Romance A família Canuto

Romance A família Canuto
Romance A família Canuto e a Luta camponesa na Amazônia. Prêmio Jabuti de Literatura.

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

O mundo está virado

O mundo está virado
Carlos Cartaxo

O mundo não está virado! Parece-me pouco interessante iniciar um texto com negativa, mas a liberdade literária me permite brincar com palavras e sentidos. É inquestionável que muitas “coisas” estão ao avesso; são livrarias fechando, pessoas lendo menos, amando menos, trabalhando mais, pobre pensando que é rico, rico explorando pobre. Gente fumando mesmo sabendo que é veneno. Aluno/as estudando sem saber porquê, outros se tatuam para.. não sei bem o porquê... Talvez culto ao corpo ou rebeldia, auto-afirmação, demarcação de poder; outro/as brincando de fazer sexo, brincando de consumir drogas, de usar veículos para testar a adrenalina trafegando em alta velocidade, “brincando”! Homens agredindo mulheres, pessoas agredindo crianças. Líderes religiosos vendendo indulgência, mentindo em nome de Deus, explorando a pobreza com o dízimo, usando a igreja para eleger corruptos; políticos corruptos sendo eleitos com o argumento de combater a corrupção; empresários defendendo a livre iniciativa, contanto que seja para interesse pessoal; judiciário julgando em causa própria, condenando sem provas, e muito, muito mais. Diante desse quadro nos chega a ideia de que o mundo está virado. Pois é, assim caminha a humanidade.

Foto: Carlos Cartaxo. Museu de Arte Contemporânea de Barcelona, Espanha.

Se analisarmos a história da arte, digo a história da humanidade, veremos que o rumo é outro. A humanidade não tem retrocedido, tem evoluído! Da pré-história à pós-modernidade encontramos avanços em demasia. É claro que muitas conquistas são fruto de algum retrocesso. A máxima popular é bem clara ao esclarecer que muitas vezes é necessário “um passo atrás para avançarmos dois à frente”. Perder uma batalha não quer dizer perder uma guerra, assim como perder uma partida não impede de ser campeão. Paradigmas hão de serem rompidos; trilhas hão de serem conquistadas.
Os valores éticos e humanos devem priorizar nosso procedimento diante da sociedade. Essa deve ser a escala comportamental da cidadania. Se observarmos trabalhos como as peças de Sófocles, Aristófanes, William Shakespeare, Paulo Pontes; performances de Vant Vaz; quadros de Picasso, Flávio Tavares; músicas de Villa Lobos, Pedro Osmar, Chico César, estes representando aqui milhares de artistas que expressaram e expressam a alma humana, constataremos que a arte ainda é uma luz no fim do túnel da desilusão.
A arte por si só não diz tanto quanto tem para dizer. Todavia quando há convergência entre a arte e a comunicação, a revolução está pronta para eclodir. A Instalação: Sob os paralelepípedos - o poético e o político em maio de 68 na França, realizada pela ADUFPB no Centro de Vivência da UFPB, em maio de 2018, expõe o quanto revolucionária pode ser a arte, além de instigadora e comunicativa. Revolução fortalecida de sentimentos, de compreensão, de respeito, de compromisso, de atitude e de consciência para com a vida.

Foto: Carlos Cartaxo. Instalação: Sob os paralelepípedos - o poético e o político em maio de 68 na França

