Passagem aérea divulgada como se fosse o programa oficial do governo federal, mas é fraude.
domingo, 29 de junho de 2025
É golpe!
Quando a cultura popular e a academia se encontram
sexta-feira, 31 de janeiro de 2025
Julieta, meu amor
Julieta, meu amor
Carlos Cartaxo
Ouvir amigos pode ser uma boa terapia; aliás, ouvir sempre é bom porque nós adquirimos habilidade para efetivar uma comunicação equilibrada, atenta e de qualidade. Pois bem, certa vez meu amigo Newton Jorge me indagou pelo fato de eu conhecer algumas cidades italianas, todavia, não conhecia Verona, a cidade em que William Shakespeare situou a peça teatral “Romeu e Julieta".
A simples pergunta do amigo se transformou em uma provocação que, consequentemente, resultou em minha visita àquela urbe, consagrada pela famosa peça teatral do dramaturgo inglês. Por curiosidade procurei saber se no renascimento Verona já pertencia a Itália e descobri que só em 1866 ela foi incorporada ao Reino da Itália, período da Terceira Guerra da Independência do país. Posteriormente Verona foi declarada, pela UNESCO, como sendo patrimônio da humanidade, tendo em vista a preservação da bela estrutura arquitetônica e urbana.
Dentro do meu planejamento da ida a Verona foi reler a peça teatral shakespeariana “Romeu e Julieta” para que eu pudesse me situar na cultura da cidade no período renascentista e, consequentemente, traçar um paralelo com a realidade de hoje. Essa releitura foi impactante porque sempre que leio algo mais de uma vez, surgem compreensões antes não vistas. Aqui fica minha ressalva para aqueles leitores que ainda não mergulharam na poesia de William Shakespeare, que o faça o quanto antes. Essa releitura fortaleceu minha paixão pelo autor, principalmente sua criatividade dramática e o seu vocabulário poético. Faço questão de afirmar que todas as vezes que leio Shakespeare estimulo minha capacidade de amar porque sempre me sinto mais apto para redefinir o amor pela ótica lexical em que, como substantivo, entendo ser o comportamento incondicional de fazer bem ao próximo.
Como sempre somos influenciados pela cultura em nossa volta; reconheço que meu apreço pela obra de Shakespeare se deve aos estudos teatrais e, particularmente, às colegas docentes Vitória Lima e Sandra Luna; o colega docente e crítico literário João Batista de Brito e o multiartista W. J. Solha, que tão bem conhecem o autor inglês em pauta aqui.
Com o ímpeto shakesperiano que brota dentro de mim e jorra pelos olhos, trago comigo o conceito de amor, que é aquele que torna um sentimento incondicional.
Em busca do amor irrestrito, parti para desbravar Verona com a curiosidade que só o coração pode traduzir o que, afinal, é ficção e realidade, estória e história, no comportamento humano, assim como, na criação dramática e, consequentemente, no meu vasto imaginário.
Em Verona fui caminhar para descobrir os becos, vielas e ruas milenares. Saí pela cidade afora, lépido, com um mapa na mão a desbravar as pérolas arquitetônicas e culturais que, porventura, me diziam respeito. A primeira parada, para minha surpresa, foi diante do dito cujo, o querido dramaturgo inglês. Ao entrar no jardim do Mosteiro de São Francisco do Corso, ele estava com a exponencial expressão de sabedoria. Claro que me aproximei da autoridade e me dei o direito de viajar no tempo, um pouco mais de 500 anos passados, mais especificamente no século XV. Nesse momento, entre prédios históricos de riqueza cultural imensurável, me deparei com situações históricas que mais pareceram ficcionais; por exemplo, no Mosteiro citado, prédio do século XIII, há o túmulo de Julieta. O sarcófago foi instalado lá em 1937; e claro, está vazio. Contudo, é memorável porque, hipoteticamente, foi neste Mosteiro que Shakespeare se inspirou para escrever as cenas fatídicas da peça teatral, de 1596, em que o casal romântico morreu. Não obstante a lógica histórica, há quem afirme que Julieta, assim como Romeu, não passaram de personagens ficcionais de Shakespeare. Contudo, há quem afirme que essa história é uma lenda popular que vem sendo contada há séculos. Entre a história e a cultura ficcional, eu fico com a quimera shakespeariana. A prova é que registrei minha tentativa de comunicação com o nobre escritor no jardim, entrada, do referido Mosteiro. Evidentemente, ele não me deu atenção. Contudo, emocionado, agradeço por ele ter existido e por eu ter estado naquele cenário.
