Estrelas poéticas brilham
Carlos Cartaxo
Este artigo
é a continuidade da postagem Estrelas poéticas, de agosto passado. Como a minha
biblioteca é uma constelação de poetas, continuo publicando poemas dos livros
não citados na postagem anterior. É a extensão do mergulho imaginário de poetas
que alimentam a fome de leitora/es. Após deleites, estes têm, consequentemente,
ânsia de encontrar nas palavras o prazer de ser e viver.
Ao publicar
o trabalho de poetas, me proponho a romper paradigmas quanto a ser leitor de
poemas. Cruzo o horizonte imaginário para fazer uma viagem que passa por
autora/es de vários mundos diferentes, com referenciais geográficos que
descrevem uma cartografia universal. São autora/es que, direta ou indiretamente,
têm uma ligação intelectual comigo, portanto fazem parte do meu acervo
bibliográfico e sentimental. São histórias de vidas expressas através da arte;
são criações que revigoram corações e mentes.
Alguns dos livros citados aqui,
sinceramente, eu não sei como vieram parar em minhas mãos, se foi aquisição, presente
ou doação; outros sei que foi através do coração. Tê-los ou lê-los me propicia
uma simbiose que não deixa de ser uma metamorfose. É um casamento entre
sensibilidade e leitura. O certo é que enriquecem minha biblioteca, me fazem
mergulhar no universo da poesia e podem ser acessíveis a quem, simbioticamente, imergir
nessa associação de seres e coisas, gente e livros, emoção e prazer,
conhecimento e sabedoria.
Livro: Jardim da infância. Autor: Águia Mendes. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 1979.
HAIKAI
O epiléptico
É um
Homem eléctrico.
Livro: Poesias completas. Autor: Casimiro de Abreu. Rio de Janeiro: Ediouro, S/D.
VIOLETA
Sempre teu lábio severo
Me chama de borboleta!
— Se eu deixo a rosa do prado
É só por ti — violeta!
Tu és formosa e modesta,
As outras são tão vaidosas!
Embora vivas na sombra
Amo-te mais do que às rosas.
A borboleta travessa
Vive de sol e de flores...
— Eu quero o sol de teus olhos,
O néctar dos teus amores!
Cativo de teu perfume
Não mais serei borboleta;
— Deixa eu dormir no teu seio,
Dá-me o teu mel — violeta!
Livro: Ecos do céu da boa. Autor: Clariça Ribeiro. Cajazeiras: Arribação, 2021.
OCUPAÇÃO
Meu corpo
É terra
Para ser ocupada.
Jamais invadida.
Deixei aqui suas bandeiras
E simbologias
Conduza assembléias por minhas tessituras
Distribua tarefas
Aprenda minhas demandas internas
E licenciosas estruturas.
De usufruto consentido
Faça dele moradia
Faça dele plantação
Tire dele seu sustento
Mate com ele a sua fome
Só não permita meu corpo-terra
Ocioso, improdutivo e sem função social.
No que depender de mim
Estão abolidas
Repressões
Truculências
Despejos
E violências.
Livro: Mosaico. Autor: Ed Porto. João Pessoa: Manufatura, 2009.
RELAÇÃO DE APARÊNCIA
Tenho
medo
de extremos:
de emos
de ogros
de extras
de faltas
de gordos
dietas
ditaduras
de esquerdas
de monarcas
de anárquicos
de Roma
de Krisna
de E.T.A.
de zona
de yoga
de droga
de igreja
degredo
de mórmons
de hereges
de segredo
de abertura
de censura
descaso
decretos
desertos
de escadas
descidas
de insosso
de sacarose
de osso
de sobras
de fácil
difícil
detento
disperso
Dispenso
tudo
que pesa
prum lado
apenas
Embora
pareça
o contrário.
Livro: Reencontro: cultivando a essência da alma. Autor: Luiz Madrid. Deerfild Beach: VlmPress, 2019.
O doce do beijo
A água na boca
Seu jeito, seu cheiro
É luz, é calor, só desejo.
Segue pelas matas do Serrano
Pelos trilhos de pedra
E os rios de diamantes
Uma força presente da natureza.
Caminhar, primeiro fica admirando
Depois, o só falar de alegria,
O riso nos olhos, o doce nos lábios
Um afago, um pequeno sufoco, uma falta de ar.