Ao ler “Lisístrata”, peça teatral de Aristófanes, dramaturgo grego, escrita em 411 a. C., somos estimulados a compreender o papel da mulher na sociedade como sendo de equilíbrio. Para aqueles que colocam a greve e os protestos no patamar do “comunismo” precisam saber que “Lisístrata” é o primeiro registro literário sobre greve, e greve de mulheres. Aqueles que defendem a moral da família, mas que, hoje, traem a esposa/o e têm filhos de relações extra-conjugais, é bom ler “Édipo rei” de Sófocles, tragédia escrita 427 a.C. No caso daqueles que vão aos cultos, templo, igrejas, pedir votos para corruptos em nome de Deus é bom ler Hamlet ou Otelo de Shakespeare para tomarem conhecimento  do que é traição, lutar por poder, brigas e mentiras.
Diante das ricas possibilidades de aprendizagens que a arte possibilita, me vem à indagação: será que o ensino de arte está trabalhando o conteúdo arte com a perspectiva de contribuir para a evolução social e formação cidadã? Será que o/as discentes vivenciam experiências que tenham como foco a paz, o respeito e a igualdade? Muitas perguntas surgem; algumas delas vêm com respostas; e nós mortais que estamos lendo, podemos questionar: que ações estamos realizando para enquadrar uma nova ordem mundial onde todos possam ter no abraço e na aprendizagem o berço da felicidade e da solidariedade?
Quando a arte se aproxima da comunicação ou vice-versa, me certifico que o conteúdo arte quando chega à comunicação sofre uma tempestade de deformações. Enquanto Aristófanes demonstra em “Lisístrata” a força da mulher e a necessidade de sua organização em grupo na sociedade, vários canais de televisão no Brasil fazem campanha contra a violência doméstica, mas apóiam candidatos que irão representar organizações e pessoas que defendem abertamente a violência propondo uma sociedade de conflitos.  Enquanto o autor grego citado, há século propaga a paz nas suas peças teatrais, vários canais de comunicação, dentre eles a televisão e o cinema, propagam a violência, a ideologia do conflito, de guerra e poder.
No quadro Guernica, Pablo Picasso demonstra toda sua indignação contra o fascismo e o nazismo. Nesse trabalho, que está exposto no Museu Reina Sofia em Madrid, Espanha, o autor expressa toda sua indignação e inconformismo com a bomba lançada por um ataque aéreo nazista, em apoio ao regime fascista espanhol de Francisco Franco, que destruiu grande parte da cidade de Guernica na Espanha, deixando o saldo de centenas de civis mortos entre crianças, mulheres e trabalhadores.
Quando o/a professor/a de arte trabalha a obra de Picasso como conteúdo, na sala de aula, que conexão ele/a faz com a violência urbana no Brasil? A burguesia que vai passear na Europa, quando passa por Madrid, vai ao Reina Sofia, apreciar a famosa obra de Picasso e que associação essa classe burguesia faz com a matança de negros e pobres nas favelas e periferias brasileiras? Como o/a docente trabalha metodologicamente esse conteúdo para que o/as discentes entendam a obra Guernica e entendam o contexto em que vivem na sua comunidade?
Mais uma vez volto o foco a mídia, mais especificamente aos programas policiais e semelhantes da televisão aberta brasileira que faz da dor humana a espetacularização que gera audiência fortalecendo o sentimento de impotência em quem mora a margem da sociedade burguesa. Essa questão não é nova, Guy Debord, no livro A Sociedade do Espetáculo, aborda essa temática de forma crítica. Ele demonstra o quanto essa sociedade dita real é de fato subjetiva, voltada ao consumo desvairado, logo irreal. Mas quem lê esse autor? Os fomentadores da violência e da deseducação, certamente não lêem, e ainda defendem o pensamento da “escola sem partido” que de fato é “escola de um único partido”, um único pensamento, que, por conseguinte, defende a divisão social em classes distintas e distantes, onde os hegemônicos determinam o que os subalternos devem ver, consumir e gostar.
No livro a Utopia do gosto, Waldenyr Caldas, argumenta que gosto se discute porque gosto se impõe e se determina. Essa tese ratifica a compreensão de que não há neutralidade no conhecimento. A publicidade, o marketing e outras ferramentas da administração e da comunicação são trabalhados no sentido de tornar o sujeito um consumidor em potencial e, na maioria das vezes, consumir e gostar de veneno, além de propagar e defender o que é determinado como sendo bom!
É impossível esconder: a ideologia está presente em todos os seguimentos da sociedade, em todos os canais de comunicação. Nesse sentido, uma conclusão surge no nosso horizonte, no caso, é a convergência para a leitura, o debate, o respeito e a pluralidade de ideias. Essa propositura pode resultar em ações, inclusive comportamentais, que podem desvirar o mundo que nos parece estar de cabeça para baixo. Ler com perspectiva crítica e analítica possibilita a todas as gerações acúmulo de conhecimento plural, ético e eclético, o que nos faz compreender que se o mundo parece estar virado, todavia nós podemos e devemos desvirá-lo colocando-o no eixo lógico do que parece certo, mesmo que seja uma certeza relativa.