Na visita a Verona, uma das indicações era ir à casa de Julieta Capuleto, e fui. Pena que no circuito cultural da cidade não há a casa de Romeu Montecchio; eu pensei ser machismo a não existência da morada de Romeu em Verona. Todavia, na peça teatral o foco está na casa de Julieta. Conquanto, a sensibilidade de desta a torna uma personagem mais representativa no contexto da peça. Também compreendi que o charme da cena está na sacada da casa de Julieta que se tornou referencial turístico e evidente fonte de renda para a cidade.
Em Verona, as famílias abastadas e os membros das cortes tinham casamentos arranjados; até hoje essa prática pode ocorrer entre nós mortais contemporâneos. Por esse motivo, a Senhora Capuleto, mãe de Julieta, conversava com a filha, atentando-a de que, aos quatorze anos, havia chegado o momento de pensar na escolha de um noivo. Como consta na peça teatral, a família Capuleto ofereceu um jantar para convidados, possíveis candidatos a casamento com a bela Julieta. Aqui inicia o conflito dramático da peça teatral.
É difícil resistir ao imaginário ficcional shakespeariano, como se de fato, tudo que ele, o dramaturgo inglês, escreveu fosse apenas a fértil imaginação que louvamos há séculos pela sua bela narrativa. Conforme comprova a fala do autor: “o amor, em tamanha extremidade, sabe fazer da dor felicidade”. Não há dúvida, o homem tinha fértil sabedoria e domínio das letras e do teatro.
Para compreender a complexidade da criação ficcional é importante saber que William Shakespeare teve influência da Itália medieval e, principalmente, renascentista; todavia, ele nunca esteve presente na cidade de Verona, o que comprova a força da sua criatividade que persiste até hoje na bruma dos logradouros.
Ao vaguear por Verona eu pude comprovar o quanto a narrativa escrita e oral renascentista, secular, foi importante e determinante na criação artística de hoje. Ao colocar Verona como cenário da peça Romeu e Julieta, Shakespeare fez uma ótima escolha porque a Itália renascentista era o berço criativo da época e a região tem um encanto que deslumbra qualquer humano; por isso Verona é denominada a “cidade do amor”. A vida real através da arquitetura, das pessoas, das colinas, do rio Ádige, caudaloso e límpido, da Arena do século I d.C, dos castelos, se constitui num cenário natural adequado para os personagens fictícios da literatura, que parecem presentes, de tal forma, que nos encantam como se espalhassem, eternamente, um aroma de romantismo pelos quatro cantos da cidade.
Como mortal que trás consigo o imaginário fértil também fui à casa de Julieta. Embalde, ela não me recebeu! Prefiro acreditar que ela havia saído, possivelmente há mais de cinco séculos. No tresloucado passo entre a ficção e a realidade, me pus no contexto shakespeariano me fazendo ser Romeu e naturalmente pensei no silêncio do amor, escrito por Shakespeare: “Julieta, deitar-me-ei ao teu lado ainda esta noite”. Como é de se acreditar, não obtive resposta. Não fui correspondido, muito menos atendido! O fato é que bati em sua porta, como se fosse o Romeu, como se eu fosse um outro personagem, no caso, o Roteu ou Roseu! Na inserção da novela de Shakespeare, lembrei da fala de Julieta para Romeu: “Quem és tu que, encoberto pela noite, entras em meu segredo?”.
