Romance A família Canuto

Romance A família Canuto
Romance A família Canuto e a Luta camponesa na Amazônia. Prêmio Jabuti de Literatura.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Virando a página

                                                                    Virando a página

Carlos Cartaxo


Sempre que o ano termina muitos de nós planejam virar a página da vida; seja no trabalho, no comportamento, no amor; enfim, virar a página para renovar e evoluir. Da pré-história à pós-modernidade o ser humano tem evoluído de forma surpreendente; essa leitura na linha do tempo me faz terminar o ano de 2022 vendo algumas passagens que me marcaram durante o corrente ano. A efígie que me surge à mente suscita uma análise sobre o nível de leitura e o inesperado efeito que me ocasiona e me faz mais reflexivo. Falar dos benefícios da leitura é pleonástico; por isso, é inevitável trazer à tona a pergunta: por que tanta gente conhecida não gosta de leitura e não tem o livro e o conhecimento como aliado à evolução pessoal e à felicidade? 

Eu fui presenteado por minha amiga Isabel Cristina com o livro de poesias Inquietações de José Florentino Neto. É redundante falar da sensibilidade e nível cultural de minha amiga e irmã Isabel; mas, inspirado na empatia de comungarmos do mesmo apreço, peço licença ao autor para publicar uma poesia do seu livro que é referência para se virar a página através da literatura.


“MARCHA

Diante do quadro caótico

Incentivo ao comércio bélico

Finjo nada bucólico

Semblante quão melancólico


Manifestos e gestos mil

Por esse Brasil varonil

Direita, esquerda, volver

Pra jamais se arrepender


Sem lisura nem doçura

Caminha tranquilo, sereno

Nas ruas dessa cidade

Com um bando de gato pingado


Hoje tem grito de guerra

Somos uníssonos a palar

Sentido forte e sangrento

Por um país tão barulhento


Verborragia é sua cartilha

Pois não passou do bê-a-bá

Segue consigo a matilha

Desfilando sua artilharia


Faixas, cartazes, bandeiras

Imagem que a realidade clareia

Vidas negras importam

Quero te ver respirar”

Foto: Carlos Cartaxo

A publicação do poema de José Florentino Neto não passa por uma crítica de arte de minha parte; afinal, eu não sou crítico literário; contudo, esse trabalho representa a virada de página que a literatura nos possibilita realizar e vivenciar ratificando a possibilidade de ser e refazer o brilho da nossa trajetória.

Abordo essa questão porque presenteei minha amiga Maria com meu livro de contos “Contatos” porque  sei que ela não tem o hábito da leitura e gostaria de tê-lo. A mesma, certa vez, me perguntou o que deveria fazer para gostar de ler; pois, tem bloqueio e, ao iniciar uma leitura, não consegue virar a página para dar continuidade ao mergulho no universo literário. Essa questão também passa por dois amigos, vizinhos, que estão no campo ideológico da direita que, por não lerem, têm uma leitura de mundo egoísta e excludente. Como a leitura nos conduz a viagens inimagináveis, ler pode ser um risco a essas pessoas porque as colocam diante de mundos que podem ser surpreendentes, por isso insuportáveis. 

Foto: Carlos Cartaxo

Esse comportamento de imersão na leitura é "perigoso'' porque possibilita a compreensão das diferenças de classes e das contradições sociais, o que ratifica a tese de que a evolução do ser humano depende da leitura plural e múltipla no que concerne ao gênero, estilo e conteúdo. 

É fato que a falta de leitura limita a visão de futuro, a análise interior, a percepção dos contrários, o senso de solidariedade, a cultura de comportamentos éticos, o entendimento dos direitos humanos, os valores étnicos-raciais, a defesa do meio-ambiente, o respeito para com o próximo, o combate à corrupção, a crítica e autocrítica e o entendimento do que venha a ser o amor.

Foto da internet 

Com o intuito propositivo de abrir portas, janelas e mentes à leitura, abordo sobre o projeto excelso  Literature Vs Traffic (Literatura vs Tráfego), uma intervenção cultural em que livros tomam conta de uma rua de Toronto no Canadá. É um festival artístico em que as ruas se tornam rios de saber com a disposição de livros para permuta e doação. São 10.000 livros que provocam um efeito visual instigador que, naturalmente, introduz o conceito de intervenção artística como fonte de formação cultural. O fácil acesso a livros estimula a cultura da leitura e faz do Canadá um país desenvolvido e, por conseguinte, evoluído. Segundo greenme.com.br, o “Luzinterruptus, grupo anônimo responsável pela intervenção urbana, recebeu os livros do Exército da Salvação. Além disso, mais de 50 voluntários trabalharam por mais de 12 dias para preencher a rua com os livros”. O ruído de veículos e a poluição gerada por estes cedem lugar à luz do conhecimento que são emitidas a partir das páginas ali acessíveis e consultadas. O grupo realizador, segundo o GreenMe, afirma que “Os livros estão lá para aqueles que querem levá-los. Desta maneira a intervenção vai se reciclando e durará tanto quanto as pessoas quiserem que dure“. A intervenção durou 10 horas e marcou o consciente e inconsciente de muita gente, inclusive eu.

                                                                     Foto da internet 

No Brasil há inúmeros projetos de rodas de leitura e estímulo à leitura. Cito dois que estão próximos de mim e me enobrece partilhá-los: 1) a Biblioteca do Mar, em Jacumã, Conde, Paraíba; e 2) Roda de Leitura do CENEP, em Nova Palmeira, Paraíba; contudo, falta uma política pública de acesso e incentivo à leitura. Como exemplo, cito um edital do Governo da Paraíba, através da FUNESC, que lançou o edital N° 017/2022 do Prêmio Literário José Lins do Rego; eu fiquei absorto com o dito "prêmio": é zero em dinheiro!  O livro premiado só pode ter no máximo 90 laudas escritas (entendo páginas). A edição de cada obra terá a publicação de 300 livros e o autor só terá direito a 50 volumes, como pagamento dos direitos autorais. Se é assim, entendo como sendo a usurpação da criatividade e  do trabalho do autor; além de que, a exigência do romance ter no máximo 90 laudas é um acinte; é atrofiar o trabalho úbere do romancista! Em ano de eleições, um edital desse só vai no sentido contrário da candidatura à reeleição do governador e nos leva a crer que é um edital direcionado para apenas um grupo de pessoas! O governador foi reeleito, só nos resta saber se essa política terá continuidade. Se for, é mais um pesadelo da incompetência e do direcionamento indesejável da política cultural em um estado da federação cuja produção cultural é significativa por ser representativa e exponencial.

Apesar do pouco estímulo à leitura, do pouco acesso das crianças ao universo literário e, por conseguinte, do excesso de adultos não leitores, faz-se necessário a virada da página para que continuemos a plantar conhecimento na busca de  colhermos sabedoria.

 


Referências

CARTAXO, Carlos. Contatos. João Pessoa: Editora do CCTA, 2014.

FLORENTINO NETO, José. Inquietações, João Pessoa: Ideia, 2022.


Internet

https://www.facebook.com/nossabibliotecadomar2019/

https://irmaoslivreiros.com.br/artistas-inundam-as-ruas-do-canada-com-10-mil-livros/

https://www.greenme.com.br/viver/arte-e-cultura/63625-10-000-livros-tomam-conta-de-uma-rua-em-toronto/

https://www.facebook.com/590118814398905/posts/1642855609125215/ (CENEP)