Romance A família Canuto

Romance A família Canuto
Romance A família Canuto e a Luta camponesa na Amazônia. Prêmio Jabuti de Literatura.

terça-feira, 7 de maio de 2024

A arte na (de) rua de Igor Mitoraj

  A arte na (de) rua de Igor Mitoraj

Carlos Cartaxo


    O olhar atento é uma condição humana que pouco se usa. Só enxergar é muito pouco para as inúmeras possibilidades de ver, rever, apreciar e admirar o que a vida nos possibilita. Ao me deparar com o livro O olhar, organizado por Flávio Aguiar e Otília Arantes eu tive um impacto que me marcou profundamente pela profundidade dos escritores, artistas e pesquisadores que viam no olhar uma fonte de compreensão e debate sobre os encantos e valores da vida. É fato que precisamos nos alimentar de informações culturais e, principalmente, estéticas para que possamos decodificar o que nos é apresentado. É assim, é a vida, uns apenas veem; outros enxergam além de ver. 

    A arte de rua tem sido um álibi para meu âmago. Desfrutar de uma expressão humana apresentada a céu aberto, de forma gratuita é a oportunidade de desfrutar do belo que artistas expõem, através dos seus trabalhos. Há pouco tempo uma pessoa que mora no interior da Paraíba, esteve a me visitar e disse que nunca foi a um cinema. Eu achei natural porque milhões de pessoas nunca tiveram a oportunidade de ir a um cinema. Contudo, a arte que está acessível aos nossos olhos é pouco observada e, por conseguinte, pouco comentada. Essa situação despertou em mim a necessidade de escrever sobre o impacto que a arte de rua tem me propiciado há alguns anos. Primeiro foi na infância quando eu era atraído pelos artistas circenses que desfilavam pelas ruas divulgando seus espetáculos; depois quando fui tocado pelo teatro de rua que vi e fiz, que já tratei nos meus livros: Teatro de Atitudes e Teatro Determinado; por último a partir dos meus estudos sobre a pós-modernidade  em que pude entender que as mudanças sociais, econômicas e políticas proporcionaram o repensar do fazer artístico tendo em vista o repensar filosófico, científico, estético e cultural após a segunda guerra mundial, tema que trato no meu livro Amor invisível, romance fruto da minha tese de doutorado.

    A opção de trabalhar com teatro de rua foi influência, aparentemente inconsciente, da concepção de que meu trabalho poderia ser acessível a todas as camadas sociais. Anos depois compreendi que já estava pensando pela ótica pós-moderna da arte livre, aberta, acessível. Claro que essa compreensão foi fruto das leituras, no doutorado, sobre pós-modernidade.

    Caminhar pelas ruas de Barcelona, na Espanha, é um espetáculo único. Descrever os encantos daquela cidade é redundância pura! Nos meus estudos doutorais, em Barcelona, agucei meus sentidos, dentre eles o olhar; foi aí que descobri Igor Mitoraj, em 2007, motivo desse artigo fruto de emoções vividas que precisam ser divididas.

Foto: Carlos Cartaxo


    Igor Mitoraj foi um escultor, (Oederan, 1944 - Paris, 2014), cuja obra lembra a grandiosidade da arte grega; não obstante os traços clássicos, seu trabalho nos remete às mudanças e contradições do século XX, o que o enquadra no contexto da condição pós-modernidade. Quando ele nasceu a cidade de Oederan ficava na Polônia, o que o torna polonês; todavia, hoje a cidade se situa na Alemanha. Mas, independente do seu berço, sua obra é universal.

Foto: Carlos Cartaxo


    São esculturas metálicas gigantes. Asas para soltar a imaginação, para ir além do chão; peças que se sobrepõe na Rambla de Catalunya, para admiração e deleite coletivo.

    O que dizer da sensação de passear em plena Rambla por entre obras representativas do movimento artístico contemporâneo e repletas de incógnitas? São corpos gigantes com janelas no coração e órgãos genitais expostos com naturalidade como foi na Grécia Antiga e em Roma há alguns séculos. 

    É uma experiência ímpar porque nos alimenta de sensações e emoções. É a agradável oportunidade de admirar as obras do escultor tendo como cenário a arquitetura moderna na capital da Catalunha. 


Foto: Carlos Cartaxo


    A arte de Igor Mitoraj, em plena rua, está em constante mudança porque cada pessoa a interpreta à sua maneira; a face metálica entra no jogo de luz e sombra e compõe quadros diversos com inúmeras leituras. Inclusive, permite a interação e inclusão do apreciador. A sombra da árvore é um complemento; à arquitetura de fundo é a moldura flexível que nunca será estática. É uma composição natural e individual, somatório entre arte, ser humano, cenário natural e contexto.

    Se a obra está de olhos fechados ou sem cabeça é apenas um detalhe; na concepção do criador, o importante é que o leitor tenha olhos abertos e cabeça para complementar a escultura e suas nuances figurativas. 


Foto: Carlos Cartaxo


    A grandiosidade material da obra acompanha o esplendor da criação do artista. O olhar de um observador ver traços rasgos, fissuras, marcas expostas que podem estar no coração ou no inconsciente de cada leitor. São pedaços, volumes, corpos incompletos como todos nós somos, trabalhados pelo tempo e pelas situações contextuais cotidianas. Dependendo do estado de espírito, se encontra tristeza, coragem, rebeldia, dentre inúmeros sentimentos na expressividade das obras. O tamanho das esculturas nos faz, comparativamente, pequenos; não obstante grande quando estimulado a consciência e o coração. 


Foto: Carlos Cartaxo


    As obras de Mitoraj dialogam entre si e com o leitor. Felizmente Barcelona, Espanha, é uma cidade do circuito europeu que expõe sem censura obras cujas dimensões extrapolam os conceitos conservadores e a ausência de conhecimento sobre arte. Na Catalunha a arte pulsa e faz de Barcelona uma cidade, um campo aberto (e fechado em galerias e museus) que faz do povo catalão uma comunidade culta e dos visitantes mergulhadores no universo da sensibilidade através da arte.


Referências


Aguiar, Flávio; Arantes, Otília. O Olhar, São Paulo, Companhia das Letras, 1988.

Cartaxo, Carlos. O amor invisĩvel. João Pessoa, Editora CCTA, 2015.

Cartaxo, Carlos. Teatro Determinado. João Pessoa, Sal da Terra, 2009.

Cartaxo, Carlos. Teatro de Atitudes. João Pessoa, Sal da Terra, 2005.