Em tempos de poucos
leitores
Carlos Cartaxo
Uma olhada nas
redes sociais é o suficiente para constatarmos que as pessoas não lêem mais, ou
melhor, lêem muito pouco. Algumas pessoas, para minha decepção, não lêem nada.
Felizmente há aqueles que ainda têm a leitura como parte do seu cotidiano.
Lembro que na minha adolescência íamos para o cinema com um livro para lermos
em qualquer momento livre, seja na sala de espera, seja no ponto do ônibus. É
claro que os tempos são outros; ninguém solta o aparelho celular, e não é para
telefonar, mas para acessar as redes sociais. Leitura é algo fora do cotidiano
de muita gente. Será que estamos diante de uma geração perdida?
Essa é uma
realidade que a gente não pode fugir dela. Todavia, ainda há aqueles, até entre
os adolescentes, que têm a leitura como uma escada à aprendizagem, como
referência ou imitação da vida. O poeta e/ou escritor se tornou um criador,
aquele que cria mundos e suas novas criaturas. Em reverência aos criadores e
aos criados escrevo esse artigo com zelo e afinco, tendo em vista que a
literatura é a bússola que expressa e traduz épocas.
Eu tenho na
cabeceira da cama o livro “Cultura: tudo o que é preciso saber” de Dietrich
Schwanitz, edição portuguesa da editora D. Quixote. Dessa obra sempre tiro
novas informações, o que me inspira a continuar escrevendo. Esse é um
procedimento de constante aprendizagem. É o poço sem fundo, digo o ciclone, de
“O mágico de Oz”. Sempre estou descobrindo algo novo e acumulando
conhecimentos. Essa busca incessante tem me distanciado de muitos grupos; em
contrapartida escrevo aqui o que considero importante para aqueles que
constituem o universo pensante.
Quem acompanha
o meu trabalho sabe que tenho mais de uma dezena de livros escritos, por mim e
alguns em parcerias. Mas, tenho consciência de que o que escrevo é pouco lido;
afinal não se trata de sensacionalismo, fofoca ou doutrina que imputa uma
verdade absoluta. Escrevo o que de fato, eu acredito; algumas coisas do
imaginário ficcional, outras fruto de pesquisas. Como ando mergulhado no
universo literário, divido alguns dos meus referenciais com meus leitores. Listo
aqui algumas obras literárias que considero importantíssimas para a história e
o conhecimento da humanidade. Inicialmente, esse texto que tem como fundamento
a obra, já citada, de Dietrich Schwanitz.
A formação cultural que tive na minha
adolescência foi fazendo teatro em Parahyba. Nessa experiência fui apresentado à
dramaturgia grega; literatura que me conquistou, me arrebatou da mesmice e me
fez um leitor em potencial. Isso já na minha adolescência, porque na minha
infância tive pouco acesso à literatura infantil. Então, obras gregas como Lisístrata e As nuvens de Aristófanes; Édipo
Rei, Antígona, e Electra primeiras peças de Sófocles que
me encantaram; Andrômaca e As Bacantes de Eurípedes, autor que
escreveu em torno de 95 tragédias, me influenciaram para a escrita dramática;
já as peças de Ésquilo, As suplicantes
e Prometeu Acorrentado foram
determinantes para minha gana por leitura. Ésquilo é considerado como o
fundador do estilo trágico na dramaturgia. Sua obra tem como base a mitologia
grega. Sófocles além de dramaturgo introduziu tecnicamente o terceiro ator nas peças,
criando assim uma importante inovação do fazer teatral à época.
Quando li Lisístrata me encantei pela profundidade
histórica e política que o teatro grego apresenta. Nessa obra de Aristófanes,
que data de 411 a.C., encontramos a primeira abordagem literária feminista, cujo
foco é sobre greve, ou seja, resistência social. A personagem Lisístrata organizava
as mulheres da época para que fizessem greve de sexo quando seus maridos
voltassem das guerras porque o resultado daquelas lutas insanas era: 1) dar
poder a quem já era poderoso e tinham que manter seu império; e 2) deixar
muitas crianças órfãs; e 3) muitas mulheres viúvas.
Da literatura
grega vou para A Divina Comédia do
italiano Dante Alighieri, escrito durante a Idade Média que se tornou público
em 1321. Considerada como a mais significativa obra da Idade Média e da
literatura italiana, é um trabalho determinante para a formação cultural de
todo leitor. Sua base é a cultura da memória, ou seja, a tradição oral porque,
na época, a imprensa ainda não existia. Os valores morais eram bem definidos e
bem determinados divulgados através da oralidade. Como não poderia ser
diferente, Dante trabalhou com um sistema de memória para escrever A Divina Comédia. A história é uma
viagem literária que começa em uma Sexta-Feira Santa de 1300. Logo de início
Dante se perde na floresta do erro, momento em que se encontra com o autor de Eneida, Virgílio, que faz descer o
caminho acentuado que o leva aos nove círculos do inferno. É uma alegoria à
representação da maldade, centrada na figura dos mais representativos traidores
da história da humanidade, no caso, Bruto e Cássio que assassinaram César e
Judas, o emblemático traidor de Jesus Cristo. Em seguida Virgílio o conduz até o cume do
purgatório. Por último, Virgílio leva Dante à entrada do paraíso terreno; daí
ele é conduzido por Beatriz ao tão sonhado paraíso. Aqui há o resplendor da
espiritualidade, os patamares dos espíritos superiores, os anjos, e, por fim,
Deus.
