Romance A família Canuto

Romance A família Canuto
Romance A família Canuto e a Luta camponesa na Amazônia. Prêmio Jabuti de Literatura.

quinta-feira, 2 de março de 2023

Amazônia meu amor

Amazônia meu amor

 Carlos Cartaxo

Há coisas na vida que deveriam ser registradas, se possível, através de escritas para ficarem para a eternidade; talvez em livros, inclusive, cada livro com muitos capítulos; deveriam ser documentadas em audiovisuais e visitadas; no caso da Amazônia em especial, essa vivência deveria ser experienciada por todo mundo, para se entender e comprovar a beleza representada pela natureza, que é a vida! A Amazônia é um desses universos encantadores; um mundo repleto de seres vivos que pertencem a outro mundo, na caso o planeta terra; é uma dádiva que está ao nosso alcance, à percepção da nossa vista e a acuidade do nosso desfrute. Viver a Amazônia é trazer para si um redemoinho de sensações, um turbilhão de emoções que alimenta a alma e a matéria.

Iniciar um artigo com elogios talvez não seja a melhor metodologia para escrever; contudo, é necessário ser transparente quantos aos sentimentos quando se fala da natureza e do encantamento de uma grande floresta. É difícil descrever o prazer de um banho em um igarapé. A primeira vez que desfrutei do mergulho em um igarapé em Belém, Pará, foi um capítulo com mais uma lição que introduziu meu amor pela Amazônia. A água limpa e fria, deslizava massageando o corpo sem pedir licença; em um ambiente cercado por árvores que ornavam o lugar com um verde, cujas matizes são colírio para a vista cansada de tanto ler o mundo cruel.

Eu tinha dificuldade de entender, na infância, o porquê do meu interesse em conhecer parte do planeta. O exterior, suas diferenças e suas culturas sempre me fascinaram. De repente, não mais que de repente, em 1989, minha mãe, dona Lindalva, conseguiu um emprego para mim, como engenheiro no grupo empresarial Marcos Marcelino, de um paraibano, em Belém do Pará; momento em que a janela da Amazônia se abriu para mim. Algumas surpresas me chegaram inesperadamente, dentre elas, a de que muitos nordestinos migraram para a Amazônia e passaram a viver naquele universo verde. Encontrei tantos conterrâneos paraibanos e nordestinos, de modo geral, que me senti em casa. Após dois anos trabalhando em empresas privadas, fiz concurso, em Belém, para a saudosa Universidade Federal do Pará - UFPA, passei na seleção e lá fui trabalhar. Através dos projetos de interiorização tive a oportunidade de ministrar cursos no interior do estado, ensinar e aprender com os paraenses e, naturalmente, com o povo da Amazônia brasileira. Como resultado dessa imersão, a cultura amazônida adentrou meu ser e me tocou profundamente; seja na gastronomia, nas artes, no vocabulário, na gentileza, na geografia, na história dos nativos, na fauna e na flora. 

Em Belém conheci a saga da família Canuto; motivado pela trágica história dessa família escrevi o romance: “A família Canuto e a luta camponesa na Amazônia”, agraciado com o Prêmio Jabuti de Literatura; como quase todos os envolvidos nesse caso foram assassinados, inclusive dois deputados, eu fui transferido pelo Ministério da Justiça da UFPA para a UFPB. A Amazônia poderia ter ficado para trás; mas veio dentro do meu coração e, mesmo distante, eu fiquei dentro dela porque meu coração também é verde e faz circular água límpida dos igarapés por minha memória. 


Nesse período que morei em Belém tive a oportunidade de conhecer Rio Branco, no Acre, que tinha uma população em torno de 196 mil habitantes. O tempo voou e chegamos a 2023; pela segunda vez retornei a Rio Branco, hoje com população em torno de 420 mil habitantes. Em 30 anos muita coisa mudou; como era de se esperar, a cidade mudou consideravelmente e, felizmente, a cultura permaneceu forte, exuberante, representativa e agradável. Sempre adotei o princípio de conhecer os mercados públicos nas cidades que visito porque é lá que a vida pulsa. Pois bem, assim o fiz em Rio Branco e fui comer uma rabada no tucupi nas proximidades do Mercado Municipal Elias Mansour e um tacacá na feira gastronômica do Mercado Velho. A nostalgia foi arrebatada pela alegria conduzida pelo sentimento de que a cultura amazônida está muito viva dentro de mim. Meu ser lírico voltou mais poético e consciente de que a Amazônia é a morada de todas as pessoas que amam a natureza e, por conseguinte, a vida. Eu confesso que retornei de Rio Branco com o sentimento de que o  amor voltou mais forte dentro de mim.


Capivaras no Campus da UFAC, Rio Branco, AC.
 

