Romance A família Canuto

Romance A família Canuto
Romance A família Canuto e a Luta camponesa na Amazônia. Prêmio Jabuti de Literatura.

domingo, 29 de junho de 2025

É golpe!

Carlos Cartaxo 

O mundo parece estar virado! Trafegar pelas ruas caminhando ou de transporte, que é a realidade cotidiana da maioria da população, se tornou um procedimento de risco, portanto perigoso. Há cinquenta anos, era prazeroso sair por aí, sem lenço nem documento, a observar a ordem natural da vida, edificações e pessoas; hoje, essa prática de liberdade é assustadora, impensável. A violência passou a fazer parte das nossas vidas de forma plural; nos atinge de várias maneiras. As situações de perigo são tão diversas que se pode dividir a violência por categorias. Contudo, para o debate aqui, escolhi o golpe econômico, com conhecimento da polícia. Eu me refiro à “normalidade” das falcatruas! 

A cultura do golpe é uma realidade que faz parte do cotidiano do brasileiro. A sociedade se tornou refém da bandidagem. As fraudes se transformaram no pavor da sociedade. Os meios de comunicação publicam matérias, diárias, sobre a prática de golpes nos seus diversos gêneros, o que provoca pânico social. No processo de comunicação, onde há a figura do emissor e receptor, essas matérias sempre se fazem presentes, todavia, a segurança pública fica circulando pela tangente, apenas justificando suas ações, o que dá a entender que há conveniência por parte de quem deveria combater. 

No Brasil golpes viraram rotinas, notícia velha e repetida, inclusive, com a aparente desconhecimento de quem deveria coibir. A ladroagem é um comportamento normalizado em todos os segmentos sociais. Da gasolina “batizada” ao ladrão de celular; do produto com data de vencimento remarcado no supermercado à oficina de automóvel que faz gambiarra; da empresa de vendas de passagens à balança viciada da feira; do político corrupto ao médico que diagnostica "errado"; tudo isso por falha, propósito ou má fé. Enfim, nosso país se transformou em uma nação de ladrões, reservando a cautela de não generalizar e preservar as pessoas éticas e corretas. 

É fato que ações ardilosas acompanham o ser humano desde quando gente se entende como gente. Parece piada, mas é vera; por exemplo, o texto teatral renascentista “Hamlet” de William Shakespeare trata da ganância por poder; é a história do rei, pai de Hamlet, príncipe da Dinamarca, que foi assassinado pelo próprio irmão, Cláudio, que se tornou rei e casou com a rainha Gertrudes, mãe de Hamlet. É uma tragédia que coloca a cobiça pelo poder à frente dos valores éticos e morais. É a apropriação indébita de um reinado. É um golpe! 

Combater ações ilícitas deveria ser prioridade da polícia no controle, na repressão e na punição. Se o objetivo da polícia militar é garantir a ordem pública, proteger a população e bens, assim como, prevenir e reprimir crimes, é óbvio que essa notável instituição não está cumprindo com seus objetivos. O mesmo vale para a polícia civil cujo papel é a investigação criminal. Na época da Inteligência Artificial, os caminhos para ações profícuas de investigação deveriam ser tão eficientes quanto deveriam ser severas as punições. É factível que existem tecnologias facilitadoras e eficientes para combater golpes; historicamente, as técnicas de espionagem são muito antigas. Com as inovações tecnológicas, os recursos atuais tornam as investigações mais precisas, eficientes e rápidas. Da mesma maneira, a formação de investigadores, policiais e profissionais de segurança estão aperfeiçoadas e tecnicamente inovadoras. Mesmo assim, infelizmente há um descompasso entre a segurança pública, o combate ao crime e a paz social. 

Como ilustração cito alguns casos veiculados nos meios de comunicação que são do conhecimento de todos ou que já aconteceram conosco. 

 Roubo de fio 
No país inteiro há roubo de fio de cobre. Esse é o crime mais fácil de ser combatido; entretanto, é comum informações diárias sobre esses casos sem que haja uma solução. A questão chave é: quem compra o cobre roubado? Tá aí o caminho para a regulamentação, repressão e a punição dos meliantes dessa tipologia de roubo.

 Golpes na internet 
Esse tipo de golpe é tão vasto que varia da compra de passagens ao Pix; da compra e entrega de produtos ao golpe do amor. Por exemplo, é frequente, no Facebook e no Instagram, propagandas que conduzem ao roubo. Há inúmeros anúncios com inscrições para passagem aérea por R$ 200,00. Uma moça muito bonita de blazer azul anuncia o último dia para inscrição, em nome do portal da cidadania, com logomarca do governo federal. Na reportagem há o endereço www.g1news.com.br , só que o g1 da Rede Globo não corresponde a este endereço. O anúncio dá várias pistas de ser “fake news”, todavia está lá nas redes sem incomodar nenhuma autoridade policial ou outra qualquer. Só o fato de usar a logomarca e o programa de vendas de passagens, a baixo custo para aposentados, do governo federal para dar golpes, já é o suficiente para a polícia federal intervir à procura dos meliantes. Até os jornais da televisão, em rede nacional, abordam o tema e as polícias não agem a contento. 


Passagem aérea divulgada como se fosse o programa oficial do governo federal, mas é fraude.




 Dentro dos casos de golpes na internet, listo dois casos em que conheço de perto. 
1) Eu fiz uma experiência com um anúncio das redes sociais que divulgavam uma air fryer por um preço abaixo do mercado. Eu tinha certeza que era fraude. Eles não só não entregam o produto como insistiram através do envio de 23 mensagens por “email” dizendo que a encomenda estava presa na alfândega e eu precisava pagar um imposto para liberar. A pergunta se repete, onde está a polícia que não vê esse tipo de crime? 
2) A Shopee Brasil é uma empresa de plataforma de comércio eletrônico de Singapura, filial brasileira que pertence ao Sea Group. Os produtos pequenos como calçados, roupa de cama e banho, óculos, etc., ela entrega; contudo, produtos como eletrodomésticos não são entregues. Resultado, a Shopee vende o produto, recebe o dinheiro, mas, a entrega é realizada por quem fornece o produto; compra esta que nunca chega ao destinatário. A Shopee se compromete em devolver o dinheiro se o produto não for entregue. O produto não é entregue. A empresa fornecedora da mercadoria, que é a responsável pela entrega, fica ludibriando o comprador, informando que o produto será entregue no dia seguinte. Toda a manipulação é feita com anuência da Shopee, até que o produto aparece no histórico do comprador, na plataforma da Shopee, como entregue; tudo é apagado e o cliente não tem mais como cancelar a compra e solicitar devolução do dinheiro pago. No fundo é apropriação indébita da Shopee que foi a empresa que recebeu o dinheiro, mas não garantiu a entrega. 


