Romance A família Canuto

Romance A família Canuto
Romance A família Canuto e a Luta camponesa na Amazônia. Prêmio Jabuti de Literatura.

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Estrelas poéticas brilham

 

Estrelas poéticas brilham

 

Carlos Cartaxo

 

            Este artigo é a continuidade da postagem Estrelas poéticas, de agosto passado. Como a minha biblioteca é uma constelação de poetas, continuo publicando poemas dos livros não citados na postagem anterior. É a extensão do mergulho imaginário de poetas que alimentam a fome de leitora/es. Após deleites, estes têm, consequentemente, ânsia de encontrar nas palavras o prazer de ser e viver.

            Ao publicar o trabalho de poetas, me proponho a romper paradigmas quanto a ser leitor de poemas. Cruzo o horizonte imaginário para fazer uma viagem que passa por autora/es de vários mundos diferentes, com referenciais geográficos que descrevem uma cartografia universal. São autora/es que, direta ou indiretamente, têm uma ligação intelectual comigo, portanto fazem parte do meu acervo bibliográfico e sentimental. São histórias de vidas expressas através da arte; são criações que revigoram corações e mentes.

Alguns dos livros citados aqui, sinceramente, eu não sei como vieram parar em minhas mãos, se foi aquisição, presente ou doação; outros sei que foi através do coração. Tê-los ou lê-los me propicia uma simbiose que não deixa de ser uma metamorfose. É um casamento entre sensibilidade e leitura. O certo é que enriquecem minha biblioteca, me fazem mergulhar no universo da poesia e podem ser acessíveis a quem, simbioticamente, imergir nessa associação de seres e coisas, gente e livros, emoção e prazer, conhecimento e sabedoria.

 

Livro: Jardim da infância. Autor: Águia Mendes. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 1979.

 

HAIKAI

O epiléptico

               É um

Homem eléctrico.

 

Livro: Poesias completas. Autor: Casimiro de Abreu. Rio de Janeiro: Ediouro, S/D.

 

VIOLETA

Sempre teu lábio severo

Me chama de borboleta!

Se eu deixo a rosa do prado

É só por ti — violeta!

 

Tu és formosa e modesta,

As outras são tão vaidosas!

Embora vivas na sombra

Amo-te mais do que às rosas.

 

A borboleta travessa

Vive de sol e de flores...

— Eu quero o sol de teus olhos,

O néctar dos teus amores!

 

Cativo de teu perfume

Não mais serei borboleta;

— Deixa eu dormir no teu seio,

Dá-me o teu mel — violeta!

 

Livro: Ecos do céu da boa. Autor: Clariça Ribeiro. Cajazeiras: Arribação, 2021.

 

OCUPAÇÃO

Meu corpo

É terra

Para ser ocupada.

Jamais invadida.

 

Deixei aqui suas bandeiras

E simbologias

Conduza assembléias por minhas tessituras

Distribua tarefas

Aprenda minhas demandas internas

E licenciosas estruturas.

 

De usufruto consentido

Faça dele moradia

Faça dele plantação

Tire dele seu sustento

Mate com ele a sua fome

Só não permita meu corpo-terra

Ocioso, improdutivo e sem função social.

 

No que depender de mim

Estão abolidas

Repressões

Truculências

Despejos

E violências.



 

Livro: Mosaico. Autor: Ed Porto. João Pessoa: Manufatura, 2009.

 

RELAÇÃO DE APARÊNCIA

Tenho

medo

de extremos:

 

de emos

de ogros

 

de extras

de faltas

 

de gordos

dietas

 

ditaduras

de esquerdas

 

de monarcas

de anárquicos

 

de Roma

de Krisna

 

de E.T.A.

de zona

 

de yoga

de droga

 

de igreja

degredo

 

de mórmons

de hereges

 

de segredo

de abertura

 

de censura

descaso

 

decretos

desertos

 

de escadas

descidas

 

de insosso

de sacarose

 

de osso

de sobras

 

de fácil

difícil

 

detento

disperso

 

Dispenso

tudo

que pesa

prum lado

apenas

 

Embora

pareça

o contrário.

 

Livro: Reencontro: cultivando a essência da alma. Autor: Luiz Madrid. Deerfild Beach: VlmPress, 2019.

 

O doce do beijo

A água na boca

Seu jeito, seu cheiro

É luz, é calor, só desejo.

Segue pelas matas do Serrano

Pelos trilhos de pedra

E os rios de diamantes

Uma força presente da natureza.

