A educação e o negro no cinema
Carlos Cartaxo
A arte e a comunicação convergem para a educação, que, por sua vez, conflui para a composição de uma sociedade avançada no que concerne a valores, respeito humano e competências. Essa é uma propositura que é defendida por vários educadores. Esse artigo vem somar e auxiliar essa tendência pedagógica porque significa acúmulo e reforço de conhecimento para quem trabalha com arte e comunicação, levando em consideração os contextos sociais.
Atrizes interpretando Lisístrata, Luanda, Angola. Foto: Carlos Cartaxo
No livro “A elite do atraso: da escravidão à lava-jato”, Jessé Souza aborda a desigualdade social que impera no Brasil fazendo do país uma sociedade excludente que ainda tem na sua base a escravidão. O conteúdo desse trabalho nos dá um suporte teórico para compreendermos a composição injusta que a sociedade patriarcal tem dado aos subalternos na nossa sociedade. Esse tratamento tem o fim, inclusive, de desqualificar a cultura negra em detrimento da cultura imigrante europeia, que chegou no vácuo da modernidade no Brasil. Como diz o pensamento de Jessé, chegou trazendo o dito progresso, mas desqualificando a população negra, a tal ponto de classificá-la como “ralé”. “Como aspecto adicional que contribui para o desajustamento social que se consolida a partir desse período, com efeitos até hoje, há que se lembrar do cerceamento das expressões culturais do negro” (SOUZA, 2017, p.78). Por muitos anos a expressão cultural foi aprisionada e desqualifica, todavia a arte tem aberto janelas que tem colocado a “elite do atraso” em xeque-mate.
Essa é uma vertente para quem acredita que a arte vai além da perspectiva do deleite, da arte pela arte, da arte enquanto apenas elemento de apreciação estética. Contrário a esse raciocínio, eu parto do princípio de que a arte é conteúdo, portanto seu acúmulo é um fator positivo e necessário na formação cidadã. E, consequentemente, toda sociedade que se propõe a ser evoluída precisa informar e, naturalmente, formar seus membros para que tenham uma base cultural consciente e comprometida com a igualdade social.
A disciplina Direção de Arte, dos cursos do Departamento de Comunicação da UFPB, me tem dado a oportunidade de trabalhar com a arte na perspectiva de formação através da comunicação. Essa é uma disciplina técnica, não obstante essa abordagem voltada à prática permite trabalhar a técnica com a vertente criativa, crítica e analítica, o que possibilita reflexão e contextualização dos conteúdos trabalhados. Por exemplo, o filme “O Grande Desafio” é uma fonte de referência para a disciplina porque, além de ter qualidades técnicas cinematográficas, tem conteúdo que se apropria da arte, através da comunicação, para provocar um choque reflexivo no que concerne a história do negro na sociedade escravista e capitalista.
Escrever sobre cinema tendo como referência de conteúdo o negro nos remete, de imediato, a “O grande desafio”, filme com direção de Denzel Washington, consagrado ator e diretor norte-americano, negro. O filme tem roteiro baseado em fatos reais acontecido no Texas nos Estados Unidos da América, nos anos 30 do século XX. A história está situada em uma faculdade, Wiley, portanto em um universo educativo, tendo como personagens, alunos, professores, trabalhadores rurais, um pastor e, como não poderia deixar de ser, um xerife liderando uma polícia preconceituosa, excludente e opressora. O enredo está centrado no grupo de pesquisa da faculdade, liderado pelo professor Melvin Tolson, interpretado por Denzel Washington, que faz parte da tradição norte-americana de grandes debates. A eficiência científica do grupo, que estuda e pesquisa com afinco, colocou a humilde faculdade como vencedora no centro dos maiores debates nacionais. “O grande desafio”, além das inúmeras conquistas, foi vencedor do debate com a Universidade de Harvard. O grande mérito foi fazer enfrentamento com a política excludente norte-americana que, inclusive, na época do filme, tinha o linchamento de negros como um procedimento corriqueiro. O fato do professor Melvin Tolson também ser uma ativista político, além de amante do conhecimento e das palavras, coloca mais uma pitada de conteúdo ao filme, o que fortalece a tese de que os avanços sociais são frutos de luta e da organização política da sociedade. Vale ressaltar que os aspectos técnicos contribuíram consideravelmente para a crítica social do filme. As cenas do linchamento de um negro, do atropelamento do porco, da prisão e soltura do professor, dos debates, inclusive da única derrota, das reuniões do grupo que focava na disciplina da pesquisa e na leitura, da partida no trem para Harvard e da cena do debate final, são ícones que fortalecem a ideia de esforço, conquista, vitória e persistência na luta por liberdade e igualdade.
Então, o que se aprende com um filme como “O grande desafio”? Por que o cinema é uma expressão artística de cunho formativo? E a escola e a mídia devem valorizar o cinema como expressão geradora de conhecimento ou apenas deleite e divertimento? A técnica deve sobrepujar o conteúdo? A estética é apenas uma questão de regozijo? As perguntas podem ser muitas; as respostas, não. O cinema, enquanto expressão artística, é um elemento formador que propicia o acúmulo de conhecimento; enquanto produto que objetiva a mais-valia também traz consigo o valor pedagógico que toda imagem nos propicia.
Aqui vale ressaltar que muitos filmes, pinturas, livros, peças de teatros, espetáculos, músicas, etc., trazem consigo a ressignificação da cultura negra e a ressignificação da beleza, mais do que isso, propiciam um debate sobre a participação social do negro e a importância política da inclusão deste como ser culto, ativo e produtivo no contexto pós-moderno que estamos vivenciando.
O cinema como recurso pedagógico permite aprofundamento de conhecimentos, buscando o aparente indisponível, além do disponível nos livros didáticos. É um recurso que possibilita a ruptura com a dominação do conhecimento, inclusive nas áreas da saúde, exatas e tecnologia, apenas acessível à elite social. Então, há que se concordar que é educativa a propositura que fomenta a arte que expressa criticamente à condição racista em que muitas sociedades estão inseridas.
Referências
SOUZA, Jessé. A elite do atraso: da escravidão à lava-jato. Rio de Janeiro: Leya, 2017.
Nenhum comentário:
Postar um comentário