Documento enviado pelos Correios, com anuência da Shoppe, como se fosse a geladeira. Eles deram o produto como entregue.



Envelope enviado pela Shopee, uma carta, como se fosse o produto.


Página da transportadora para o rastreamento da entrega do produto

3) Há também o golpe da falsa loja. O bandido copia a página de uma grande loja e cria outra semelhante para vender produtos abaixo do preço de mercado. Este é mais um caso que é público, mas, as policias não coibem. Por exemplo, é o caso do chuveiro, ilustrado abaixo, em que na loja oficial custa mais de R$ 600,00 reais, já na página falsa custa R$ 69,90.


Chuveiro na página real da Magalu, preço R$ 649,90

Chuveiro com preço de fraude R$ 69,90


 Golpes financeiros 
Os golpes bancários são uma realidade. A minha comadre Maria das Graças recebe seus proventos no Banco Bradesco, em João Pessoa, e desconfiada porque estava recebendo bem menos do que devia, se dirigiu ao banco e foi informada que se tratava de um empréstimo consignado. Só que a mesma nunca fez empréstimo algum. E, o banco se eximiu dizendo que a mesma tinha assinado. Como reação ao roubo bancário, ela constituiu um advogado que há meses tenta na justiça encerrar esse pesadelo financeiro. Durante três anos ela foi furtada, apropriaram-se de parte da sua aposentadoria através de procedimentos bancários que a mesma não tinha controle. 

 Golpes no turismo 
A Hurb é outra empresa caloteira, funciona como agência de turismo, vende passagem e hospedagem com o campo de atuação em todo Brasil e no mundo. Ela dá golpe diariamente há meses e continua nas redes sociais oferecendo serviços. O presidente/dono da empresa foi preso no final de abril, mas, por roubo de obra de arte. Eles vendem a hospedagem, quando chega quinze dias antes da data marcada enviam um e-mail informando que a reserva foi cancelada. Essa empresa é fraudulenta e do conhecimento de todos. O golpe da Hurb é do conhecimento da polícia, inclusive da rede hoteleira também, e a prática delituosa continua acontecendo dia e noite. 

 Golpe é um procedimento criminoso de grandes e pequenos; dos descontos indevidos e juros estratosféricos dos bancos aos agiotas; todavia, quando se tem um governo democrático e comprometido com o país e seu povo, vemos ações concretas de combate às práticas delituosas, seja no golpe bilionário do INSS ou nos golpes publicitários das "bigtechs". Felizmente a AGU - Advocacia Geral da União entrou em cena e acusa a empresa Meta de procedimentos irregulares, em suas redes sociais, pela prática de divulgar e promover anúncios fraudulentos utilizando de símbolos oficiais do governo federal, gerando lucros exorbitantes à custa de mentiras. A acusação tem como base enriquecimento ilícito e danos morais coletivos. A ação da AGU se restringe a um ou outro caso, muito pouco, já que no Congresso Nacional e no Judiciário se recebe salários com acréscimos que passam muito do teto constitucional. É o que se diz legal, mas imoral. 
Além das imoralidades oficiais e congressuais, concluímos que o papel da polícia de investigar e coibir os crimes cibernéticos ou comuns, está distante, muito longe dos anseios e necessidades da sociedade. 
No cômputo geral, quanto custará as perdas anuais frutos de golpes no Brasil? 