Ainda na Idade
Média, há outros referenciais da literatura que merecem destaque, por exemplo:
o poeta Francesco Petrarca, escritor que tinha a filosofia e o amor como base
para suas criações e Giovanni Bocaccio, amigo de Petrarca, que notabilizou sua
escrita quando morava em Florença. Seu destaque do seu trabalho é O Decameron, que é uma coletânea de
histórias consideradas imorais. Esse, possivelmente, é o primeiro trabalho
literário sobre histórias eróticas; referência para várias gerações de jovens que
tiveram a oportunidade de, poder usufruir, através da leitura, de uma
literatura sem preconceitos sexuais.
A literatura portuguesa
se faz bem representada por Luís Vaz de Camões. Dentre vários escritos, principalmente
sonetos, a obra que o imortalizou foi Os
Lusíadas. Camões fez com que navegadores portugueses transformassem deusas
em mulheres, jogando fora a tese do pecado instituída pela igreja católica na
Idade Média, e estabeleceu a Ilha dos Amores como sendo um território da
espontaneidade e da felicidade. Foi um escritor mais que habilidoso, foi muito
talentoso.
Pouco tempo
depois de Camões, o espanhol Miguel de Cervantes nos presenteou com Dom Quixote de La Mancha. Possivelmente
o romance mais representativo da literatura espanhola. O talento de Cervantes
faz de Don Quixote (latifundiário espanhol Alonso Quijano), seu cavalo
denominado de Rocinante; seu escudeiro o camponês Sancho Pança e seu respectivo
jumento; e a enigmática camponesa Dulcineia de Toboso, personagens icônicos da
literatura mundial. Cervantes fez seus personagens, arquétipos de uma época,
circularem a Espanha renascentista combatendo os opressores e ajudando os
pobres da época, que eram muitos. O imaginário ficcional do autor faz Don
Quixote ver inimigos poderosos carregados de ideologias que deveriam ser
combatidas. É um misto de alucinação, ingenuidade e idealismo de um incansável
cavaleiro. Depois de um desafio, perdeu o duelo e teve que pagar a promessa de
desistir de sua luta por um ano. Cumpriu, momento em que reviu seus ideais e
concluiu que sua empreitada não passava de uma ridícula elucubração. Desistiu
de suas ilusões. Afastado de suas fantasias, passou a conviver com a lucidez,
em seguida faleceu.
Ainda no
Renascimento encontramos William Shakespeare, que além de autor de tragédias,
dramas e comédias, tinha outras habilidades que o fez um criador eclético, afinal
ele também foi excelente ator e empreendedor. Dentre as 38 peças teatrais e 154
sonetos e outras poesias, de Shakespeare, Otelo
é a peça teatral que merece minha releitura. Personagens como o general mouro Otelo,
sua esposa Desdêmona e seu sub-oficial maquiavélico Iago marcam os arquétipos
da humanidade com suas contradições psicológicas e morais. Valores como amor, traição,
ciúme, inveja e racismo são o foco do enredo. Hamlet é outra obra marcante em que Shakespeare trás à tona valores
morais e comportamentais como traição, vingança, incesto e corrupção. É claro
que teríamos que escrever dezenas de páginas para falar de Shakespeare e de sua
obra. Peças como Macbeth, Rei Lear, Júlio César, Ricardo III, Romeu e Julieta,
entre muitas outras não poderiam ficar de fora do debate; todavia, deixamos o
estímulo para o/a leitor/a ir fundo na literatura shakespeariana.
Seguindo pelo
universo da dramaturgia lembro o francês Jean-Baptiste Molière, memorável
escritor e intérprete de comédias que teve forte influência da Commedia Dell’Arte. Escreveu clássicos memoráveis
como: O Tartufo, O
Avarento, Escola de Mulheres, Escola de Maridos, Médico à Força, O Amor Médico,
Don Juan e O
Burguês Fidalgo, entre outras obras. O Avarento foi a peça teatral que marcou definitivamente meu apreço
pela comédia. A ganância exacerbada pelo dinheiro é a mola propulsora do
conflito dessa peça teatral. O Tartufo
é outra criação que sempre fortaleceu minha paixão pela dramaturgia. No caso de
O doente imaginário há um fato
pitoresco. Poderia ser uma tragédia se não fosse uma comédia. Molière interpretava
a personagem principal. Na peça, o pai quer um marido médico para a filha para
que este cuidasse de sua saúde cotidianamente. Ele interpretava o pai, momento
em que já estava, de fato, doente. Como ele era um excelente ator além de
escritor, interpretou a personagem com tanta naturalidade que a platéia
delirava sorrindo enquanto ele estava sofrendo, quase morrendo, doente no
palco.
O romance Robinson Crusoe de Daniel Defoe, apesar
de pouco comentado, digo trabalhado na escola, e nos meios literários que
convivo, merece ser citado aqui por duas particularidades. Primeiro, com base
no pensamento de Dietrich Schwanitz, Robinson
Crusoe pode ser considerado, no contexto da literatura universal, o
primeiro romance realista. Segundo, em época de fragmentação profissional, o
escritor Defoe é considerado o primeiro jornalista da história. Foi ele quem
criou The Review, o primeiro jornal
que tinha o fim de publicar notícias e comentários. Esse é o momento histórico
em que surgiu a burguesia e a modernidade. Ratificando essa tese, Daniel Defoe escreveu
em 1719 A Vida e as Surpreendentes e
Singulares Aventuras de Robinson Crusoe, considerado o texto que demarcou
conceitualmente a modernidade. A literatura de Defoe valoriza o quotidiano da
vida associando e dando ênfase ao realismo e a literatura; é a chegada da vida
moderna.
Em tempo de
analfabetos funcionais, de extremismo religioso, de perdas trabalhistas e
sociais e de ignorância política, me convenço de que a leitura é um bom caminho
para construirmos a paz através da cultura. É um caminho para sorrirmos de
felicidades acreditando que a vida vale a pena ser vivida com toda intensidade.
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