Cultura e formação ideológica
Carlos Cartaxo
A infância é a fase em que somos apresentados à cultura através das descobertas que os sentidos possibilitam; das descobertas culturais chegamos à arte como forma de perceber, compreender e sentir o mundo que nos rodeia (CARTAXO, 2001). Quando tive as primeiras experiências com arte, foi como espectador de circo, de mamulengos e, posteriormente, com um curso de iniciação teatral em Picuí, Paraíba, ministrado pelo saudoso e talentoso ator paraibano Marcos Ramalho. Na primeira infância, ainda em Picuí, fui apresentado à cultura popular; tive a oportunidade de assistir à pastoril e argolinha. O primeiro folguedo, também é conhecido por lapinha, é um espetáculo popular cênica, composto por dança, música, teatro e ópera; aqui se entenda ópera como representação de canto popular. O segundo, chamada em outras regiões do Brasil de Cavalhada, é uma competição simbólica entre cavaleiros mouros e cristãos. Essas expressões populares foram determinantes na minha formação estética e cultural.
Na adolescência, já em João Pessoa, tive a primeira experiência com o grupo de teatro MUEIC, onde iniciei como ator no espetáculo infantil “T de Terra e B de Brasil” de autoria de Antônio Gomes e direção de Marcos Pequeno; logo em seguida participei do espetáculo “O Muro” com texto e direção de Francisco Medeiros. A partir daí comecei a estudar teatro; ler sobre o assunto como um alimento cotidiano. Anos depois foi que associei o espetáculo O Muro a música The Wall do grupo musical Pink Floyd. O texto de Antônio Gomes me fez mergulhar no teatro infantil; o de Francisco Medeiros me introduziu na leitura crítica do mundo. Os dois espetáculos passaram pelo crivo da censura prévia, instituída pelo governo militar. Havia um ritual obrigatório: antes da estréia o espetáculo tinha que ser apresentado para o censor da Polícia Federal, onde de forma arbitrária, ele cortava cenas ou proibia o espetáculo no todo. Quando o espetáculo era liberado, o grupo sempre comemorava a façanha. Era década de setenta do século XX, o Brasil vivia uma ditadura militar desde 1964 com perseguições, censura e todos os ingredientes que o autoritarismo impõe à sociedade. O movimento artístico, assim como boa parte da sociedade, agia com resistência e contestação as arbitrariedades do regime golpista. Nesse período, já na universidade, me tornei um leitor voraz e tive a grata oportunidade de conhecer a obra do dramaturgo alemão Bertolt Brecht, o que fortaleceu minha formação política.
Entrei na UFPB — Universidade Federal da Paraíba, em 1978, no curso de Engenharia Mecânica. Como garoto pobre, tinha que fazer um curso garantisse uma ascensão social. Em seguida fiz o mestrado em Engenharia de Produção. Em paralelo continuei fazendo teatro, o que me conduziu a fazer o curso de Educação Artística, onde encontrei um caminho profissional mais prazeroso. A engenharia fortaleceu minha visão de futuro e o exercício do planejamento, o que contribuiu para minhas atividades de direção e produção teatral. Nesses anos de universidade li muito, estudei sete dias por semana, o que abriu minha visão de mundo e a formação crítica e analítica sobre a sociedade.
Como o tempo não pára, anos depois, já no século XXI, reunimos a turma de aspirantes a engenheiros mecânicos de 1978 e, agora engenheiros bem sucedidos, foi criado um grupo no WhatsApp. A redemocratização do Brasil era fato histórico e o país avançou em vários aspectos, inclusive chegou, com o governo do PT, a ser a sexta economia do mundo. Em 2016 foi dado o golpe branco, parlamento, no governo do PT, afastando Dilma da presidência da República. Uma divisão ideológica transformou o grupo 781 do WhatsApp em um palanque dividido entre direita e esquerda. Debates fervorosos foram travados como o azul e encarnado da lapinha e os cristãos e mouros da cavalhada.