Quando a cultura popular e a academia se encontram

Carlos Cartaxo

Quando a cultura popular e a academia se encontram Carlos Cartaxo As pesquisas desenvolvidas na academia exigem rigor e originalidade. Eu tinha consciência desses desafios quando desembarquei em Barcelona, Espanha, para cursar o doutorado em Artes Visuais e Educação na UB - Universidade de Barcelona. A data de fundação da UB é 3 de novembro de 1450, anterior à invasão do Brasil pelos europeus. A existência da UB se aproxima de seis séculos de pesquisa, ensino e inovação. Foi nesse ninho da ciência que eu mergulhei e desenvolvi a pesquisa, cujo trabalho resultou na tese de doutorado “Investigação baseada nas artes e possibilidades narrativas no ensino de arte”, defendida em 28 de janeiro de 2013. A trajetória de um doutorado é complexa; em alguns momentos a desistência bate à porta; contudo, optei pela insistência. Assim foi até me tornar Doutor com laude acadêmica na Universidade de Barcelona. Nesse percurso muitos imbróglios surgiram. O primeiro foi a definição do tema a ser pesquisado. Parti para pesquisar o ensino de arte e suas respectivas narrativas em duas escola públicas na cidade de João Pessoa, capital do estado da Paraíba, Brasil. A investigação não se resumia a trabalhar os métodos e conteúdos do ensino em si; mas, as narrativas adotadas por cada escola e, consequentemente, cada professor/a. O diferencial é que o trabalho final não era um ensaio acadêmico, uma tese com um formato convencional, mas, um romance acadêmico. Isso existe? Se não existia, passou a existir. Escrevi um trabalho com narrativa romanceada, com conflitos de gerações, metodológicos e de conteúdos. Essa proposta proporcionou muita expectativa na Escola de Belas Artes da Universidade de Barcelona. Com o trabalho aprovado pelo orientador, Dr. Fernando Hernàndez, partí para a defesa. Antes da defesa, o orientador marcou uma aula, pré-defesa, para uma turma de mestrado, e outra para uma turma de doutorado. A primeira foi uma decepção. Segundo o orientador, a apresentação foi um festival de eslaides, muito comum; não correspondia à expectativa de uma tese de doutorado inovadora, no caso, um romance. Sugeriu preparar uma apresentação performática, também inovadora como a própria tese. Para a segunda apresentação, contei com a ajuda de três colegas. A tensão da defesa que estava por vir e o cansaço da escrita do romance me bloquearam e mantiveram a criatividade estagnada. Preparei uma apresentação com a intervenção do/as colegas colaboradores. Na apresentação para a turma de doutorado, após cinco minutos do início, já percebi a feição de desagravo do orientador. Mais uma vez, a crítica foi contundente, o que só fortalecia o bloqueio da minha criatividade. No ínterim entre dezembro de 2012 e a defesa em janeiro de 2013, eu fugi para Dublin, na Irlanda, na tentativa de expurgar a obstrução intelectual que distanciava a tese, o romance em si, das decepcionantes apresentações anteriores. Trinity College Dublin Em Dublin fui conhecer o Trinity College, universidade de onde saíram oito vencedores de prêmios Nobel. Por lá passaram personalidades como Oscar Wilde, Francis Bacon, James Joyce, Samuel Beckett, Jonathan Swift, Bram Stoker e Isaac Newton. Era uma tarde muito fria e cinza; não havia uma só pessoa no pátio interno, o que me impossibilitou de dialogar com alguém. Como o entardecer chegou, resolvi ir embora pois uma garoa insistia em me expulsar do recinto. Na calçada passei a observar o trânsito na tentativa de encontrar o ônibus vermelho, de primeiro andar, que eu deveria pegar. Em um fragmento de tempo eu vi que um pequeno espaço luminoso surgiu no céu cinza de Dublin. Foi um clarão pontual que afastou a frieza do anoitecer; era um pequeno espaço entre nuvens, um fulgor que me fez lembrar minha mãe, dona Lindalva, que já estava desencarnada há mais de 15 anos. De imediato, sem motivo ou estímulo que justificasse, surgiu uma ideia: fazer a apresentação da defesa da tese em cordel. Naquele momento, o blogueiro que pesava em minhas costas e impedia estímulos à criatividade se foi. A inércia caiu como a temperatura da noite e uma primavera de ideias germinou e floriu. A literatura de cordel foi o manancial que jorrou a partir daquele momento. Entrei no ônibus, abri a mochila, tirei papel e caneta, e comecei a escrever. Versos brotaram para minha felicidade. A volta para Barcelona foi mais leve e tranquila. Como se esperava, a defesa foi um sucesso, assim como a tese romanceada. Fui aprovado com láurea acadêmica, o mais alto grau de doutorado na Universidade de Barcelona. A tese foi publicada no livro “Amor invisível: artes e possibilidades narrativas". Para complementar, publico, abaixo, os quarenta primeiros versos da defesa com a respectiva tradução para o espanhol. Texto de apresentação da tese Investigación basada en las artes y posibilidades narrativas en la enseñanza del arte em 28 de janeiro de 2013 na Universidade de Barcelona, Espanha 1 1 Agora eu vou contar uma história Que todos hão de admirar Pode-se até pensar ser mentira Mas, com atenção vocês vão acreditar. Ahora te voy a contar una historia Lo que todos se preguntan Incluso podría estar pensando mentira Pero cuidado, crean. 2 2 Assim como a tese Bilíngue é a apresentação Porque Brasil e Espanha São países irmãos Como la tesis Esta es una bilingüe presentación Debido a que Brasil España Son hermanos de coración 3 3 Que faz um certo senhor De malas postas à mão? Assim de supetão... Fazer sua nova façanha uma ida para Espanha? Estranho... Poderia se pensar... Passear ou estudar? ¿Qué hace cierto caballero? ¿Con las maletas hechas a mano? Así... ¿Tu nueva hazaña un viaje a España? Extraño... Uno podría pensar... ¿Pasear o estudiar? 4 4 Quem de fato ele é? Um turista ou ator? Não é mais de se importar Pois será um desbravador Entre tantos se confunde Do mundo busca ser conhecedor. Ele é um professor. ¿Quién es realmente él? ¿Un turista o un actor? ya no te importa Porque será un pionero Entre tanta gente se confunde Del mundo busca ser conocedor. El es un profesor. 5 5 No cruzar de oceanos Seu olhar foca um lugar Lá Nas terras castelhanas com ganas foi buscar O Ensino e a Pesquisa A arte Pensar e Repensar No cruzar océanos Tu mirada se centra en un lugar Allá En tierras castellanas con ganas fue a buscar Docencia e Investigación El arte Pensar y repensar 6 Mas estão pensando que é fácil?! Não é fácil não! Nesse campo de conhecimento não basta teorizar. Arte e Ciência na práxis vão se encontrar Ampliando horizontes Na ação/investigação para assim se revelar ¿Pero estás pensando que es fácil? ¡No es fácil! En este campo del conocimiento, no basta con teorizar. Arte y Ciencia en la praxis se encuentran. Ampliando horizontes En acción/investigación para revelarse. 7 7 Ele quis fazer diferente Escrever um livro sobre ensino de arte Algo assim como um romance Um livro que falasse de gente. Él quería hacer diferente Escribir un libro sobre la enseñanza de arte Algo así como una novela Un libro que habla de la gente. 8 8 A proposta foi para o orientador Este ficou assustado Mas, aceitou o desafio E com coragem partiu o professor. La propuesta fue presentada para el tutor Esto se asustó Sin embargo, aceptó el reto Y se fue con valentía el profesor. 9 9 Primeiro pensou o roteiro Depois como fazer, Isso se chama metodologia É um trabalho entre eu e você. En primer lugar pensó el guión Después como hacer, Isto se llama metodología Se trata de un trabajo entre yo y usted. 