Como séquito da literatura renascentista, busquei e me vi no contexto que sempre sonhei. Não obstante o ensejo de não encontrar Julieta, me dei por vencido e fui distribuir mesuras pelos logradouros de Verona. Felizmente não compartilhei da infeliz tragédia final, bem escrita na peça teatral, o que me fez pensar o que bem disse a Senhora Capuleto, mãe de Julieta: “Pelas praças o nome de Romeu o povo grita; outros, o de Julieta; outros de Páris, correndo com clamores toda gente para o lado do nosso monumento.” Decidi deixar Julieta e Shakespeare na memória e fui desbravar a bela arquitetura romana, medieval e renascentista que ainda há, bem conservada, pela adorável urbe italiana. Lá encontrei um rio caudaloso que bastou para a alacridade de meu regozijo admirador da literatura do escritor inglês e amante da dramaturgia. Do alto do antigo castelo de San Pietro pude exalçar o quanto é divino viver e alimentar sonhos para realimentar utopias.
Se a experiência vivida em Verona foi bela, tanto quanto ler o dramaturgo inglês, só me resta pedir licença a Shakespeare e a Romeu para concluir com uma mesura que expresse meu encanto pela cidade e a principal personagem dessa história: Julieta, meu amor, a vida é um encanto com ou sem dor.
Referência
Shakespeare, W.. Romeu e Julieta. eBooksBrasil.com https://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/romeuejulieta.pdf
sábado, 21 de dezembro de 2024
Estudos étnicos e inteligência artificial
Estudos étnicos e inteligência artificial
Carlos Cartaxo
Dentre o que foi importante no ano de 2024 para mim, um dos registros é a publicação do artigo "Estudos étnicos e inteligência artificial" na revista Conceitos da ADUFPB - Seção Sindical do ANDES-SN. O artigo está disponível no endereço https://www.adufpb.org.br/site/wp-content/uploads/2024/10/CONCEITOS_29_OUTUBRO_2024_v3.pdf, página 52.
Esse artigo é fruto da disciplina Seminários Étnico-raciais do Departamento de Comunicação da Universidade Federal da Paraíba; e aborda sobre a interseção entre inteligência artificial (IA) e questões étnico-raciais, com destaque à expansão da IA para diversas áreas da sociedade. A preocupação central é se a IA será usada de maneira inclusiva ou excludente em relação ao racismo e outras formas de discriminação.
Uso das informações na contemporaneidade é uma questão preocupante, portanto séria, no universo da comunicação. Essa é uma questão de poder, "estudos sobre a histórica mistura étnica entre pretos e brancos, em regiões como o norte da África e a Península Ibérica, demonstram que a concepção de raça foi usada para fins de dominação e escravidão; portanto, a questão levantada é se os algoritmos de IA, controlados por programadores, serão desenvolvidos de maneira a combater o racismo ou perpetuá-lo" (Cartaxo, Feitosa, Silva, 2024, p.52).
A série documental "Coded Bias", que discute o viés racial em algoritmos de IA tem uma importância ímpar nesse debate; inclusive fundamenta nosso artigo porque destaca o fato de que algoritmos que deveriam ser neutros, como se existisse neutralidade, podem fortalecer preconceitos e ratificar a ideia de que o ativismo digital pode e deve desempenhar um papel na conscientização e na busca por soluções anti racistas. Essa abordagem vale também para "a violência contra indígenas, especialmente no Brasil, destacando a discriminação, o deslocamento forçado, a violência física e cultural que essas comunidades enfrentam, bem como a negligência no que concerne a saúde e a educação desses povos, além da impunidade dos perpetradores que é um problema persistente e dramático" (Cartaxo, Feitosa, Silva, 2024, p.52).
A base teórica do trabalho tem como fonte os conceitos teóricos da norte-americana Toni Morrison, e do brasileiro Gersem dos Santos Luciano – Baniwa; além de vários autores e autoras de artigos científicos sobre o tema e páginas de internet. Abaixo cito fragmentos do artigo.
"A IA vai intervir como e até quando?