Essa dicotomia ideológica só existe em sociedades democráticas que respeitam as diferenças e a pluralidade de ideias. Com esse raciocínio sobre democracia embasado nos conceitos de verdade e transparência, cito que em certo momento dos debates um colega engenheiro, oriundo da faculdade de Engenharia da UFPB, publicou no grupo citado no WhatsApp da nossa turma, a seguinte matéria:
— Se vocês acham que o PT não roubou, que Cuba e Venezuela são democracias, que invadir e queimar patrimônio de terceiros é correto, que fazer das estatais apêndices de empregos para desocupados, que não se deve pagar compromissos, que as economias mundiais burlem as regras de mercado, que não foi necessário a reforma da previdência, que podemos difamar o país lá fora, que as privatizações não são necessárias, então vamos ficar brincando apenas de mostrar mulheres nuas para seis ou sete machos.
A partir da minha formação cultural e ideológica, fui obrigado a responder com a seguinte argumentação:
— Desculpe-me por ratificar o que considero ser equívocos:
1) O sistema eleitoral de Cuba é semelhante ao dos EUA, quem elege o presidente são delegados e não o voto direto;
2) Cuba nunca fez mal algum, nem ameaçou os EUA. Já os EUA determinaram um embargo econômico a Cuba que perdura por 60 anos;
3) Não há uma única criança morando na rua, sem escola ou sem comida em Cuba. Nos EUA, assim como no Brasil, há;
4) Quem invade e queima o patrimônio de terceiros e da nação, portanto dos brasileiros, são grileiros, capangas, fazendeiros e milicianos, protegidos por vocês da direita;
5) O ingresso de profissionais nas Estatais é através de concurso público, portanto, profissionais competentes; é tanto que essas empresas dão tanto lucro. Todavia alguns cargos comissionados, a que você se refere, foram criados pela ditadura militar e até hoje são ocupados pela direita e por milicos;
6) A reforma da Previdência foi apenas para "enforcar" os trabalhadores. Os empresários pequenos, médios e grandes, continuam sonegando impostos e devendo a Previdência: de grandes redes de comunicação à clubes de futebol;
7) A ironia sobre imagens de mulheres nuas não merece comentários porque é uma crítica que procede, por conseguinte cada um tire suas conclusões.
Continuei a resposta afirmando que:
— Atacar o PT de roubo é um ato leviano. Dizer que nos quadros do PT tem oportunistas é um fato porque as contradições fazem parte do ser humano e das organizações. Mas os resultados positivos dos governos do PT se sobrepõe em muito aos erros. Vocês empresários nunca ganharam tanto dinheiro e foram cobrados à responsabilidade como nos governos do PT; basta dizer que o Brasil chegou a ser a 6° economia do mundo; que a educação gratuita e de qualidade, a qual todos nós aqui fomos beneficiados, recebeu os maiores investimentos da história; que Lula tirou 30 milhões de brasileiros da categoria de miseráveis (fonte ONU).
Enfim, o Brasil há de voltar ao cenário mundial como um país democrático em que NÃO há lugar para mentiras (fake news), rachadinhas, enriquecimentos ilícitos, orçamentos secretos e violência explica propagada por seus dirigentes.
Esse diálogo citado, e aqui publicado, só é possível porque estamos sob a égide da democracia. Torná-lo público é importante e necessário porque devemos ter a responsabilidade de fortalecer a liberdade de expressão e o livre direito constitucional de ir e vir defendo as ideias em que acreditamos. Nesse sentido a formação cultura e a ideológica são vetores educativos essenciais para uma sociedade evoluída que se propõe a zelar pela vida em toda sua plenitude.
Referências:
Cartaxo, Carlos. O Ensino das Artes Cênicas na Escola Fundamental e Média. João Pessoa. Ed. do autor, 2001.
SÉRIO, Mário. Sobre Brecht. Lisboa: Ulmeiro, 1976.
WINZER, Klaus-Dieter. Berliner Ensemble 35 anos – Um trabalho teatral em defesa da paz. São Paulo: Hucitec, 1984.
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