Estrelas poéticas
Carlos Cartaxo
O título Estrelas poéticas é um tanto comum, para não dizer redundante, já que o desenho poético da criação, por si só, é uma estrela brilhante. Todavia, optei por esse cabeçalho porque de fato, os trabalhos aqui comentados fazem parte do mar bibliotecário que repousa nas estantes do universo físico da minha coleção de escritores, poetas desvairados/as pelo além do olhar, do ver e enxergar; construtores/as do ser viver. Cada mergulho que dou ao folhear um livro de poesia, adentro na sensibilidade de poetas que, através dos seus escritos, dão sentido à vida porque viver não é uma escolha, mas uma missão, portanto compete a cada pessoa a liberdade de criar possibilidades que dão densidade as suas escolhas na vida; nesse sentido a poesia é para todo/as, mas poucos se permitem à oportunidade, e talvez, a ousadia de ser e viver fazendo usufruto do que a colheita do cotidiano lhe permite desfrutar.
Em toda escolha há um risco, logo tenho consciência que às escolhas aqui postadas são de minha inteira responsabilidade. Por se tratar de arte, parto do princípio pós-moderno de que o/a leitor/a é cúmplice do reconhecimento da seleção do/as escritore/as aqui publicado/as, mas não precisa concordar, necessariamente, com a minha seleção dos poemas. Como toda verdade é relativa, abro as águas do mar poético aqui exposto para que o/as leitor/as possam mergulhar na criação do/as poetas que aqui estão adoçando ou salgando o desfrutar do seu trabalho criativo. Outra alternativa é voar por esse pequeno universo de estrelas das letras. Esclareço que o critério adotado, digo a curadoria, para a exposição dos poemas aqui publicadas parte do simples fato de que são escritos que repousam na minha biblioteca particular, por conseguinte, fazem parte dos meus mergulhos e vôos poéticos. A Aqui mantenho a forma tal qual o poema foi publicado. Aquele/as poetas que ainda não foram citados/as aqui, podem acrescer sua criação nos comentários como complemento ao mergulho que possamos realizar, coletivamente, como desfrute do mar poético.
Livro: O sol de algibeira. Autor: Águia Mendes. João Pessoa: Ideia, 2010.
Tuas luas
como são lindas
essas luas
fora do teu corpete
na noite
que ruge nuvens
brilham aterradoras
lindos faróis
estrelas auxiliadoras
Livro: Sob o amor Autor: Antônio Mariano. São Paulo: Pautá, 2013 SOB O AMOR
V
Devoto,
eu vos elejo,
Ceres,
bendita entre as fêmeas,
razão da existência
de minha fome.
A senhora é pra comer
rezando,
banquete divino
que se renova
em moto-contínuo,
pés,
mãos,
olhos,
boca,
peito,
umbigo,
greta sagrada,
orifício,
ajoelho-me
e vos adoro.
Livro: Acaso caos. Autor: Bruno Gaudêncio. João Pessoa: Ideia, 2013.
Acaso caos
o caos que existe em nos
não faz a cama,
mas abre as portas,
as pernas...
o acaso não liberta,
mas deixa a chama,
a chave,
na porta...
na pele
? acaso o caos
não é o cobertor?
? a madeira que divide
os nossos corpos
na hora do sexo?
Livro: Tempo. Autor: Emília Guerra. João Pessoa: Manufatura, 2008.
O tempo
De dar tempo
Ao tempo
O presente que
Ele e ela
Não quer
Quando acaba
O namoro
Para o homem
Ou para a mulher
Livro: As palavras me escrevem. Autor: Hildeberto Barbosa Filho. Itabuna: Mondrongo, 2019.
Adormeço
na madrugada dos teus seios,
vítima das vertigens
do repouso.
A noite adentra
meu corpo como pétalas
de luzes que não se apagam.
Só sei cantar os astros
do amor, quando o amor
derrama suas águas luminosas
no meu coração.
Desdenhem de mim,
poetas maiores, com suas elipses
aristocráticas.
Só sei cantar o que me encanta.
A loucura da musa,
sua beleza inenarrável.
Dante, Petrarca, Camões
fizeram assim.
Sou humildemente
um poeta menor, um lírico
de si mesmo, quase feliz
só por ter a minha amada
para cantar.
Verso nenhum vale
a sagrada sílaba
de quem ama.
Livro: O circo, o bicho e a festa. Autor: José Leite Guerra. João Pessoa: Edição do autor, S/D.
Salto solto
nasceu palhaço
teve vergonha
deixou de ser
vestiu-se homem
partiu ao sério
armou abraço:
o próprio circo
tanto mistério
perdeu o nome
e, também, homem
deixou de ser
Livro: Vislumbre. Autor: Marcos Barros. João Pessoa: Sal da Terra, 2005.
Limiar
No limiar
absorvo as horas,
os dias...
Absorvo o homem,
a vida...
Como a areia absorve a água.
Galopo pra não ser absorvido
no sequenciar...
Engulo para não ser engolido,
consumo para não ser consumido.
Ando para não ser passado,
faço história para ser sujeito,
sou sujeito para ter direito.
Livro: Diálogo das horas. Autor: Paulo Sérgio Vieira. João Pessoa: Editora da UFPB, 2014.
XXV
A abelha sopra
Mel no bambual
É flauta doce
Livro: Ilha perdida. Autora: Porcina Furtado. Cajazeiras: Editora Arribaçã, 2021.
Brincadeira
Não escrevo as minhas memórias
Escrevo para os dias de sol
Pra menina debruçada na janela
Que sonha acordada na tarde que finda
Escrevo para a insônia da noite
E para os devoradores de versos
Escrevo para os amantes e viajantes
Escrevo porque posso escrever
Brincar com todas as palavras
Escrevo para a lua dançante
E para os vagalumes brincantes
Escrevo para não desperdiçar os dias
Todos os poemas são inventados
Porque você chegou tarde.
Livro: Entre nós. Autor: Regina Lyra. João Pessoa: Editora Universitária UFPB, 2008.
Noites insones
As noites
Buscam o Cacique
Sem fim.
Neste momento preciso,
A fala tem nome,
Apenas o desejo forte explica.
O Pajé anuncia:
Na dança,
No açoite do relâmpago
Da tempestade, enfim.
Sede do papo
Fome sem fim.
Livro: Entre Parénthesis. Autor: Romualdo Rodrigues Palhano. João Pessoa: Sal da Terra, 2010.
À primeira vista
Parece ser morte é vida
Parece ser vida é morte
Parece ser belo é disforme
Parece ser rico é pobre
Parece ser infame é glorioso
Parece douto é ignorante
Parece robusto é fraco
Parece nobre é ignóbil
Parece fraco é inteligente
Parece alegre é triste
Parece favorável é contrário
Parece amigo é inimigo
Parece salutar é nocivo.
Livro: O avesso da pele. Autor: Waldir Pedrosa Amorim. João Pessoa: Manufatura, 2005.
O avesso do tempo
Pelo lado de dentro do tempo
esqueci das paradas
dos semáforos
dos sinais de contramão.
Era o avesso que me guiava
no surdo palmilhar.
Nem dos afavores, nem dos contrários eu
entendia.
Nem se os ventos atiçavam os meus pelos nem
em que direção.
Nada da epiderme eu pressentia, senão o avesso
da
epiderme.
Bastava-me este,
se é que importava o que bastasse,
ou, o que ausência tivesse provocado.
Era o avesso, o íntimo, o interior,
o refratário às medidas.
Era uma tipografia ruminada
entre silêncios.
Era o avesso do tempo: poesia.
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