Essa escola não serve
Carlos Cartaxo
Eu estava em um programa de rádio em Parahyba para debater sobre o orçamento para educação no estado da Paraíba no ano de 2017 quando fui surpreendido, no intervalo, por um entrevistador que criticou a escola e queria saber minha opinião por esta não está mais reprovando os discentes, ou seja, passa todo mundo. Ele também foi surpreendido quando respondi com uma pergunta: quem disse que a escola é para reprovar? A escola é para educar, formar cidadãos e cidadãs. Contudo, se a escola não está formando com eficiência é irresponsável culpar apenas o/a discente. Esse é um dos argumentos da minha tese de doutorado publicada no Livro “Amor invisível – artes e possibilidades narrativas”. É uma tese sobre arte e educação que aborda sobre a escola na sua amplitude de conteúdos, principalmente a arte, e a realidade da educação no contexto pós-moderno. A tese situa a escola que ainda é moderna no contexto pós-moderno. É uma radiografia que detecta as contradições materiais e pedagógicas em que a educação se encontra e expõe seus discentes dificultando, porque não dizer, inviabilizando a aprendizagem.
A escola, de modo geral, não tem equipamentos técnicos como projetores e/ou equipamentos tecnológicos na sala de aula, sala de cinema, auditório e ou teatro, espaço cultural para arte, quadra esportiva de qualidade e material de trabalho. Parece surreal, mas há inúmeras escolas que não têm papel higiene e água nos banheiros; algumas não têm banheiro! Com essas condições, como exigir disciplina, motivação e aprendizagem dos alunos? As boas condições materiais são condicionantes necessárias para se alcançar os bons resultados desejados à educação. É necessário que todo material, tanto de consumo como técnico, seja de qualidade e acessível a todos os profissionais e os discentes.
Como um organismo que deve ser e se manter vivo, a escola precisa alimentar seus profissionais com constantes atualizações. Exigir formação qualificada só dos professores é muito pouco; é necessário fazê-lo da gestão como um todo, passando pela merendeira, o pessoal da limpeza e manutenção até a portaria. Todo o corpo profissional deve ser atualizado anualmente. A escola deve ter missão, objetivos e metas que devem ser planejadas coletivamente e renovadas para serem cumpridas anualmente; para que esse procedimento se efetive é preciso condições materiais e recursos financeiros. Essa propositura me faz lembrar o musical, belo e primoroso, “Os miseráveis” de Victor Hugo que assisti em janeiro de 2020 em Massachusetts, nos Estados Unidos da América, produção da Framinham High School Drama Company. O detalhe memorável é que era um trabalho de ensino médio. A escola tem um teatro de primeiríssima qualidade com todos os recursos técnicos de um teatro profissional. Saí do teatro muito grato a Luiz Madrid, poeta, e sua esposa Michelle Stavola da Costa, professora e gestora escolar em Framinham, Massachusetts, que me convidaram para ver o espetáculo. Esses agradecimentos são dirigidos também aos aluno/as que comporam o elenco com qualidade técnica de intérpretes e cantore/as excepcionais. Citar um trabalho artístico dos EUA quando poderia citar um brasileiro parece um paradoxo. Cito porque os projetos desenvolvidos em escolas brasileiras deveriam ter apoio e condições materiais e financeiras que impulsionasse a escola com o fim de alcançar resultados qualitativos de excelência. Jamais conseguiremos a qualidade técnica de um trabalho daquele nível em uma escola que não tenha condições materiais, financeiras e pedagógicas para o ambiente educativo aprazível e motivador.
A arquitetura da escola é outro componente ultrapassado. Há décadas que a arquitetura escolar é projetada de forma geométrica igual a presídios. São quadrados, com as carteiras disposta em filas onde o/as aluno/as ficam um/a atrás do/a outro/a. Em muitos casos, a distribuição do/as aluno/as se dá pelo desenvolvimento cognitivo e/ou social dos discentes. Os “melhores” se sentam na frente, os bagunceiros atrás ou os mais altos atrás ou menores na frente. Esse arranjo físico é seletivo e propicia preconceitos e discriminação. A forma dinâmica que a natureza nos dá é a circular. É a forma da terra, das frutas, do sol, da lua, da nossa cabeça, dos nossos órgãos; enfim, a vida é delineada por curvas, todavia, a arquitetura da escola é quadrada. Essa geometria “curralesca” foge da lógica da visão ocular que é circular, portanto é mais um paradigma que dificulta a lógica do processo educativo. O quadrado escolar é um paradigma difícil de quebrar. Ele se apresenta como uma regra. Quando se vai construir um edifício para a prática educativa, tanto o projeto arquitetônico como o financeiro são condicionados a serem pensados de forma quadrada. São pessoas que entendem muito pouco de educação, assim como de motivação. O resultado disso é que essa escola que temos não serve!