10 10 O professor em Barcelona Repensou a modernidade; Como lutador quase vai à lona Não foi porque trabalhou com lealdade El maestro en Barcelona Repensó la Modernidad; Como un boxeador a la lona casi vai No fue porque trabajó con lealtad. 11 Sem querer encontrar qualquer verdade Foi a Belas Artes E encontrou a pós-modernidade. Lá se encontrou no mundo, não em Marte. Sin querer encontrar cualquier verdad Fue a Bellas Artes Y encontró la posmodernidad. Allí se encontró con el mundo, no en Marte. 12 Depois das disciplinas Matriculou-se nos seminários sem nuance, Discutiu projetos de pesquisas E escolheu fazer um romance. Después de las disciplinas Se matriculó en los seminarios sin matices, Se discutieron los proyectos de investigación Y se optó por hacer un romance. 13 13 O desafio estava determinado. Voltou para o Brasil Para a pesquisa de campo Foi com ganas e velocidade a mil El reto se determinó. Regresó a Brasil Para el trabajo de campo Fue com ganas y la velocidad a mil. 14 14 Duas escolas foram o universo a pesquisar. Uma de primeiro grau, municipal. Que foi fácil de entrar Outra de segundo grau, estadual. Dos escuelas fueron el universo a investigar. Un de primer grado, municipal. Que fue fácil de conseguir entrar Otra de segundo grado, estadual. 15 15 Antes pensou no roteiro Onde e como pesquisar Seria necessário três capítulos E uma introdução para complementar Antes pensé en el guión Dónde y cómo buscar. Se necesitarían tres capítulos Y una introducción a complementar. 16 16 Queria escrever o romance Com uma trama sobre arte Em um contexto educativo Onde os alunos fizessem parte. Yo quería escribir una novela Con una trama sobre el Arte En un contexto educativo Donde los estudiantes fueron parte. 17 17 Na introdução falo da teoria, Do processo de investigação, Das leituras e escrita E da escolha da Iba como metodologia. En la introducción hablo de la teoría, Del proceso de investigación, Lecturas y escrita Y la elección de la IBA como metodología. 18 18 No capítulo inicial Acontece nas aulas de artes Onde os alunos Debatem práticas, conceitos e tal. En el capítulo inicial Esto sucede en las clases de artes Donde los estudiantes Discuten las prácticas, conceptos y tal. 19 19 Há os alunos que gostam de estudar E outros que gostam de brincar. Mas, nas aulas de arte Todos se unem para vivenciar Hay estudiantes que deseen estudiar Y otros que les gusta jugar. Sin embargo, en las clases de arte Todos se reúnen para experimentar 20 20 Há o aluno Renato, atencioso. E Sofia, estudiosa; Julio o rebelde E Rafaela a charmosa. Hay el estudiante Renato, el atento. Y Sofía, estudiosa; Julio rebelde Y Rafaela, la hermosa. 21 21 O professor de arte é dinâmico . Ele se chama Luis. Faz atividades lúdicas E metodologicamente age como uma luz. El profesor de arte es dinámico. Su nombre es Luiz. Hace muchas actividades de juego Y metodologicamente atua como uma luz. 22 22 Sofia e Renato estudam juntos Tratando os estudos com razão. Têm sensibilidade e afeto Por isso, o que os tocou foi o coração. Sofía y Renato estudian juntos Los estudios que se ocupan de la razón. Tienen sensibilidad y afecto Así que fueron tocados por el corazón. 23 23 A bela Rafaela Não gostava da dupla amorosa. Com inveja se meteu no meio Para atingir Sofia estudiosa. La hermosa Rafaela No le gustaba el dúo carinõso. Con envidia puso en el camino Para alcanzar Sofía estudiosa. 24 24 Havia um campo de batalha Nas aulas de artes Envolvendo conhecimento e amor Com visitas e debates. Había un campo de batalla En las clases de artes Involucrando el conocimiento y el amor Con las visitas y debates. 25 25 As aulas de arte eram animadas Os alunos gostavam de participar Até que a supervisora Veio rigidamente reclamar. Las clases de arte fueron animados Los estudiantes les gustaba participar Hasta que la supervisión Llegó rígidamente para reclamar. 26 26 No primeiro capítulo Dois conflitos foram escritos: A metodologia dos professores; E os alunos nos gritos. En el primer capítulo Dos conflictos fueron escritos: La metodología de los profesores; Y los estudiantes en gritos. 27 27 No segundo capítulo Rubens, o pesquisador Foi estudar na Espanha Para aperfeiçoar-se como professor En el segundo capítulo Rubens, el investigador Se fue a estudiar a españa Para mejorar como profesor. 28 28 Estudou cultura visual Debateu sobre a modernidade Sobre metodologias E conheceu a pós-modernidade. Cursó estudios de cultura visual Discutió sobre la modernidad Acerca de metodologías Y conoció la posmodernidad. 29 29 Conheceu muitos críticos, E escritores. Leu sobre várias teorias E importantes pesquisadores. Conoció a muchos críticos, Y los escritores. Lea acerca de las diversas teorías Y los principales investigadores. 30 30 Com seu filho Conheceu Barcelona cultural Trocaram ideias e impressões Tudo era muito natural. Con su hijo Conoceó Barcelona cultural Intercambiaron ideas e impresiones Todo fue muy natural. 31 31 Em um ano foram as disciplinas No segundo seminários A definição da pesquisa Dos estudos e horários. En un año fueron las asignaturas En lo segundo los seminarios La definición de la investigación Estudios y horarios. 32 32 No terceiro ano Voltou ao Brasil Para fazer o trabalho de campo Com velocidade a mil. En el tercer año Regresó a Brasil Para hacer el trabajo de campo Con una velocidad de mil. 33 33 No terceiro capítulo A pesquisa de desenvolveu no Brasil Encontrou amigos da área Que as portas lhes abriu. En el tercer capítulo La investigación desarrollada en Brasil Él encontró amigos en la educación Que se abrieron las puertas. 34 34 Escolheu duas escolas como universo Uma primária, municipal. Que trabalhava com projetos E uma secundária, estadual. Eligió dos escuelas como el universo Una primaria municipal. Que Trabajaba con proyectos Y una secundaria, estadual. 35 35 A medida que observava as aulas de arte Começou a escrever uma ficção Um romance sobre ensino de arte Cheio de conflitos e ação. Mientras observábamos las clases de arte Comenzó a escribir una ficción Una novela sobre la enseñanza del arte Llena de conflictos y de acción. 36 36 Escreveu sobre as reuniões Dos professores, alunos e direção. Sobre as diferenças técnicas Culturais, éticas e de relação. Escribió sobre las reuniones Los maestros, alumnos y gestión. Sobre las diferencias técnicas Culturales, ética y relación. 37 37 Com as observações Fez uma relação entre prática e ficção Descreveu as aulas de campo Visitas a museus e dos alunos a dedicação. Con las observaciones Hizo un vínculo entre la práctica y la ficción Se describe la experiencia de campo Las visitas a los museos y de los estudiantes la dedicación. 38 38 Escreveu que as artes Levam o fazer Ao campo da investigação Fortalecendo no ensino de arte o saber. Él escribió que las artes Llevan el hacer al campo de la investigación Dando a la enseñanza del arte, el saber. 39 39 Os alunos foram a campo Filmaram e fotografaram Prepararam material E uma exposição organizaram. Los estudiantes fueron al campo Sacaron fotos y filmaron Prepararon materiales Y una exposición organizaron. 40 40 Esse é um trabalho de IBA Pode não parecer normal Porque é um estudo De uma narrativa ficcional Esta es una obra de IBA Puede que no parezca normal, Porque es un estudio Una narrativa de ficcional

sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Julieta, meu amor

  Julieta, meu amor

Carlos Cartaxo


Ouvir amigos pode ser uma boa terapia; aliás, ouvir sempre é bom porque nós adquirimos habilidade para efetivar uma comunicação equilibrada, atenta e de qualidade. Pois bem, certa vez meu amigo Newton Jorge me indagou pelo fato de eu conhecer algumas cidades italianas, todavia, não conhecia Verona, a cidade em que William Shakespeare situou a peça teatral “Romeu e Julieta".

A simples pergunta do amigo se transformou em uma provocação que, consequentemente, resultou em minha visita àquela urbe, consagrada pela famosa peça teatral do dramaturgo inglês. Por curiosidade procurei saber se no renascimento Verona já pertencia a Itália e descobri que só em 1866 ela foi incorporada ao Reino da Itália, período da Terceira Guerra da Independência do país. Posteriormente Verona foi declarada, pela UNESCO, como sendo patrimônio da humanidade, tendo em vista a preservação da bela estrutura arquitetônica e urbana.

Dentro do meu planejamento da ida a Verona foi reler a peça teatral shakespeariana “Romeu e Julieta” para que eu pudesse me situar na cultura da cidade no período renascentista e, consequentemente, traçar um paralelo com a realidade de hoje. Essa releitura foi impactante porque sempre que leio algo mais de uma vez, surgem compreensões antes não vistas. Aqui fica minha ressalva para aqueles leitores que ainda não mergulharam na poesia de William Shakespeare, que o faça o quanto antes. Essa releitura fortaleceu minha paixão pelo autor, principalmente sua criatividade dramática e o seu vocabulário poético. Faço questão de afirmar que todas as vezes que leio Shakespeare estimulo minha capacidade de amar porque sempre me sinto mais apto para redefinir o amor pela ótica lexical em que, como substantivo, entendo ser o comportamento incondicional de fazer bem ao próximo. 

Como sempre somos influenciados pela cultura em nossa volta; reconheço que meu apreço pela obra de Shakespeare se deve aos estudos teatrais e, particularmente, às colegas docentes Vitória Lima e Sandra Luna; o colega docente e crítico literário João Batista de Brito e o multiartista W. J. Solha, que tão bem conhecem o autor inglês em pauta aqui.

Com o ímpeto shakesperiano que brota dentro de mim e jorra pelos olhos, trago comigo o conceito de amor, que é aquele que torna um sentimento incondicional. 

Em busca do amor irrestrito, parti para desbravar Verona com a curiosidade que só o coração pode traduzir o que, afinal, é ficção e realidade, estória e história, no comportamento humano, assim como, na criação dramática e, consequentemente, no meu vasto imaginário.

Em Verona fui caminhar para descobrir os becos, vielas e ruas milenares. Saí pela cidade afora, lépido, com um mapa na mão a desbravar as pérolas arquitetônicas e culturais que, porventura, me diziam respeito. A primeira parada, para minha surpresa, foi diante do dito cujo, o querido dramaturgo inglês. Ao entrar no jardim do Mosteiro de São Francisco do Corso, ele estava com a exponencial expressão de sabedoria. Claro que me aproximei da autoridade e me dei o direito de viajar no tempo, um pouco mais de 500 anos passados, mais especificamente no século XV. Nesse momento, entre prédios históricos de riqueza cultural imensurável, me deparei com situações históricas que mais pareceram ficcionais; por exemplo, no Mosteiro citado, prédio do século XIII, há o túmulo de Julieta. O sarcófago foi instalado lá em 1937; e claro, está vazio. Contudo, é memorável porque, hipoteticamente, foi neste Mosteiro que Shakespeare se inspirou para escrever as cenas fatídicas da peça teatral, de 1596, em que o casal romântico morreu. Não obstante a lógica histórica, há quem afirme que Julieta, assim como Romeu, não passaram de personagens ficcionais de Shakespeare. Contudo, há quem afirme que essa história é uma lenda popular que vem sendo contada há séculos. Entre a história e a cultura ficcional, eu fico com a quimera shakespeariana. A prova é que registrei minha tentativa de comunicação com o nobre escritor no jardim, entrada, do referido Mosteiro. Evidentemente, ele não me deu atenção. Contudo, emocionado, agradeço por ele ter existido e por eu ter estado naquele cenário.




Na visita a Verona, uma das indicações era ir à casa de Julieta Capuleto, e fui. Pena que no circuito cultural da cidade não há a casa de Romeu Montecchio; eu pensei ser machismo a não existência da morada de Romeu em Verona. Todavia, na peça teatral o foco está na casa de Julieta. Conquanto, a sensibilidade de desta a torna uma personagem mais representativa no contexto da peça. Também compreendi que o charme da cena está na sacada da casa de Julieta que se tornou referencial turístico e evidente fonte de renda para a cidade.

Em Verona, as famílias abastadas e os membros das cortes tinham casamentos arranjados; até hoje essa prática pode ocorrer entre nós mortais contemporâneos. Por esse motivo, a Senhora Capuleto, mãe de Julieta, conversava com a filha, atentando-a de que, aos quatorze anos, havia chegado o momento de pensar na escolha de um noivo. Como consta na peça teatral, a família Capuleto ofereceu um jantar para convidados, possíveis candidatos a casamento com a bela Julieta. Aqui inicia o conflito dramático da peça teatral.    

É difícil resistir ao imaginário ficcional shakespeariano, como se de fato, tudo que ele, o dramaturgo inglês, escreveu fosse apenas a fértil imaginação que louvamos há séculos pela sua bela narrativa. Conforme comprova a fala do autor: “o amor, em tamanha extremidade, sabe fazer da dor felicidade”. Não há dúvida, o homem tinha fértil sabedoria e domínio das letras e do teatro.

Para compreender a complexidade da criação ficcional é importante saber que William Shakespeare teve influência da Itália medieval e, principalmente, renascentista; todavia, ele nunca esteve presente na cidade de Verona, o que comprova a força da sua criatividade que persiste até hoje na bruma dos logradouros. 

Ao vaguear por Verona eu pude comprovar o quanto a narrativa escrita e oral renascentista, secular, foi importante e determinante na criação artística de hoje. Ao colocar Verona como cenário da peça Romeu e Julieta, Shakespeare fez uma ótima escolha porque a Itália renascentista era o berço criativo da época e a região tem um encanto que deslumbra qualquer humano; por isso Verona é denominada a “cidade do amor”. A vida real através da arquitetura, das pessoas, das colinas, do rio Ádige, caudaloso e límpido, da Arena do século I d.C, dos castelos, se constitui num cenário natural adequado para os personagens fictícios da literatura, que parecem presentes, de tal forma, que nos encantam como se espalhassem, eternamente, um aroma de romantismo pelos quatro cantos da cidade.



 

Como mortal que trás consigo o imaginário fértil também fui à casa de Julieta. Embalde, ela não me recebeu! Prefiro acreditar que ela havia saído, possivelmente há mais de cinco séculos. No tresloucado passo entre a ficção e a realidade, me pus no contexto shakespeariano me fazendo ser Romeu e naturalmente pensei no silêncio do amor, escrito por Shakespeare: “Julieta, deitar-me-ei ao teu lado ainda esta noite”. Como é de se acreditar, não obtive resposta. Não fui correspondido, muito menos atendido! O fato é que bati em sua porta, como se fosse o Romeu, como se eu fosse um outro personagem, no caso, o Roteu ou Roseu! Na inserção da novela de Shakespeare, lembrei da fala de Julieta para Romeu: “Quem és tu que, encoberto pela noite, entras em meu segredo?”. 

