Estados Unidos” (Feira Cultural y Científica: Brasil y Estados Unidos; Cultural and Scientific Fair: Brazil and the United States) publicado na revista RELACult – Revista latino-Americana de Estudos em Cultura e Sociedade V. 4, n 03, set.-dez., 2018, artigo n⁰ 914, relacult.claec.org e-ISBN: 2525-7870.

O artigo aprofunda o objetivo da feira que foi fortalecer a cooperação cultural entre a comunidade brasileira nos Estados Unidos e a comunidade acadêmica norte-americana, assim como proporcionar uma integração entre as comunidades acadêmicas brasileira e a norte-americana compostas por professores e alunos, norte-americanos e emigrantes. Abordamos as atividades que foram realizadas na feira e propomos uma reflexão a partir desta experiência. A maioria dos participantes elogiou a iniciativa da realização da feira, a qual foi destacada como muito enriquecedora para intercâmbio de conhecimentos, por outro lado, merece destaque o “workshop” realizado na Universidade de Harvard com Doris Sommer e a visita técnica ao MIT (Massachusetts Institute of Technology).
 Houve uma visita técnica ao State House, em Boston, quando os(as) professores(as) tiveram a oportunidade de conhecer a casa legislativa do Estado de Massachusetts e visitar oito parlamentares norte-americanos, momento em que foi feito pedidos no sentido de que os políticos norte-americanos pensem na possibilidade de implementarem projetos políticos que possam respeitar os direitos dos imigrantes e, consequentemente, consolidar os trabalhos sociais de relevância ali realizados para eles e por eles.
Além da visita a State House, o grupo visitou o Consulado Geral do Brasil em Boston e foi recebido pela Consulesa Geral e embaixadora brasileira, Glivânia Oliveira. O artigo cita a importância dos participantes conheceram a dinâmica de funcionamento do Consulado. “Em roda de conversa, cada convidado fez uma breve apresentação sobre a sua formação acadêmica e atuação profissional no Brasil. Em seguida, a embaixadora fez um relato sobre as demandas da comunidade brasileira nos Estados Unidos, sendo a saúde do imigrante uma das questões mais preocupantes, principalmente a saúde mental com casos de depressão, síndrome do pânico. Tudo isso pode ser desencadeado pelo consumo excessivo de álcool e drogas. Tenha-se em mente ainda a violência intrafamiliar e o aumento de casos de suicídio na comunidade de imigrantes brasileiros nos Estados Unidos. Casos de brasileiros que chegam ao país com a Doença de Chagas e que não têm nenhuma forma de tratamento, já que é uma enfermidade pouco prevalente no território americano. A consulesa sinalizou a importância da união entre as universidades brasileiras e o Consulado para o enfrentamento desses problemas que foram pontuados”.
No artigo enfatizamos o fato de que “num mundo de individualismo extremado dos sujeitos, fruto da condição pós-moderna em que vivemos, aproximar pessoas é um ato que leva a construir relações saudáveis. A distância geográfica que existe entre países muitas vezes é quebrada com a aproximação cultural. A compreensão de que os povos fazem parte de um mesmo universo cultural é enriquecida quando participamos e vivenciamos de momentos construtivos como foi o que a Feira Cultural e Científica: Brasil e Estados Unidos nos propiciou. A cultura híbrida é uma concepção de vida que se tornou realidade quando pensamos o mundo como um ninho plural, um celeiro humano de diversas raças e diferentes origens. A tese da cultura híbrida é do argentino Néstor García Cancline, professor da Universidade do México, que tem contribuído para reflexão contextual do mundo em que se vive sob a égide de uma condição pós-moderna”.
Outro momento importante do evento foi a visita ao Brazilian-American Center, BRACE, entidade que tem o seu foco na educação de apoio à comunidade imigrante. Lá foi realizado um encontro com as crianças assistidas pela instituição; momento em que os estudantes realizaram apresentações de poesias brasileiras e recitaram a bela Canção do Exílio de Gonçalves Dias. Nessa visita os(as) professores(as) vindos(as) do Brasil fizeram uma mostra de documentários sobre as cinco Regiões brasileiras. Concomitantemente, o artista plástico Josafá Neves e a professora Lêda Gonçalves realizaram oficinas de artes plásticas com o grupo de estudantes.
O artigo fortalece a tese da importância da solidariedade entre os povos e comunidades. Os Estados Unidos da América, assim como qualquer país do mundo, precisam de organizações e entidades sem fins lucrativos que dêem suporte àqueles sujeitos sociais menos favorecidos. Nesse sentido, o BRACE que é uma entidade filantrópica criada em 2012, pelo Padre Volmar Scaravelli, que consolida a compreensão de que o conhecimento e a fraternidade são elementos que devem andar juntos. Como cita o artigo, o trabalho do BRACE “tem um valor de significativa importância porque é realizado nos Estados Unidos da América, mas tem o zelo e a responsabilidade de preservar a cultura e a identidade brasileira por meio de suas tradições, língua, crenças religiosas e a dignidade cidadã”.
No final do evento houve o momento muito esperado, “os(as) professores(as)tiveram um workshop interativo na Harvard University. Metodologia “Pre-Texts”, sobre intervenção de alfabetização precoce coordenado pela professora Doris Sommer. O que surpreendeu os(as) participantes foi saber que a metodologia adotada pela professora Sommer é uma releitura da Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire e do Teatro do Oprimido do artista Augusto Boal, ambos brasileiros”. “O trabalho da professora é fundamentado no pressuposto de que a criatividade pode contribuir para mudanças sociais, assim como proporcionar avanços sociais educando os cidadãos para tronarem-se sujeitos participativos e críticos. Sommer compreende que a arte é uma expressão humana que tem uma participação ímpar da formação da humanidade e por isso deve ser tratada com responsabilidade; princípio com o qual compartilhamos. Complementamos o raciocínio afirmando que a arte gera conhecimento, portanto, deve ser tratada como ciência porque transforma vidas e comunidades”.
A arte realmente é um conhecimento necessário as transformações sociais. Para maior aprofundamento no tema sugiro que os leitores acessem o artigo “Feira Cultural e Científica: Brasil e Estados Unidos”, na revista RELACult – Revista latino-Americana de Estudos em Cultura e Sociedade, para se conhecerem melhor o projeto The Best of Brazil idealizado e executado pela empreendedora brasileira da área de comunicação no estado de Massachussetts, Ilma Paixão, e pela professora e jornalista brasileira Eliana Marcolino.