Romance A família Canuto

Romance A família Canuto
Romance A família Canuto e a Luta camponesa na Amazônia. Prêmio Jabuti de Literatura.

sábado, 28 de setembro de 2019

Um pouco de tudo que vi


Um pouco de tudo que vi
Carlos Cartaxo

A vida passa como um sopro, em uma velocidade estonteante; às vezes suave dando tempo para ser admirada; outras em uma rapidez imperceptível que nem a mente consegue acompanhá-lo. Pois bem, outro dia eu tinha a inexperiência de um adolescente de 15 anos cheio de sonhos, fantasias e rebeldia, pensando que sabia tudo e por isso mesmo, era o dono da verdade e com projeto de ser do mundo; logo após, um homem de 30 anos, um aprendiz da vida; um escolhedor de momentos que pensava ter a sorte como desenhista do seu rumo; hoje, um senhor com 60 anos, um aprendiz que tem um conjunto de imagens gravadas na consciência e seladas no inconsciente, crédulo de que precisa refletir e se transformar para evoluir, enquanto há tempo, nessa rápida passagem material pela vida. Esse processo evolutivo é geométrico e inevitável. Portanto se faz necessário amadurecimento para se evoluir com sabedoria.
A coleção de passagens e vivências, pelas quais vivi, é tão grande que nem a mente consegue listá-las. Mesmo assim, como uma nuvem passageira que paira sobre mim permitindo que a sombra se aloje na memória para refrescá-la, cito algumas imagens que foram marcantes, por isso, hoje significantes para meu grau de compreensão do mundo e determinantes para meus valores morais, éticos e afetivos.
A vida é muito mais universal do que se pensa. Em minhas andanças pelo mundo tive o sabor de conhecer lugares e pessoas que trago comigo como se fossem um adendo que não larga os neurônios da aprendizagem. Em novembro de 2017, eu caminhava pelas ruas de Boston, Estados Unidos da América, quando me deparei com alguém que tentava se esconder do frio como se este fosse um perseguidor implacável. O interessante é que essa pessoa não me percebeu, não sabe de minha existência; hoje não sei da sua, mas ela está presente na minha consciência como uma chama que não se apaga e que, por muitas vezes, me trás à realidade para perceber o sentido da vida e compreender meu eu e o em torno de mim. Essas descobertas são afirmações necessárias à vida em sociedade. Alguns encontros na vida são muito mais significativos que jantares e almoços, chiques e agradáveis, que merecem até postagem nas redes sociais como auto-afirmação do significa a felicidade. É assim que vejo e enxergo o mundo; não basta ver, faz-se necessário percebê-lo.


   
Foto: Carlos Cartaxo
O encontro com esse cidadão, que prefiro chamá-lo de personagem, me impõe um grau altíssimo de ponderação sobre a amplitude da sensibilidade humana. A indignação toma conta do meu ser quando percebo que a invisibilidade desses personagens urbanos, que deveriam ser tratados como cidadãos, no máximo, não passa de um artigo esporádico de jornal. A imagem da cena retina na minha memória e o, conseqüente, tratamento dado a ela é a tradução mais cabível a sociedade do espetáculo tão bem tratado por Guy Debord no seu livro “A sociedade do espetáculo”.
Eu sou obrigado a reconhecer que o mundo continua virado de cabeça para baixo ou que o mundo está pirado, como sempre o foi. O fato é há discordâncias nessa ordem preestabelecida que leva a instabilidade humana na terra. É incontestável que o ser humano evoluiu e que a questão do relacionamento entre pessoas, entre pessoas e meio ambiente e/ou entre serres vivos na sociedade deixou de ser uma questão pessoal para ser social. Apesar dessa compreensão harmônica sobre a vida, há comportamentos muito distantes e divergentes que provocam um completo reconhecimento da irracionalidade humana. Nesse caso somos induzidos a compreender que a resiliência é compreendida como um conceito real e necessário á humanidade porque ratifica de forma correspondente a teoria da ação e reação. Infelizmente muitas pessoas que ainda pensam que dormem em berço esplêndido, não se deram conta de que agressões, desrespeito, descaso, indolência é uma doença social fruto da ausência de amor ao próximo e que, a resiliência se encarrega de devolver essa energia desfigura para seu emissor.
No mesmo período e sob o mesmo frio também encontrei em Nova Iorque, o centro mundial do consumo, que o diga o “show” que é a “Time Square”, pessoas brancas pedindo ajuda nas esquinas movimentadas da metrópole das compras. É um caso esporádico? Não me compete quantifica o fenômeno, me compete qualificar. Não defendo o positivismo para entrar na lógica da meritocracia. Defendo o amor e seu instrumento sagrado da solidariedade como elo forte que nos faz humanos e racionais. Enquanto houver uma só injustiça na face da terra, exploração desmesurado do ser humano, agressões e desrespeito transformo a luta pela vida justa e amável em imagens que porto na consciência e no coração.

Foto: Carlos Cartaxo

Minha dramaturgia publicada nos livros “Teatro de Atitudes”, “Teatro Determinado” e “Geraldeando” expressa bem meu compromisso como educador e escritor no que concerne a defesa de uma sociedade justa, igualitária e solidária; são peças teatrais e experiências cênicas que resultaram de criações fruto de tudo que eu vi na minha trajetória de vida; são visões que interpretam a lógica que justifica a defesa de propagar sempre o amor, pode parecer piegas, mas o amor constrói.