O povo brasileiro conhece pouco a Amazônia; conhece o folclore narrado pela ótica do branco colonizador; contudo, a cultura e a história faltam muito o que conhecer.  Conhecemos pouco sobre a Cabanagem, revolta popular desencadeada na Província Do Grão-Pará, cuja cidade principal era Belém, região considerada a porta da Amazônia.  Esse evento aconteceu na primeira metade do século XIX, exatamente de 1835 a 1840. O que a gerou foi uma grande crise econômica com graves reflexos sociais que afetou aquela localidade, período em que o Brasil imperial estava sob uma administração regencial, ou seja, Dom Pedro I abdicou do trono e Dom Pedro II, seu sucessor, era menor idade, por conseguinte, à luz da lei, o Brasil passou a ser governado por regentes. A cabanagem foi uma revolta violenta liderada por índios, pretos e caboclos, sofrido povo pobre da região. Esse movimento revolucionário popular foi sumariamente dizimado pelas tropas da regência. Além da Cabanagem, conhecemos muito pouco sobre a Revolução Acreana. Na visita ao Palácio Rio Branco, onde se encontram imagens sobre o Acre e sua revolução, encontrei uma trilha imagética sobre o conflito que resultou na Revolução e consolidação do estado do Acre. Foi uma pugna econômica sobre o comércio da borracha, o que resultou em prélio entre Bolívia e Brasil, em pleno período da Primeira República Brasileira. A minha recente estadia em Rio Branco fortaleceu a convicção de que a Cabanagem e a Revolução Acreana são  parte da nossa história que conhecemos muito pouco; por esse motivo precisa ser estudada e divulgada. A história da Amazônia nos ensina que o brasileiro é resistente e combatente em defesa do nosso território e dos nossos direitos.

Mesmo com todo encantamento da Amazônia, há quem defenda o desmatamento e a destruição dos rios, inclusive, com poluição de mercúrio, além do desmantelamento recente realizado na FUNAI, no IBAMA e a transformação do Ministério do Meio-Ambiente em ancoradouro do tráfico de madeira. O falso messias, também conhecido como genocida, anistiou criminosos ambientais e apoiou procedimentos ilegais de grilagem em terras públicas, mineração ilegal, tráfico de ouro  e genocídio contra os indígenas Yanomami e demais povos nativos entre outras regiões do país.

 


É hora de fortalecermos a luta em defesa do meio-ambiente, no mundo inteiro, inclusive contextualizando-a na condição pós-moderna em que estamos vivendo. O atual governo, democraticamente eleito para o Brasil, é um fio condutor que pode viabilizar a continuidade da defesa da Amazônia e dos povos nativos. Por isso, minha volta recente à Amazônia, mais especificamente ao Acre, me estimulou a escrever sobre esse tema tão nobre e reacendeu, em mim, o amor pela região, sua cultura e seu povo.  

Meu compromisso com o meio-ambiente é antigo e está registrado na minha literatura. O meu livro "Teatro de Atitudes" tornou público os textos teatrais “O Espigão Gaiato” e "O Tico-tico Cantador". O primeiro foi escrito para uma montagem do gênero teatro de rua, em Parahyba, e teve o papel de provocar “os meios de comunicação e a sociedade em geral que, por conseguinte, pressionou a Assembleia Legislativo a tomar uma atitude determinante, no caso, a aprovação de um artigo na Constituição Estadual que proíbe a construção de edifícios com mais de quatro andares, gabarito de 32 metros de altura, a menos de 500 metros da praia” quando da maré alta, ou seja, maré de sizígia. Esse artigo constitucional, evidentemente, vale para todo o litoral paraibano; todavia, interesses econômicos modificaram e agora está restrito a 150 metros. Já O Tico-tico Cantador, texto teatral para crianças e adolescentes, eventualmente para adultos, “conduz, ludicamente, o público, independentemente de faixa etária, a atitude sensível e inteligente de coibir a prisão e a caça de passarinhos”. Associar o teatro e a literatura ao meio-ambiente é uma ação natural que trago comigo, seja nas minhas intervenções educativas, políticas, sociais ou artísticas.


A imersão no universo amazônida me tem feito um ser humano melhor; um intelectual em equilíbrio com seu entorno, que morou na Amazônia e a traz pulsante no peito. Sempre que lembro da gastronomia minha boca saliva espontaneamente; o cheiro das ervas limpa da alma aos poros; a simplicidade do povo nativo me faz rever meu ímpeto consumista; as pesquisas desenvolvidas na região enaltecem meu credo na ciência e minha identidade científica. No fundo, sou grato por ter a nacionalidade em que está a maior parte geográfica da Amazônia; sou grato por ter morado na Amazônia e ter conhecido e me convencido de que precisamos continuar a lutar para mantê-la livre das mazelas do consumismo e da ganância devastadora do capitalismo. A gratidão me faz bradar em alto e bom som: Amazônia meu amor.


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