A Inteligência Artificial é uma área do conhecimento que tem uma raio de ação multidisciplinar. Os cientistas J. McCarthy do Dartmouth College, M. L. Minsky da Harvard University, N. Rochester da I.B.M. Corporation e C. E, Shannon da Bell Telephone Laboratories organizaram uma conferência no Dartmouth College em Hanover, EUA, em 1956, que determinou os primeiros debates e registros científicos do que se denominou IA - Inteligência artificial. O evento foi tão impactante, para as gerações futuras, que cinquenta anos depois, John McCarthy organizou a AI@50 com o fim de homenagear e, evidentemente, reconhecer a importância da primeira conferência; mas, sobretudo, fortalecer a pesquisa nesse campo científico que já estava consolidada e caminhava a passos largos. A ideia de McCarthy era “proceder com base na conjectura de que cada aspecto da aprendizagem ou qualquer outra característica da inteligência pode, em princípio, ser descrito com tanta precisão que uma máquina pode ser feita para simulá-lo” (DARTMOUTH, 2023). O AI@50 foi dirigido pelo professor de filosofia James Moor. Este afirmou “que os investigadores que vieram para Hanôver há 50 anos pensaram em formas de tornar as máquinas mais conscientes e queriam estabelecer uma estrutura para compreender melhor a inteligência humana” (DARTMOUTH, 2023)".
"A miscigenação de negros e brancos vem de tempos remotos. O norte da África e o sul da Europa e, mais especificamente, a Península Ibérica, há séculos, passam por esse processo. A designação de raça tem sido fruto de interesses que, em muitos casos, se denominam científicas, com o fim de dominar e escravizar certas etnias. Muito antes das experiências médicas dos nazistas com base em diferentes etnias, a “ciência” já era usada como forma de controle e dominação. O New Orleans Medical and Surgical Journal (Cadernos de Medicina e Cirurgia de New Orleans), citado por Morrison, publicou que "negros são utéis, não tanto quanto gado, mas tampouco reconhecidamente humanos (MORRISON, 209, p. 14). Os algoritmos são determinantes à condição criativa da Inteligência Artificial; se comporta de acordo com os comandos do programador; então, eis a questão: esses comandos serão inclusivos ou exclusivos contra o racismo? As equipes que trabalham com a IA, trabalham conteúdos multiculturais e anti-racistas? Se a ciência, em vários momentos da história da humanidade, afirmou e defendeu que certas etnias eram inferiores, como esse comportamento controlador e opressor agirá diante do racismo e de outros fatores excludentes?
Inteligência Artificial e etnia: uma ligação com o racismo estrutural
A Inteligência Artificial (IA) tem se tornado cada vez mais presente em nossas vidas, desempenhando papeis significativos em diversas áreas, desde assistentes virtuais até sistemas de reconhecimento facial. No entanto, à medida que a tecnologia avança, também enfrentamos desafios importantes relacionados à ética e à inclusão.
A questão da inteligência artificial e sua interseção com a etnia é um tema fascinante e complexo, pois tem sido abordado em diversas obras de arte e literatura, desde a década de 90 do século XX. O filme "O Grande Desafio", estrelado por Denzel Washington, e o livro "A Origem dos Outros", são obras que não abordam diretamente a tecnologia, mas nos oferecem perspectivas reflexivas sobre como a inteligência artificial pode impactar nas questões étnicas e raciais da sociedade contemporânea.
O filme "O Grande Desafio" conta a história real de um professor que lidera uma equipe de estudantes negros, no sul dos Estados Unidos, para participar de competições de debates. Ele retrata principalmente a superação das dificuldades educacionais dos estudantes, e também levanta questões sobre o acesso igualitário à educação e as oportunidades para jovens de comunidades sub representadas. Isso ressoa com questões de diversidade étnica, já que muitas vezes grupos minoritários enfrentam barreiras socioeconômicas que limitam seu acesso à educação e, por extensão, às oportunidades de carreira em tecnologia, incluindo a inteligência artificial.
Esse cenário se agrava quando fazemos recortes de gênero. Um estudo realizado pela (Pretalab 2017), em parceria com a ThoughtWorks, mostrou que a área de tecnologia é majoritariamente composta por homens brancos de condição socioeconômica média e alta.