 

Como séquito da literatura renascentista, busquei e me vi no contexto que sempre sonhei. Não obstante o ensejo de não encontrar Julieta, me dei por vencido e fui distribuir mesuras pelos logradouros de Verona. Felizmente não compartilhei da infeliz tragédia final, bem escrita na peça teatral, o que me fez pensar o que bem disse a Senhora Capuleto, mãe de Julieta: “Pelas praças o nome de Romeu o povo grita; outros, o de Julieta; outros de Páris, correndo com clamores toda gente para o lado do nosso monumento.” Decidi deixar Julieta e Shakespeare na memória e fui desbravar a bela arquitetura romana, medieval e renascentista que ainda há, bem conservada, pela adorável urbe italiana. Lá encontrei um rio caudaloso que bastou para a alacridade de meu regozijo admirador da literatura do escritor inglês e amante da dramaturgia. Do alto do antigo castelo de San Pietro pude exalçar o quanto é divino viver e alimentar sonhos para realimentar utopias.

Se a experiência vivida em Verona foi bela, tanto quanto ler o dramaturgo inglês, só me resta pedir licença a Shakespeare e a Romeu para concluir com uma mesura que expresse meu encanto pela cidade e a principal personagem dessa história: Julieta, meu amor, a vida é um encanto com ou sem dor. 



Referência

Shakespeare, W.. Romeu e Julieta. eBooksBrasil.com https://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/romeuejulieta.pdf

sábado, 21 de dezembro de 2024

Estudos étnicos e inteligência artificial

  Estudos étnicos e inteligência artificial

Carlos Cartaxo

Dentre o que foi importante no ano de 2024 para mim, um dos registros é a publicação do artigo "Estudos étnicos e inteligência artificial" na revista Conceitos da ADUFPB - Seção Sindical do ANDES-SN. O artigo está disponível no endereço https://www.adufpb.org.br/site/wp-content/uploads/2024/10/CONCEITOS_29_OUTUBRO_2024_v3.pdf, página 52.

Revista Conceitos | nº 29 | Outubro 2024 – ADUFPB

Esse artigo é fruto da disciplina Seminários Étnico-raciais do Departamento de Comunicação da Universidade Federal da Paraíba; e aborda sobre a interseção entre inteligência artificial (IA) e questões étnico-raciais, com destaque à expansão da IA para diversas áreas da sociedade. A preocupação central é se a IA será usada de maneira inclusiva ou excludente em relação ao racismo e outras formas de discriminação.

Uso das informações na contemporaneidade é uma questão preocupante, portanto séria, no universo da comunicação. Essa é uma questão de poder, "estudos sobre a histórica mistura étnica entre pretos e brancos, em regiões como o norte da África e a Península Ibérica, demonstram que a concepção de raça foi usada para fins de dominação e escravidão; portanto, a questão levantada é se os algoritmos de IA, controlados por programadores, serão desenvolvidos de maneira a combater o racismo ou perpetuá-lo" (Cartaxo, Feitosa, Silva, 2024, p.52).

A série documental "Coded Bias", que discute o viés racial em algoritmos de IA tem uma importância ímpar nesse debate; inclusive fundamenta nosso artigo porque destaca o fato de que algoritmos que deveriam ser neutros, como se existisse neutralidade, podem fortalecer preconceitos e ratificar a ideia de que o ativismo digital pode e deve desempenhar um papel na conscientização e na busca por soluções anti racistas. Essa abordagem vale também para "a violência contra indígenas, especialmente no Brasil, destacando a discriminação, o deslocamento forçado, a violência física e cultural que essas comunidades enfrentam, bem como a negligência no que concerne a saúde e a educação desses povos, além da impunidade dos perpetradores que é um problema persistente e dramático" (Cartaxo, Feitosa, Silva, 2024, p.52).

A base teórica do trabalho tem como fonte os conceitos teóricos da norte-americana Toni  Morrison, e do brasileiro Gersem dos Santos Luciano – Baniwa; além de vários autores e autoras de artigos científicos sobre o tema e páginas de internet. Abaixo cito fragmentos do artigo.


"A IA vai intervir como e até quando?


A Inteligência Artificial é uma área do conhecimento que tem uma raio de ação multidisciplinar. Os cientistas J. McCarthy do Dartmouth College, M. L. Minsky da Harvard University, N. Rochester da I.B.M. Corporation e C. E, Shannon da Bell Telephone Laboratories organizaram uma conferência no Dartmouth College em Hanover, EUA, em 1956, que determinou os primeiros debates e registros científicos do que se denominou IA - Inteligência artificial. O evento foi tão impactante, para as gerações futuras, que cinquenta anos depois, John McCarthy organizou a AI@50 com o fim de homenagear e, evidentemente, reconhecer a importância da primeira conferência; mas, sobretudo, fortalecer a pesquisa nesse campo científico que já estava consolidada e caminhava a passos largos. A ideia de McCarthy era “proceder com base na conjectura de que cada aspecto da aprendizagem ou qualquer outra característica da inteligência pode, em princípio, ser descrito com tanta precisão que uma máquina pode ser feita para simulá-lo” (DARTMOUTH, 2023). O AI@50 foi dirigido pelo professor de filosofia James Moor. Este afirmou “que os investigadores que vieram para Hanôver há 50 anos pensaram em formas de tornar as máquinas mais conscientes e queriam estabelecer uma estrutura para compreender melhor a inteligência humana” (DARTMOUTH, 2023)"


"A miscigenação de negros e brancos vem de tempos remotos. O norte da África e o sul da Europa e, mais especificamente, a Península Ibérica, há séculos, passam por esse processo. A designação de raça tem sido fruto de interesses que, em muitos casos, se denominam científicas, com o fim de dominar e escravizar certas etnias. Muito antes das experiências médicas dos nazistas com base em diferentes etnias, a “ciência” já era usada como forma de controle e dominação. O New Orleans Medical and Surgical Journal (Cadernos de Medicina e Cirurgia de New Orleans), citado por Morrison, publicou que "negros são utéis, não tanto quanto gado, mas tampouco reconhecidamente humanos (MORRISON, 209, p. 14). Os algoritmos são determinantes à condição criativa da Inteligência Artificial; se comporta de acordo com os comandos do programador; então, eis a questão: esses comandos serão inclusivos ou exclusivos contra o racismo? As equipes que trabalham com a IA, trabalham conteúdos multiculturais e anti-racistas? Se a ciência, em vários momentos da história da humanidade, afirmou e defendeu que certas etnias eram inferiores, como esse comportamento controlador e opressor agirá diante do racismo e de outros fatores excludentes? 


Inteligência Artificial e etnia: uma ligação com o racismo estrutural

 

A Inteligência Artificial (IA) tem se tornado cada vez mais presente em nossas vidas, desempenhando papeis significativos em diversas áreas, desde assistentes virtuais até sistemas de reconhecimento facial. No entanto, à medida que a tecnologia avança, também enfrentamos desafios importantes relacionados à ética e à inclusão.