Caminhar, primeiro fica admirando

Depois, o só falar de alegria,

O riso nos olhos, o doce nos lábios

Um afago, um pequeno sufoco, uma falta de ar.

Dos morros dos cantos

Das pedras das cachoeiras

Do dia dos beijos roubados na gruta

Vejo teu corpo inteiro pelo canto dos olhos.

Do povo, das ruas e dos becos

Seguem os baianos, nasce a Dona Edite.

Das cores das casinhas e janelas, da luz amarela

Da noite, da luz da lua escondida, tudo inebria.

Dos brincos e pulseiras de couro

Da palha, do vento, do teu pensamento

Levo comigo teu corpo, e na voz de Caetano

Menino do Rio.

Os olhos se enchem de mágoa

Oh! Deus Xangô, me lave com a sua milagrosa água

Me benze, e só me deixa o bem

O bem do meu querer.

Fuja, mas não corra

Siga o seu caminho

Que as estrela te guiam

Pelas estradas e vida afora

Que as paisagens te falam

De um pequeno e simples libido

Reencontro de vida

Da estória do Pai Inácio, de um amor proibido.

 

Livro: cantando e contando histórias. Autor: Merlânio Maia. João Pessoa: Sal da Terra, S/D.

 

OBSESSÃO DIFERENTE

Quando Severo Macedo

Se apavorava de medo

Num estado terminal

Dizia ele a tremer:

Aurora eu vou morrer

Nessa cama de hospital

 

Nem pense! Dizia Aurora

Esta não é a sua hora

Tem muita vida a viver

Se a morte negociar

Eu irei no seu lugar

Pois num vivo sem você

 

Mas aí, dali a pouco

Severo num grito rouco

Passou desta pra melhor

E a velha a se estrebuchar

Dizia: — Não vou ficar

Aqui nesse mundo só!

 

E assim daí por diante

Clamava a todo instante

— “Vem Severo, meu amor

Pois eu quero te seguir

Vem, me carregar daqui

Pois é grande a minha dor”

 

O coitado do Macedo

Parecia até brinquedo

Na mão dessa obsessão

Que nem de casa saía

Tão triste a sofrer vivia

Nessa subjugação

 

Dona Aurora sem parar

Implorando para ficar

Ao lado do seu amor

Certa noite quando o chama

Vê severo ali na cama

Doente e cheio de dor

 

Dá um grito e sai correndo

— É o diabo que estou vendo

Te afasta, vai para trás

Eu sei dos trejeitos teus

Meu Severo está com Deus

“Vá de retro” Satanás!

 

Severo lhe diz: — Aurora

Não me afastei, uma hora

Você não me deixa em paz

Aurora grita: — Sai fora

Mafarro, pé-preto, espora

Vai pro inferno, Satanás!

 

Mas daquele dia em diante

Ela mudou-se num instante

Não fez mais evocação

E o seu Severo adorado

Só assim foi libertado

Da sua louca obsessão!

 

Livro: Plumagem do vento. Autor: Paulo Sérgio Vieira. João Pessoa: Editora da UFPB, 2019.

 

III

solo de mansinho.

poema ensaiando canto

de passarinho

 

maduros

caem os poemas.

pisamos fonemas

 

pé de poemas

cai, não cai, um haicai

preso a um fonema

 

poema maduro

e a inspiração se esvai.

cai, cai haicai.

 

sem borrões ou nódoas

 

a vida passa a limpo.

Novinha em folha

 

Livro: Varadouro. Autor: Políbio Alves. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2003.

 

Logradouro confins do mundo

couraça humana, espanto profundo

olhos assustados, solidão soa

apito do trem pelos trilhos à toa.

 

Das entranhas do interior

para os roncos dos motores

até as bandas de Cabedelo,

               a chegada do trem

               desdobra pesadelo.

 

               Vagão-vagão

                              correndo

                              correndo

               boca de fogo

                              engolindo

 

               a terra, engolindo

 

               boca de fogo,

caldeira fervendo

               fervendo

 

Passageiros,

cargueiros,

cão sem dono

no seu sono.

 

Livro: Atos em arte. Autor: Regina Lyra. São Paulo: Scortecci Editora, 2006.

 

Mais tarde

Mais tarde, penso que vejo,

Imagino beijos.

Mãos fazem carícias,

Bocas dão notícias...


Na sede que me ponho,

Sinto fome dos braços

Entrelaçados

Corpo desejado, amado...

 

Acalma gosto da boca.

Sacia, a sede,

Corpos separados...

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