A pesquisa, intitulada #Quemcodabr, analisou dados de mais de 10 mil profissionais de tecnologia no Brasil. Os resultados revelaram que, em 32,7% dos casos, não há nenhuma pessoa negra nas equipes de trabalho. Em 68,5% das análises, as pessoas negras representam um máximo de 10% das equipes. Além disso, 21% dos entrevistados responderam que em suas equipes não há nenhuma mulher"
"A inteligência artificial sendo desenvolvida por seres humanos, também pode refletir os preconceitos e as crenças culturais de seus criadores, perpetuando a intolerância e os estereótipos, caso não seja devidamente treinada e supervisionada pelas autoridades competentes. É importante considerar a diversidade em todas as fases do desenvolvimento da tecnologia, como os dados usados nos algoritmos, e quem está desenvolvendo, pois podem refletir as rejeições existentes nos desenvolvedores destes códigos; e isto poderia levar a discriminação automática.
Diante disso, é necessário que a sociedade esteja ciente dessas questões e participe ativamente do debate sobre como a IA pode ser usada de maneira justa e inclusiva. A inteligência artificial tem o potencial de amplificar os valores morais, éticos e culturais, e se for desenvolvida e utilizada de maneira correta pelas equipes de desenvolvimento, associada a implementação de regulamentações, podem garantir que a IA não perpetue desigualdades existentes na nossa contemporaneidade.
Por fim, o filme "O Grande Desafio" e o livro "A Origem dos Outros" oferecem perspectivas importantes sobre a relação entre inteligência artificial e etnia. Elas nos lembram que a tecnologia deve ser usada para promover a igualdade e a justiça, em vez de aprofundar divisões e preconceitos. Ela também é uma ferramenta poderosa na promoção de um mundo mais inclusivo e equitativo, desde que seja desenvolvida e utilizada com responsabilidade e sensibilidade às questões étnicas, raciais e culturais.
Referências
CARTAXO, Carlos; FEITOSA, Kaira L. T.; SILVA, Walber B. da. Estudos étnicos e inteligência artificial. João Pessoa, Revista Conceitos, n 29, outubro de 2024.
domingo, 6 de outubro de 2024
Futebol e cultura
Futebol e cultura
Carlos Cartaxo
Além de esporte, futebol é cultura! Como a brisa em uma tarde de calor, esta frase parece ser de efeito; um retrato perfeito da obviedade que poderia ser composta de um conjunto sensível extraído de uma tela expressiva de Van Gogh; de fato, ela surgiu para mim em um estádio de futebol, mais especificamente no jogo Auto Esporte Clube e Associação Desportiva Picuiense, que aconteceu na primeira quinta-feira do corrente outubro no estádio de futebol Almeidão, em Parahyba, capital situada no ponto extremo oriental das Américas.
Os estudos multiculturais sempre me remeteram às tradições que constituem minha formação, por conseguinte, minha identidade latino-americana, brasileira, nordestina paraibana e picuiense, com profundas raízes da terra de padre Rolim, Cajazeiras, alto sertão da Paraíba. Esse caldeirão multicultural me fez atleta na adolescência e escritor na fase adulta; o que pude comprovar na ida a um estádio de futebol na capital paraibana.
Ao entrar, pela primeira vez, na imensa estrutura de engenharia do Almeidão, em Parahyba, me senti mais engenheiro e herdeiro de horas de estudos no universo da física e matemática. A imensidão da estrutura de concreto, me fez revisitar anos de estudos na engenharia mecânica, que poderia ser também na engenharia civil ou arquitetura. O fato é que, foi meu filho mais velho, Caio Cartaxo que abriu a porta do Almeidão e me motivou a ir assistir a memorável partida de futebol entre Auto Esporte Clube e Picuiense Futebol Clube.