A questão da inteligência artificial e sua interseção com a etnia é um tema fascinante e complexo, pois tem sido abordado em diversas obras de arte e literatura, desde a década de 90 do século XX. O filme "O Grande Desafio", estrelado por Denzel Washington, e o livro "A Origem dos Outros", são obras que não abordam diretamente a tecnologia, mas nos oferecem perspectivas reflexivas sobre como a inteligência artificial pode impactar nas questões étnicas e raciais da sociedade contemporânea.

O filme "O Grande Desafio" conta a história real de um professor que lidera uma equipe de estudantes negros, no sul dos Estados Unidos, para participar de competições de debates. Ele retrata principalmente a superação das dificuldades educacionais dos estudantes, e também levanta questões sobre o acesso igualitário à educação e as oportunidades para jovens de comunidades sub representadas. Isso ressoa com questões de diversidade étnica, já que muitas vezes grupos minoritários enfrentam barreiras socioeconômicas que limitam seu acesso à educação e, por extensão, às oportunidades de carreira em tecnologia, incluindo a inteligência artificial. 

Esse cenário se agrava quando fazemos  recortes de gênero. Um estudo realizado pela (Pretalab 2017), em parceria com a ThoughtWorks, mostrou que a área de tecnologia é majoritariamente composta por homens brancos de condição socioeconômica média e alta.

A pesquisa, intitulada #Quemcodabr, analisou dados de mais de 10 mil profissionais de tecnologia no Brasil. Os resultados revelaram que, em 32,7% dos casos, não há nenhuma pessoa negra nas equipes de trabalho. Em 68,5% das análises, as pessoas negras representam um máximo de 10% das equipes. Além disso, 21% dos entrevistados responderam que em suas equipes não há nenhuma mulher"

"A inteligência artificial sendo desenvolvida por seres humanos, também pode refletir os preconceitos e as crenças culturais de seus criadores, perpetuando a intolerância e os estereótipos, caso não seja devidamente treinada e supervisionada pelas autoridades competentes. É importante considerar a diversidade em todas as fases do desenvolvimento da tecnologia, como os dados usados nos algoritmos, e quem está desenvolvendo, pois podem refletir as rejeições existentes nos desenvolvedores destes códigos; e isto poderia levar a discriminação automática.

Diante disso, é necessário que a sociedade esteja ciente dessas questões e participe ativamente do debate sobre como a IA pode ser usada de maneira justa e inclusiva. A inteligência artificial tem o potencial de amplificar os valores morais, éticos e culturais, e se for desenvolvida e utilizada de maneira correta pelas equipes de desenvolvimento, associada a implementação de regulamentações, podem garantir que a IA não perpetue desigualdades existentes na nossa contemporaneidade.

Por fim, o filme "O Grande Desafio" e o livro "A Origem dos Outros" oferecem perspectivas importantes sobre a relação entre inteligência artificial e etnia. Elas nos lembram que a tecnologia deve ser usada para promover a igualdade e a justiça, em vez de aprofundar divisões e preconceitos. Ela também é uma ferramenta poderosa na promoção de um mundo mais inclusivo e equitativo, desde que seja desenvolvida e utilizada com responsabilidade e sensibilidade às questões étnicas, raciais e culturais.


Referências

CARTAXO, Carlos; FEITOSA, Kaira L. T.; SILVA, Walber B. da. Estudos étnicos e inteligência artificial. João Pessoa, Revista Conceitos, n 29, outubro de 2024.


domingo, 6 de outubro de 2024

Futebol e cultura

 Futebol e cultura


Carlos Cartaxo


  Além de esporte, futebol é cultura! Como a brisa em uma tarde de calor, esta frase parece ser de efeito; um retrato perfeito da obviedade que poderia ser composta de um conjunto sensível extraído de uma tela expressiva de Van Gogh; de fato, ela surgiu para mim em um estádio de futebol, mais especificamente no jogo Auto Esporte Clube e Associação Desportiva Picuiense, que aconteceu na primeira quinta-feira do corrente outubro no estádio de futebol Almeidão, em Parahyba, capital situada no ponto extremo oriental das Américas.


    Os estudos multiculturais sempre me remeteram às tradições que constituem minha formação, por conseguinte, minha identidade latino-americana, brasileira, nordestina paraibana e picuiense, com profundas raízes da terra de padre Rolim, Cajazeiras, alto sertão da Paraíba. Esse caldeirão multicultural me fez atleta na adolescência e escritor na fase adulta; o que pude comprovar na ida a um estádio de futebol na capital paraibana.  

Ao entrar, pela primeira vez, na imensa estrutura de engenharia do Almeidão, em Parahyba, me senti mais engenheiro e herdeiro de horas de estudos no universo da física e matemática. A imensidão da estrutura de concreto, me fez revisitar anos de estudos na engenharia mecânica, que poderia ser também na engenharia civil ou arquitetura. O fato é que, foi meu filho mais velho, Caio Cartaxo que abriu a porta do Almeidão e me motivou a ir assistir a memorável partida de futebol entre Auto Esporte Clube e Picuiense Futebol Clube.

Pai e filho

O primeiro, é um clube que foi fundado em 7 de novembro de 1936, por iniciativa de um grupo de motoristas que se estabelecia na Praça do Relógio, no histórico Ponto de Cem Réis, na capital paraibana. A Wikipédia informa que, “por motivos até então desconhecidos, seu aniversário é comemorado a cada 7 de Setembro”, embora tenha sido fundado em novembro. “É o quarto maior vencedor do Campeonato Paraibano de Futebol entre os clubes ativos, com seis títulos: 1939 (invicto), 1956, 1958, 1987, 1990 e 1992. É detentor também do título da Copa Paraíba de 2011”. Portanto, afirma-se que o Auto Esporte é um clube classista, pois foi criado por um grupo de taxistas, portanto proletários do universo de condutores automobilísticos. Historicamente, após sua fundação, o clube foi transferido para Jaguaribe no sindicato dos rodoviários. Como disse Caio Cartaxo, “achei curioso o fato de que o mascote do Auto Esporte é o macaco; isso se deve ao fato de usarem macacos nos veículos”. Portanto, como engenheiro e motorista, ratifico minha identidade cultural com o Auto Esporte Clube. Já o Picuiense me remete a minha primeira infância, como o fedelho que corria atrás de uma bola, feita de meias velhas rasgadas, lá em Picuí; poucas foram às vezes que tive a oportunidade de brincar com uma bola de couro nas proximidades da Maricota. Mas, o marcante na minha ligação cultural com o futebol foi o fato de que quando garoto pequenino, meu pai me levou a Natal, capital do Rio Grande no Norte, para assistir a uma partida de futebol profissional. O tempo correu e só na fase adulta descobri que aquela viagem foi para assistir o Santos de Pelé contra o América potiguar. Na época, eu não fazia ideia da importância daquele momento; hoje entendo a sensibilidade de meu pai de me levar para testemunhar aquele acontecimento desportivo com a presença do Rei do futebol. Quando estava a morar em Barcelona, Espanha, fui ao Camp Nou, assistir o Futbol Club Barcelona jogar, foi outro momento marcante. Pois bem, a semana passada foi a vez do meu filho me levar ao estádio Almeidão para iluminar meu coração naquela inesquecível partida de futebol que reconduziu o Auto Esporte Clube à categoria da primeira divisão do futebol paraibano.