Quanto aos currículos, os conteúdos se repetem com base em metodologias que também se repetem. Projetos são necessários à vida escolar. Não obstante a existência, são poucos e quando há, são implantados com muitas dificuldades. Em muitos casos com recursos do corpo docente. Esse emaranhado de despreparo dificulta o que é essencial no ensino-aprendizagem: inovação. Existem inúmeros estudos sobre currículo. Esse debate é constante e vertente nas universidades, faculdades, secretarias estaduais e municipais de educação. Entretanto a aplicação dessas teorias só faz sentido se existir condições materiais, financeiras e nova contextualização da escola no universo pós-moderno, caso contrário: essa escola não serve, continuará sem chegar a lugar nenhum, ou seja, apresentando índices baixíssimos desde a evasão escolar à aprendizagem.
A pós-modernidade alimenta a individualização do sujeito. O consumo, assim como a estética do olhar apenas para si, isola as pessoas do seu entorno e do pensar e viver de forma coletiva. Por conseguinte, precisamos conhecer essa realidade para compreender e colocar a diferença de classe no seio desse debate. Esses sujeitos imersos, sem autorização, no contexto pós-moderno são os mesmos que constituem a comunidade escolar. Essa realidade exige que a instituição condutora da aprendizagem debata no seu seio a diferença de classe como se fosse um componente químico que separa partículas e quebra a cadeia química do componente escolar. A sociedade está dividida em classes; essa é uma realidade irrefutável. Essa lógica econômica e social é mais um paradigma que precisa ser visualizado e quebrado na escola. A família que está situada na miséria tem uma realidade diferente daquela que está na pobreza e completamente diferente daquela de classe média que não falta comida na mesa e os filhos vão à escola de carro. Esse quadro apresenta valores morais e de conflitos familiares complexos, porém diferentes. Essa realidade chega à escola e trás consigo um notório quadro de desigualdade econômica, educativa e cultural. Então não é possível pensar, planejar e administrar a escola sem considerar a diferença real dos sujeitos ativos no ensino e na aprendizagem.
A escola deve ser o espaço para perguntas e não, necessariamente, para respostas. O sistema de comunicação existente na escola é retrógado. Em muitos casos ainda funciona o bilhetinho para os pais e alguns pais não sabem ler ou não tem tempo e interesse para ler. É como se a escola fosse um depósito de tempo para seus filho/as ficarem. Essa dicotomia que distancia a família da escola é a mesma individualização do sujeito que distancia os filhos dos pais e vice-versa. São mundos distantes e diferentes, é apartação da pós-modernidade. O contexto do pós-modernismo, digo o hoje, se caracteriza por ser plural, aberto e dinâmico, logo susceptível a questionamentos e debates, exatamente o contrário do que é a escola hoje. É como se a educação fosse uma área do conhecimento criado e alimentado por um outro mundo. O que não pode ser esquecido é que nosso mundo é simbólico; portanto essa é uma questão cultural, real, que a escola moderna não consegue trazer para si, muito menos se inserir; de modo que sou induzido à ilação de que essa escola realmente não serve. Felizmente temos profissionais que trabalham na construção de uma escola diferente. Esse é um alento utópico cuja bandeira deve ser erguida cotidianamente.
Referências
CARTAXO, Carlos. Amor invisível: artes e possibilidades narrativas. João Pessoa, Editora do CCTA, 2015.
GOODSON, Ivor F. El cambio e El currículum. Barcelona: Octaedro, 2000.
JAMESON, Frederic. Posmodernismo y sociedad de consumo. In La posmodernidad. Barcelona: Cairos, 1986.
Foto : https://www.metrowestdailynews.com/photogallery/WL/20200109/NEWS/109009978/PH/1 (Os miseráveis)
This school does not serve
Carlos Cartaxo
I was on a radio program in Parahyba to discuss the education budget in the state of Paraíba in 2017 when I was surprised, at the break, by an interviewer who criticized the school and wanted to know my opinion because it is no longer failing students students, that is, everyone passes by. He was also surprised when I answered with a question: who said the school is to fail? The school is to educate, train citizens. However, if the school is not training efficiently, it is irresponsible to blame only the student. This is one of the arguments of my doctoral thesis published in the book “Invisible love - arts and narrative possibilities”. It is a thesis on art and education that addresses the school in its breadth of contents, mainly art, and the reality of education in the postmodern context. The thesis places the school that is still modern in the postmodern context. It is a radiography that detects the material and pedagogical contradictions in which education is found and exposes its students, making it difficult, why not say, making learning unfeasible.
