Carlos Cartaxo
“The Stranger and the City", O Estrangeiro e a Cidade é a performance que apresentamos essa semana em Framingham, Massachusetts, nos Estados Unidos da América. Framingham é uma cidade que tem em torno de vinte e cinco mil brasileiros; realidade brasileira com vitórias e fracassos no contexto real norte-americano. É claro que, nesse quadro, muitas personagens se tornam marcantes porque trazem consigo a cultura brasileira, inclusive regional, de desbravamento e resistência e, em alguns casos, de analfabetismo funcional que forçosamente tem que se adaptar, viver e conviver com outra realidade, na maioria das vezes, difícil, dura e árdua.
Foto; Zoe Salvucci
Então, o que faz uma pessoa que trabalha com arte, educação e comunicação no Brasil, sair de sua casa, sua zona de conforto, em pleno verão, para desbravar horizontes e tentar descobrir novos sentidos, olhares e sentimentos?
Essa questão não tem resposta pronta; só sei que essa não é a primeira vez. Em 2011 saí para trabalhar com teatro, por dois meses, em Luanda, angola. Foi uma experiência ímpar tendo em vista a gana, o talento e determinação dos irmãos e irmãs, atores e atrizes, angolano/as. Em 2015 levei para Portugal e Holanda o monólogo “Anayde Beiriz – história a ser contada” produzido pela ADUFPB e o Suspensório Produções Artísticas e agora vim fortalecer o projeto “Babel Theater Project” que montou a performance “O Estrangeiro e a Cidade” em Framingham, Massachusetts.
Foi com o ímpeto de desbravador, pesquisador que não tem medo de ir à busca de novas informações, que deixei minhas férias de verão em Parahyba para vir pesquisar sobre histórias de vidas de brasileiros nos Estados Unidos da América. Os contatos me levaram ao grupo que construiu a experiência de “O Estrangeiro e a Cidade”, cujo tema também aborda a realidade dos brasileiros nos Estados Unidos. Fui convidado para trabalhar na performance e não relutei, abracei a oportunidade de imediato.
Foto; Zoe Salvucci
A vida cotidiana dos brasileiros emigrantes nos Estados Unidos da América não é muito diferente do que acontece no restante do mundo. Há as dificuldades objetivas: trabalho, idioma, moradia, alimentação, saúde, mobilidade, formação técnica ou acadêmica etc; mas há as dificuldades subjetivas: cultura, valores morais e éticos, religião, normas e leis, educação, segurança etc. Então, a conhecida “American way of life”, a maneira, estilo e jeito norte-americano de ser, não é tão óbvio, nem fácil de viver como se imagina. Esses fatores, que muitas vezes, são comportamentais, além de culturais, se tornam muros a serem escalados de forma correta e precisa, o que não é tão fácil o quanto se pensa ser.
Os problemas que aparecem no contexto de emigração são tantas que preocupam as autoridades e as pessoas mais conscientes e preparadas que fazem parte do processo. Essa é a questão central de “O Estrangeiro e a Cidade”. O texto foi escrito por brasileiros e brasileiras que residem nos Estados Unidos da América. De fato são relatos de experiências vividas que se transformaram em literatura. Dirigido por Ana Cândido e interpretada por artistas brasileiro/as que vivem nos EUA. Eu sou a exceção que não mora na América do Norte, mas na América do Sul.
O processo começou com logo na minha chegada a Boston pela manhã do dia 07 de dezembro. Manhã muito fria, dois graus negativos e a cidade tomada de neve. Às 14 horas me agrupei com a equipe, que já estudava o texto, e iniciamos o trabalho. Para minha surpresa encontrei um grupo extremamente qualificado; um elenco repleto de talentos.
O texto, escrito a várias mãos, é rico por ir do drama denso ao humor. O principal valor está nas personagens que de reais se tornaram ficcionais. O espetáculo é itinerante; inicia no Sofá Café, ponto de encontro para se tomar um bom café com tapioca e, apesar do frio, sai em caminhada pelo centro de Framingham para a escadaria da prefeitura da cidade onde há a cena do casamento. Em seguida segue para um prédio de escritório onde há cenas na escadaria, no “hall” central e em uma sala, a cena da imigração. Retornando, em seguida, para o Sofá Café, onde acontecem as cenas finais. São 120 minutos de emoção!
