Romance A família Canuto

Romance A família Canuto
Romance A família Canuto e a Luta camponesa na Amazônia. Prêmio Jabuti de Literatura.

sexta-feira, 19 de julho de 2019

Tabajara, povo da resistência indígena

Tabajara, povo da resistência indígena
Carlos Cartaxo

               O conhecimento e a formação humana são essenciais para a evolução do ser humano. Ir ao passado para conhecer e reconhecer o presente é viver a intensidade da felicidade e, naturalmente, de sentido à vida. Acreditando nesse princípio procuro trabalhar metodologicamente com a teoria e prática concomitantes nas minhas aulas na Universidade Federal da Paraíba. Dentre as disciplinas que ministro no atual semestre, uma é Seminário Étnico-Raciais para o curso de Relações Públicas. Pois bem, essa disciplina é uma viagem a nossa origem. É se apropriar do pertencimento de irmãos em um contexto cultural secular. Um dos referenciais teóricos do curso Seminário Étnico-Raciais é o livro “Relatório Tabajara: um estudo sobre a ocupação indígena no Litoral Sul da Paraíba” de Fábio Mura, Estêvão Palitot e Amanda Marques; livro que fundamenta a história dos Tabajara no estado da Paraíba desde o século XVI. Os autores citam que:
Logo após as guerras de conquistas da Paraíba, que colocaram em lados opostos grupos indígenas de língua tupi conhecidos como Potiguara e Tabajara, deu-se início à ocupação portuguesa das terras entre as capitanias de Itamaracá e Paraíba. Os aldeamentos missionários foram instrumentos importantíssimos na fixação dos domínios coloniais sobre o território e as populações nativas. Ainda no final do século XVI, vamos encontrar informações a respeito da quantidade da população indígena e das tentativas de seu aldeamento na região. (MURA, PALITOT e MARQUES, p. 17, 2015).
               Então, quando falamos de povo nativo, indígenas que lutam pela terra, estamos falando em resgate do que sempre lhes pertenceu. A organização natural desses povos foi interceptada pelos padres franciscanos quando estes partiram para organizar os nativos através de aldeamento. Uma data é importante a ser resgatada é o ano 1614, quando houve a concessão das terras da sesmaria dos índios de Jacoca, Segundo os autores do livro citado, atual município do Conde. Essa data certifica quem são os verdadeiros donos da terra e ratifica que essas terras foram usurpadas dos nativos pelos invasores brancos europeus.
               Nosso encontro, aula de campo, na quarta-feira, 17 de julho de 2019, com os indígenas da aldeia Tabajara foi marcada por preciosos momentos de informações históricas e culturais. O cacique Carlinhos fez uma explanação sobre a luta histórica desse povo que ocuparam essas áreas por séculos. A emoção e exalação da energia expelida pela defumação de alecrim do cachimbo do caíque multiplicaram nossa crença e credibilidade na cultura indígena, nos fazendo mergulhar no contexto nativo, real, de um povo que trás consigo a beleza da verdade histórica e da resistência.
Foto: Sheyla Targino

A luz da gigante lua que iluminava a aldeia favoreceu a credibilidade de que a energia dos guerreiros encantados estavam conosco inspirando o cacique Carlinhos para nos transmitir conhecimentos, com propriedade, sobre suas crenças, no caso, Jaci (lua) e Tupã (sol). No seio da oca onde fomos recebidos havia luz solar, tecnologia que havia chegado à aldeia Tabajara, aproximando séculos, mas que, naquele momento, iluminava nossos rostos, sombreava o cenário em que estávamos inseridos, expondo a sensibilidade e a cultura do cacique como um manancial de informações históricas e culturais que enebriava nossas consciências e nossos corações.
Sentados em cadeiras em círculo tínhamos, à frente, membros da família Tabajara e uma mesa repleta de elementos culturais como tacape, lança, arco e flecha e maracás. Todo o grupo presente participou da dança, ritual inicial com canto, que abriu nossa conversação. O cacique e os membros da aldeia se vestiam a caráter e tinham pinturas corporais e adornos à base de penas de aves, cocares, que traduziam séculos de história das mais de trezentas etnias que compõe a configuração dos nativos brasileiros.
Muitos pesquisadores, na área das artes visuais e antropologia, têm trabalhado com as pinturas corporais indígenas; muitos trabalhos foram publicados em nível de graduação e pós-graduação; todavia há quem confunda a arte da pintura corporal com tatuagem. No caso da arte indígena há códigos que a semiótica e a antropologia explicam e interpretam de acordo com a tradição cultural de cada povo. Como o Brasil tem centenas de povos indígenas, cada um tem seus signos, com respectivos significados sobre sua própria história. A pintura corporal indígena tem como base produtos naturais, tintas oriundas de árvores e frutos como jenipapo e urucum. Cada traço são motivos criativos, a maioria geométricos, que estão ligados a determinadas comemorações e rituais.
Antes da aula de campo, tivemos uma aula na universidade com a presença do professor, pesquisador e escritor da Universidade Federal da Paraíba, Dr. Lusival Barcellos e do índio Tabajara, aluno de Antropologia da UFPB, Juscelino Tabajara, momento em que foi exposta a realidade do povo Tabajara, suas lutas e conquistas. Esse diálogo foi introdutório para chegarmos à aula de campo na aldeia Tabajara no Conde, momento de aprofundamento teórico a partir de uma vivência prática. Tanto a aula no campus universitário como a aula de campo na aldeia foram vetores convergentes para a produção de conhecimento e de aprendizagem com relação aos povos genuinamente brasileiros e donos da Terra Brasilis.
Juscelino Tabajara. Foto: Carlos Cartaxo

A experiência na aldeia Tabajara foi um regozijo para minha profissão de educador e é um álibi para encamparmos a luta desse povo que é símbolo da Paraíba, povo que construiu a história da bela cidade que é João Pessoa, mas que nunca deixou de ser Parahyba. A visita aos Tabajara me faz crer que o nome da cidade deve ser resgatada para Parahyba e que a aldeia Tabajara do Conde (porque não Jacoca?) deve se transformar no ponto de visitação para fazer daquele sítio um museu vivo, gerador de conhecimentos históricos e de renda, além de fortalecer a luta para garantir a propriedade legal aos Tabajara da terra que sempre lhes pertenceu.
Carlinhos Tabajara, Carlos Cartaxo e Juscelino Tabajara. Foto: Sheyla Targino

Obrigado povo Tabajara, em especial, o cacique Carlinhos Tabajara e Juscelino Tabajara, seu filho que está se formando em antropologia, primeiro índio Tabajara a concluir o curso universitário de Antropologia na UFPB; agradeço também ao professor pesquisador Lusival Barcellos e o professor e cineasta João Lima, ambas da UFPB, a fotógrafa Sheyla Targino e demais pessoas que contribuíram para essa aula de campo na aldeia Tabajara nesse julho enluarado de 2019.    

Referências
MURA, Fábio; PALITOT, Estêvão e MARQUES, Amanda. Relatório Tabajara: um estudo sobre a ocupação indígena no Litoral Sul da Paraíba”. João Pessoa: Editora da UFPB, 2015.

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