As an organism that must be and stay alive, the school needs to feed its professionals with constant updates. Requiring qualified training only from teachers is very little; it is necessary to do this from the management as a whole, passing through the lunch box, the cleaning and maintenance personnel to the concierge. The entire professional body must be updated annually. The school must have a mission, objectives and goals that must be planned collectively and renewed to be met annually; for this procedure to take effect, material conditions and financial resources are needed. This proposal reminds me of the musical, beautiful and exquisite, “Os miserables” by Victor Hugo that I watched in January 2020 in Massachusetts, in the United States of America, produced by the Framinham High School Drama Company. The memorable detail is that it was a high school job. The school has a top quality theater with all the technical resources of a professional theater. I left the theater very grateful to Luiz Madrid, a poet, and his wife Michelle Stavola da Costa, a teacher and school manager in Framinham, Massachusetts, who invited me to see the show. These acknowledgments are also addressed to students who compose the cast with exceptional technical quality of interpreters and singers. Citing a US artwork when it could quote a Brazilian seems like a paradox. I mention why the projects developed in Brazilian schools should have support and material and financial conditions that would boost the school in order to achieve qualitative results of excellence. We will never achieve the technical quality of a job at that level in a school that does not have material, financial and pedagogical conditions for the pleasant and motivating educational environment.
The school's architecture is another outdated component. For decades, school architecture has been designed in a geometric way like prisons. They are square, with desks arranged in rows where the student is one behind the other. In many cases, the distribution of the student is due to the cognitive and / or social development of the students. The "best" sit in the front, the messy in the back or the tallest in the back or the smallest in the front. This physical arrangement is selective and provides prejudice and discrimination. The dynamic form that nature gives us is circular. It is the shape of the earth, the fruits, the sun, the moon, our head, our organs; in short, life is outlined by curves, however, the school's architecture is square. This “curralesque” geometry differs from the logic of ocular vision, which is circular, so it is yet another paradigm that hinders the logic of the educational process. The school square is a difficult paradigm to break. It presents itself as a rule. When building a building for educational practice, both architectural and financial design are conditioned to be thought out in a square way. They are people who understand very little about education, as well as motivation. The result of this is that this school we have does not serve!
As for the curriculum, the contents are repeated based on methodologies that are also repeated. Projects are necessary for school life. Despite their existence, they are few and when they exist, they are implemented with many difficulties. In many cases with faculty resources. This tangle of unpreparedness hinders what is essential in teaching and learning: innovation. There are numerous studies on curriculum. This debate is constant and ongoing in universities, colleges, state and municipal education departments. However, the application of these theories only makes sense if there are material, financial conditions and a new contextualization of the school in the post-modern universe, otherwise: this school does not serve, it will continue without getting anywhere, that is, presenting very low rates since school dropout the Learn.
Postmodernity feeds the individualization of the subject. Consumption, as well as the aesthetics of looking only at oneself, isolates people from their surroundings and from thinking and living collectively. Therefore, we need to know this reality in order to understand and place the class difference within this debate. These subjects immersed, without authorization, in the postmodern context are the same ones that constitute the school community. This reality requires that the institution that conducts the learning debate within the class difference as if it were a chemical component that separates particles and breaks the chemical chain of the school component. Society is divided into classes; this is an irrefutable reality. This economic and social logic is yet another paradigm that needs to be viewed and broken at school. The family that is located in poverty has a different reality from that in poverty and completely different from that of the middle class that does not lack food on the table and the children go to school by car. This picture presents complex but different moral values and family conflicts. This reality reaches the school and brings with it a notorious picture of economic, educational and cultural inequality. So it is not possible to think, plan and manage the school without considering the real difference of the active subjects in teaching and learning.
The school should be the space for questions and not necessarily for answers. The school's existing communication system is retrograde. In many cases the note still works for parents and some parents do not know how to read or do not have the time and interest to read. It is as if the school is a deposit of time for your children to stay. This dichotomy that distances the family from the school is the same individualization of the subject that distances the children from the parents and vice versa. They are distant and different worlds, it is a separation from postmodernity. The context of postmodernism, I say today, is characterized by being plural, open and dynamic, therefore susceptible to questioning and debate, exactly the opposite of what school is today. It is as if education is an area of knowledge created and fed by another world. What cannot be forgotten is that our world is symbolic; therefore, this is a real cultural issue that the modern school cannot bring to itself, let alone insert itself; so I am led to the conclusion that this school does not really serve. Fortunately we have professionals who work on building a different school. This is a utopian breath whose flag must be raised daily.
References
CARTAXO, Carlos. Amor invisível: artes e possibilidades
narrativas. João Pessoa, Editora do CCTA, 2015.
GOODSON, Ivor F. El cambio e El currículum.
Barcelona: Octaedro, 2000.
JAMESON, Frederic. Posmodernismo y sociedad de
consumo. In La posmodernidad. Barcelona: Cairos, 1986.
https://www.facebook.com/fhsdramacompany/photos/?ref=page_internal
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