O primeiro, é um clube que foi fundado em 7 de novembro de 1936, por iniciativa de um grupo de motoristas que se estabelecia na Praça do Relógio, no histórico Ponto de Cem Réis, na capital paraibana. A Wikipédia informa que, “por motivos até então desconhecidos, seu aniversário é comemorado a cada 7 de Setembro”, embora tenha sido fundado em novembro. “É o quarto maior vencedor do Campeonato Paraibano de Futebol entre os clubes ativos, com seis títulos: 1939 (invicto), 1956, 1958, 1987, 1990 e 1992. É detentor também do título da Copa Paraíba de 2011”. Portanto, afirma-se que o Auto Esporte é um clube classista, pois foi criado por um grupo de taxistas, portanto proletários do universo de condutores automobilísticos. Historicamente, após sua fundação, o clube foi transferido para Jaguaribe no sindicato dos rodoviários. Como disse Caio Cartaxo, “achei curioso o fato de que o mascote do Auto Esporte é o macaco; isso se deve ao fato de usarem macacos nos veículos”. Portanto, como engenheiro e motorista, ratifico minha identidade cultural com o Auto Esporte Clube. Já o Picuiense me remete a minha primeira infância, como o fedelho que corria atrás de uma bola, feita de meias velhas rasgadas, lá em Picuí; poucas foram às vezes que tive a oportunidade de brincar com uma bola de couro nas proximidades da Maricota. Mas, o marcante na minha ligação cultural com o futebol foi o fato de que quando garoto pequenino, meu pai me levou a Natal, capital do Rio Grande no Norte, para assistir a uma partida de futebol profissional. O tempo correu e só na fase adulta descobri que aquela viagem foi para assistir o Santos de Pelé contra o América potiguar. Na época, eu não fazia ideia da importância daquele momento; hoje entendo a sensibilidade de meu pai de me levar para testemunhar aquele acontecimento desportivo com a presença do Rei do futebol. Quando estava a morar em Barcelona, Espanha, fui ao Camp Nou, assistir o Futbol Club Barcelona jogar, foi outro momento marcante. Pois bem, a semana passada foi a vez do meu filho me levar ao estádio Almeidão para iluminar meu coração naquela inesquecível partida de futebol que reconduziu o Auto Esporte Clube à categoria da primeira divisão do futebol paraibano.
A primeira associação que faço entre futebol e cultura é construída a partir da literatura do dramaturgo Nelson Rodrigues, pernambucano radicado no Rio de Janeiro, originário de uma família de jornalistas e escritores. Depois me vem à mente o jornalista paraibano Phelipe Caldas, autor dos livros: “O menino que queria jogar futebol: uma história de fé e superação”, adaptado para o cinema; e “Além do futebol: paixões, dores e memórias sobre um jogo de bola”. Lembro também o colega, engenheiro mecânico, Edvaldo Nunes, também poeta e escritor, que contribuiu para a associação entre futebol e cultura com o livro, apaixonante, “Um Belo campeão, uma vida que segue: A década de 1930 do Botafogo da Paraíba”, parte da história do Botafogo Futebol Clube da Paraíba, originalmente conhecido como belo. Essa conexão também se dá através de meu filho, jornalista profissional, Iaco Lopes Cartaxo, especialista em esporte, repórter da TV Cabo Branco/Rede Globo, que defendeu o Trabalho de Conclusão de Curso na UFPB, sobre o Botafogo Futebol Clube da Paraíba, “O jogo por trás do jogo: como o dinheiro público impulsionou o Botafogo-PB ao título brasileiro da Série D em 2013”. Pois bem, dentre essas vivências e experiências que consolidaram em mim uma forte relação do futebol com a cultura, destaco igualmente o fato de que o pai de Phelipe Caldas, Francisco Caldas, o querido Chicão, foi meu professor quando eu cursava engenharia mecânica na UFPB. Essas particularidades na linha do tempo da minha vida são singelas demonstrações da sólida ligação entre futebol e cultura que contribuíram, diretamente, para minha formação profissional e cidadã.