    A primeira associação que faço entre futebol e cultura é construída a partir da literatura do dramaturgo Nelson Rodrigues, pernambucano radicado no Rio de Janeiro, originário de uma família de jornalistas e escritores. Depois me vem à mente o jornalista paraibano Phelipe Caldas, autor dos livros: “O menino que queria jogar futebol: uma história de fé e superação”, adaptado para o cinema; e “Além do futebol: paixões, dores e memórias sobre um jogo de bola”. Lembro também o colega,  engenheiro mecânico, Edvaldo Nunes, também poeta e escritor, que contribuiu para a associação entre futebol e cultura com o livro, apaixonante, Um Belo campeão, uma vida que segue: A década de 1930 do Botafogo da Paraíba”, parte da história do Botafogo Futebol Clube da Paraíba, originalmente conhecido como belo. Essa conexão também se dá através de meu filho, jornalista profissional, Iaco Lopes Cartaxo, especialista em esporte, repórter da TV Cabo Branco/Rede Globo, que defendeu o Trabalho de Conclusão de Curso na UFPB, sobre o Botafogo Futebol Clube da Paraíba, “O jogo por trás do jogo: como o dinheiro público impulsionou o Botafogo-PB ao título brasileiro da Série D em 2013”. Pois bem, dentre essas vivências e experiências que consolidaram em mim uma forte relação do futebol com a cultura, destaco igualmente o fato de que o pai de Phelipe Caldas, Francisco Caldas, o querido Chicão, foi meu professor quando eu cursava engenharia mecânica na UFPB. Essas particularidades na linha do tempo da minha vida são singelas demonstrações da sólida ligação entre futebol e cultura que contribuíram, diretamente, para minha formação profissional e cidadã.

Iaco Lopes Cartaxo

A foto de Iaco Lopes Cartaxo trabalhando, quando eu estava na arquibancada, expõe a força das cores, vermelho e branco, na imagem visual do Auto Esporte. Demonstra além do aspecto denotativo, a representação conotativa e a expressão cultural do Clube que fortalece o cordão umbilical com a torcida. Para explicar melhor essa conexão, me remeto a María Acaso, para explicar essa relação simbólica:

Todos os sinais, incluindo os sinais visuais, funcionam a partir de dois níveis: o nível semântico e o nível de significado. O nível semântico tem a ver com o que se chama de significante, e consiste no aspecto material do signo, ou seja, sua parte física, que aborda o objetivo e o consciente. O discurso denotativo emerge do significante, uma espécie de mensagem não codificada (Barthes a define como “uma mensagem icônica não codificada”) através da qual os elementos da imagem são listados e descritos, sem qualquer projeção avaliativa e/ou cultural. Podemos dizer que é a mensagem objetiva de um signo.

Por outro lado, o significado é o conceito ou unidade cultural que se outorga ao signo através de uma convenção socialmente estabelecida. Atende ao subjetivo e ao inconsciente e dele emerge o discurso conotativo, em que o observador interpreta livremente os elementos da imagem... Podemos dizer que é a mensagem subjetiva de um signo”. (Acaso, 2006, p. 41-42).

O tema em pauta comporta além da concepção acadêmica de María Acaso, abordagens teóricas de autores consagrados como Dietrich Schwanitz que traça uma linha sólida na história da cultura, que dá sentido aos valores que contribuem para a evolução social e cultural da humanidade. Schwanitz defende a tese de que a trajetória da história da humanidade tem como alicerce a multiculturalidade; ideia que comungo porque converge para a linha conceitual que aproxima a cultura do esporte e vice-versa, conforme se constata, por exemplo, com a trajetória traçada que vai dos jogos olímpicos na Grécia Antiga aos jogos na Pós-modernidade, com destaque evidente à evolução participativa da mulher nos desportos, fortalecendo seu empoderamento em vários segmentos sociais e periféricos tendo como resultado conquistas significativas na economia, na política, na cultura e evidentemente no esporte. Essa concepção multicultural, evolutiva, também pode ser aprofundada a partir dos estudos de Alejandro Grimson sobre os limites da cultura, inclusive, com foco sobre a questão da cultura e identidade, o que é o caso da identidade cultural construída através da história das paixões do/as torcedore/as pelos seus clubes. A ligação entre torcidas de uma determinada agremiação, aproxima pessoas, criam laços identitários que as fazem ter muito em comum; no caso, a paixão pelo mesmo clube e pelo esporte. Foi assim que me senti identitariamente ligado às pessoas que estavam em volta de mim, na arquibancada do Almeidão, torcendo para a vitória do Auto Esporte.

No estádio de futebol me senti representado por ser torcedor de um Clube que tem representatividade histórica e popular. Entre os presentes se viam casais e famílias completas, inclusive com crianças de todas as idades. Contrário ao culto do corpo tão propalado no atual contexto pós-moderno da estética do consumo e do modismo, o que se via nas arquibancadas eram expressões espontâneas com o foco no coletivo, representado pelo Clube que estava no gramado, e não na individualização dos sujeitos torcedores. A heterogeneidade era a composição coletiva do ambiente, o que converge para o conceito multicultural da diversidade e respeito pelo próximo; de maneira que, com a ida ao estádio Almeidão, me convenci que a relação entre futebol e cultura é o mesmo laço que conecta o esporte à vida humana. 

 

Referências

Livros

A cara da mídia.  - Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010.

ACASO, María. El lenguaje visual. Barcelona: Paidós, 2006.

CALDAS, Phelipe, Além do futebol: paixões, dores e memórias sobre um jogo de bola. João Pessoa: Ideias, 2016.

____ O menino que queria jogar futebol: uma história de fé e superação.  João Pessoa: Ideias, 2018.

GRIMSON, Alejandro. Los límites de la cultura: critica de las teorías de la identidad. Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores,  2011.

SCHWANITZ, Dietrich. Cultura: tudo o que se precisa saber. Alfragide: Publicações Don Quixote, 2012. 

Internet

https://pt.wikipedia.org/wiki/Auto_Esporte_Clube_(Para%C3%ADba)