Referências
CALDAS, Waldenyr. Uma utopia do gosto. São Paulo: Brasiliense, 1988.
DEBORD, Guy. A Sociedade do espetáculoRio de Janeiro: Contraponto, 1997.
PROENÇA, Graça. História da arte. São Paulo: Ática, 1995.

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

A arte não é um mundo à parte!

A arte não é um mundo à parte!
Carlos Cartaxo
A fragmentação da arte em especialidades ou em áreas tem causado um desconforto a quem pesquisa nessa área de conhecimento. Há duas correntes separadas por compreensão teórica que determinam que caminho trilhar. Uma é a concepção da moderna de que a arte deve estar nas galerias, museus, teatros, salões, concertos, para serem apreciados em espaços fechados, geralmente cobrando ingressos. A outra tem princípios conceituais diferentes, parte do fundamen  Essas concepções não são necessariamente antagônicas; claro, em alguns momentos se chocam, em outros se aproximam.
to de que a expressão artística não deve ter como essência interesses financeiros, deve ser livre e não precisa de parecer de críticos, acadêmicos, especialidades para definir o que é ou deixa de ser arte.
O advento no mundo virtual é um exemplo de que a arte fechada e determinada se é arte ou não por um dono do saber não cabe mais no contexto pós-moderno que se configura à nossa frente. Essa questão me remete ao livro Amor líquido de Zygmund Bauman em que o autor aborda sobre os relacionamentos no mundo volátil em que vivemos. Nesse contexto, os relacionamentos virtuais são pragmáticos e efetivos; mas o sonho é um relacionamento real, embora complexo.
No ensino da arte não é diferente, a admiramos expressões artísticas da mais diferentes matizes. Expressões artísticas híbridas, tradicionais ou contemporâneas. Mas na escola tem que ser a caixinha fechada das artes visuais, da música, do teatro e da dança. Será que essas ditas linguagens são tão separadas quanto alguns pregam? Será que a motivação para mergulhar no conhecimento artístico está na arte aberta, plural, híbrida, em rede, fazendo parte de matrizes fluídas com possibilidades múltiplas ou deve ser aquela baseada em linguagens, que nem concordo que são linguagens? Nesse sentido é necessário um debate mais consistente acerca dos princípios metodológicos da abordagem teórica em rede no ensino de arte.
Arte é expressão, não é linguagem. Em algumas situações pode ser linguagem quando se trata de técnicas a serem repetidas; mas quando se fala de livre expressão, de criatividade, de experimentar e vivenciar, o conceito de linguagem na arte vai por ladeira a baixo e perde espaço para concepções em cadeia com base risomática. Essa questão, eu abordo no meu livro “Amor invisível: artes e possibilidades narrativas” com mais profundidade. Lúcia Santaella em “Por que as comunicações e as artes estão convergindo?” também foca no tema em questão. Há pelo menos um século as comunicações estão inseridas nos contextos culturais. Algumas danças nativas, além de artísticas são canais de comunicação que traduzem histórias de vidas.
Foto de Carlos Cartaxo, postada no livro "Amor invisível: artes e possíbilidades narrativas" do mesmo autor.
“Característica marcante da cultura das mídias está na intensificação das misturas entre as mídias por ela provocada: filmes são mostrados na televisão e disponibilizados em vídeo; a publicidade faz uso da fotografia, do vídeo e aparece em uma variedade de mídias; canais de TV a t abo especializam-se em filmes ou em concertos, óperas e programas de arte, etc. Com isso, as misturas entre comunicações e artes também se adensam, tornando suas fronteiras permeáveis.” (SANTAELLA, 2007, p. 14).  
Referências:
BAUMAN, Sygmunt. Amor líquido: sobre as fragilidades dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.
SANTAELLA, Lucia. (2007) Por que as comunicações e as artes estão convergindo? São Paulo: Paulus.