— “Meu amigo você está furando a fila”. — A fala do prólogo já inicia com uma reflexão sobre ética e respeito. Nos EUA, muitos emigrantes agem com a formação cultural própria e, muitas vezes, sem o mínimo conhecimento sobre ética e, consequentemente, valores como respeito e solidariedade. Isso tem causado um descompasso com a realidade cultural do país. No final dessa cena inicial há uma fala densa — “Ô, rapaz, você é um trapaceiro mesmo. Por que você não volta para lá de onde você veio?” —. Entra uma personagem feminina para esclarecer a situação. — “Calma pessoal, o que é isso? Ficaram loucos, é? Vamos lembrar que somos da mesma terra. Somos brasileiros, estamos aqui juntos. Viemos por um motivo. Estamos nessa juntos. Eu, por exemplo, vim aqui porque quero uma vida melhor para mim e minha família.”
Foto; Zoe Salvucci
Há personagens que narram à saga de sair do Brasil e chegar à terra de Tio Sam. Descrevem os sonhos de: chegar aos Estados Unidos da América, aprender o idioma, ter o Green Card, abrir uma empresa, ser rico e ser feliz. A felicidade é tratada como sendo a materialidade da vida. Essa concepção leva a equívocos como “o jeitinho brasileiro” que rompe com valores como ética e respeito. Esse comportamento é real, inclusive, sobrevive com base em atitudes como ter que derrubar o outro para se “dar bem”.
Em contrapartida a esse comportamento cultural refutado, há as personagens que trabalham com afinco em serviços diversos, doze, quatorze horas por dia, sem direitos trabalhistas, férias, seguro saúde, etc., de segunda a segunda. As cenas de ausência da família e de trabalho escravo, como “au pair”, emocionam porque tratam de questões que vêm de experiências reais; situações que envolvem até suicídio. Há brasileiros que se passam por médicos e exercem a profissão de forma irregular, inclusive provocando a morte de pacientes conterrâneas.
O Estrangeiro e a cidade é um espetáculo itinerante em Framingham, EUA, com texto de: Eduardo de Oliveira, Heloísa Galvão, Jaime Zimmer, Júlia Aldana, Júlia Jannuzze, Luciana Castrillo, Luiz Madrid, Poeta Imigrante, Ninho dos Santos, Rossane Correa e Talisgean Beknap; com adaptação de texto e direção de Ana Cândida Carneiro. O elenco é formado pelos intérpetres: Carlos Cartaxo, Catarina Costa, Lucas Laguardia, Luiz Madrid, Pedro Natividade, Pedro Teixeira, Renata da Costa, Sâmia Costa e Simoneide Almeida. A ficha técnica é composta por: Sábato Visconti na Programação Visual (Filtro de realidade aumentada); Pedro Teixeira: voz e violão; Jamie Canaan e Júlia Aldana, na iluminação e áudio; Assistente de produção e realização: Brian English.
A diretora Ana Cândido Carneiro conseguiu reunir um elenco excepcional de brasileiro/as que moram nos EUA. A exceção sou eu que estou de passagem realizando uma pesquisa em Massachusetts sobre “histórias de vidas de brasileiro/as nos EUA”. Na sua página no Facebook Ana expressou sober seu trabalho: “I would like to thank everybody that made "The Stranger and the City" possible: the writers, the actors, the whole production crew, friends and supporters, and the audience that showed up and was ready to go on this "urban theatrical trip" about immigration, and the sponsors - Mass Cultural Council and Consulado-Geral do Brasil em Boston. It was very moving to see the impact of this work on everybody. And this is just the beginning...” “Agradeço a todos os que fizeram com que "O Estrangeiro e a Cidade" fosse possível: escritores, atores, toda a equipe de produção, amigos, e a plateia que embarcou conosco nessa viagem urbana sobre experiências de imigração. Foi muito comovedor ver o impacto deste trabalho na plateia e nos participantes. E pensem que é só o começo... Grande abraço a todos.”
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