Iaco Lopes Cartaxo
A foto de Iaco Lopes Cartaxo trabalhando, quando eu estava na arquibancada, expõe a força das cores, vermelho e branco, na imagem visual do Auto Esporte. Demonstra além do aspecto denotativo, a representação conotativa e a expressão cultural do Clube que fortalece o cordão umbilical com a torcida. Para explicar melhor essa conexão, me remeto a María Acaso, para explicar essa relação simbólica:
Todos os sinais, incluindo os sinais visuais, funcionam a partir de dois níveis: o nível semântico e o nível de significado. O nível semântico tem a ver com o que se chama de significante, e consiste no aspecto material do signo, ou seja, sua parte física, que aborda o objetivo e o consciente. O discurso denotativo emerge do significante, uma espécie de mensagem não codificada (Barthes a define como “uma mensagem icônica não codificada”) através da qual os elementos da imagem são listados e descritos, sem qualquer projeção avaliativa e/ou cultural. Podemos dizer que é a mensagem objetiva de um signo.
Por outro lado, o significado é o conceito ou unidade cultural que se outorga ao signo através de uma convenção socialmente estabelecida. Atende ao subjetivo e ao inconsciente e dele emerge o discurso conotativo, em que o observador interpreta livremente os elementos da imagem... Podemos dizer que é a mensagem subjetiva de um signo”. (Acaso, 2006, p. 41-42).
O tema em pauta comporta além da concepção acadêmica de María Acaso, abordagens teóricas de autores consagrados como Dietrich Schwanitz que traça uma linha sólida na história da cultura, que dá sentido aos valores que contribuem para a evolução social e cultural da humanidade. Schwanitz defende a tese de que a trajetória da história da humanidade tem como alicerce a multiculturalidade; ideia que comungo porque converge para a linha conceitual que aproxima a cultura do esporte e vice-versa, conforme se constata, por exemplo, com a trajetória traçada que vai dos jogos olímpicos na Grécia Antiga aos jogos na Pós-modernidade, com destaque evidente à evolução participativa da mulher nos desportos, fortalecendo seu empoderamento em vários segmentos sociais e periféricos tendo como resultado conquistas significativas na economia, na política, na cultura e evidentemente no esporte. Essa concepção multicultural, evolutiva, também pode ser aprofundada a partir dos estudos de Alejandro Grimson sobre os limites da cultura, inclusive, com foco sobre a questão da cultura e identidade, o que é o caso da identidade cultural construída através da história das paixões do/as torcedore/as pelos seus clubes. A ligação entre torcidas de uma determinada agremiação, aproxima pessoas, criam laços identitários que as fazem ter muito em comum; no caso, a paixão pelo mesmo clube e pelo esporte. Foi assim que me senti identitariamente ligado às pessoas que estavam em volta de mim, na arquibancada do Almeidão, torcendo para a vitória do Auto Esporte.
No estádio de futebol me senti representado por ser torcedor de um Clube que tem representatividade histórica e popular. Entre os presentes se viam casais e famílias completas, inclusive com crianças de todas as idades. Contrário ao culto do corpo tão propalado no atual contexto pós-moderno da estética do consumo e do modismo, o que se via nas arquibancadas eram expressões espontâneas com o foco no coletivo, representado pelo Clube que estava no gramado, e não na individualização dos sujeitos torcedores. A heterogeneidade era a composição coletiva do ambiente, o que converge para o conceito multicultural da diversidade e respeito pelo próximo; de maneira que, com a ida ao estádio Almeidão, me convenci que a relação entre futebol e cultura é o mesmo laço que conecta o esporte à vida humana.
Referências
Livros
A cara da mídia. - Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010.
ACASO, María. El lenguaje visual. Barcelona: Paidós, 2006.
CALDAS, Phelipe, Além do futebol: paixões, dores e memórias sobre um jogo de bola. João Pessoa: Ideias, 2016.
____ O menino que queria jogar futebol: uma história de fé e superação. João Pessoa: Ideias, 2018.
GRIMSON, Alejandro. Los límites de la cultura: critica de las teorías de la identidad. Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores, 2011.
SCHWANITZ, Dietrich. Cultura: tudo o que se precisa saber. Alfragide: Publicações Don Quixote, 2012.
Internet
https://pt.wikipedia.org/wiki/Auto_Esporte_Clube_(Para%C3%ADba)