Dos morros dos cantos
Das pedras das cachoeiras
Do dia dos beijos roubados na gruta
Vejo teu corpo inteiro pelo canto dos olhos.
Do povo, das ruas e dos becos
Seguem os baianos, nasce a Dona Edite.
Das cores das casinhas e janelas, da luz amarela
Da noite, da luz da lua escondida, tudo inebria.
Dos brincos e pulseiras de couro
Da palha, do vento, do teu pensamento
Levo comigo teu corpo, e na voz de Caetano
Menino do Rio.
Os olhos se enchem de mágoa
Oh! Deus Xangô, me lave com a sua milagrosa água
Me benze, e só me deixa o bem
O bem do meu querer.
Fuja, mas não corra
Siga o seu caminho
Que as estrela te guiam
Pelas estradas e vida afora
Que as paisagens te falam
De um pequeno e simples libido
Reencontro de vida
Da estória do Pai Inácio, de um amor proibido.
Livro: cantando e contando histórias. Autor: Merlânio Maia. João Pessoa: Sal da Terra, S/D.
OBSESSÃO DIFERENTE
Quando Severo Macedo
Se apavorava de medo
Num estado terminal
Dizia ele a tremer:
— Aurora eu vou morrer
Nessa cama de hospital
— Nem pense! Dizia Aurora
Esta não é a sua hora
Tem muita vida a viver
Se a morte negociar
Eu irei no seu lugar
Pois num vivo sem você
Mas aí, dali a pouco
Severo num grito rouco
Passou desta pra melhor
E a velha a se estrebuchar
Dizia: — Não vou ficar
Aqui nesse mundo só!
E assim daí por diante
Clamava a todo instante
— “Vem Severo, meu amor
Pois eu quero te seguir
Vem, me carregar daqui
Pois é grande a minha dor”
O coitado do Macedo
Parecia até brinquedo
Na mão dessa obsessão
Que nem de casa saía
Tão triste a sofrer vivia
Nessa subjugação
Dona Aurora sem parar
Implorando para ficar
Ao lado do seu amor
Certa noite quando o chama
Vê severo ali na cama
Doente e cheio de dor
Dá um grito e sai correndo
— É o diabo que estou vendo
Te afasta, vai para trás
Eu sei dos trejeitos teus
Meu Severo está com Deus
“Vá de retro” Satanás!
Severo lhe diz: — Aurora
Não me afastei, uma hora
Você não me deixa em paz
Aurora grita: — Sai fora
Mafarro, pé-preto, espora
Vai pro inferno, Satanás!
Mas daquele dia em diante
Ela mudou-se num instante
Não fez mais evocação
E o seu Severo adorado
Só assim foi libertado
Da sua louca obsessão!
Livro: Plumagem do vento. Autor: Paulo Sérgio Vieira. João Pessoa: Editora da UFPB, 2019.
III
solo de mansinho.
poema ensaiando canto
de passarinho
maduros
caem os poemas.
pisamos fonemas
pé de poemas
cai, não cai, um haicai
preso a um fonema
poema maduro
e a inspiração se esvai.
cai, cai haicai.
sem borrões ou nódoas
a vida passa a limpo.
Novinha em folha
Livro: Varadouro. Autor: Políbio Alves. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2003.
Logradouro confins do mundo
couraça humana, espanto profundo
olhos assustados, solidão soa
apito do trem pelos trilhos à toa.
Das entranhas do interior
para os roncos dos motores
até as bandas de Cabedelo,
a chegada do trem
desdobra pesadelo.
Vagão-vagão
correndo
correndo
boca de fogo
engolindo
a terra, engolindo
boca de fogo,
caldeira fervendo
fervendo
Passageiros,
cargueiros,
cão sem dono
no seu sono.
Livro: Atos em arte. Autor: Regina Lyra. São Paulo: Scortecci Editora, 2006.
Mais tarde
Mais tarde, penso que vejo,
Imagino beijos.
Mãos fazem carícias,
Bocas dão notícias...
Na sede que me ponho,
Sinto fome dos braços
Entrelaçados
Corpo desejado, amado...
Acalma gosto da boca.
Sacia, a sede,
Corpos separados...
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