Prêmios literários e seus dissabores
Carlos Cartaxo
Falar de prêmios literários é falar de política cultural. É redundante escrever sobre política cultural e suas implicações positivas no seio de uma sociedade; assim como é pleonástico enfatizar a importância de uma política cultural virtuosa para o movimento artístico e, em especial, para o/as artistas. Os conceitos existentes sobre política cultural variam de acordo com a abordagem e com o referencial teórico de quem fundamenta; contudo. cito aqui o artigo Mais definições em trânsito: política cultural, quando afirma que “Políticas culturais são formulações e/ou propostas desenvolvidas pela administração pública, organizações não-governamentais e empresas privadas, com o objetivo de promover intervenções na sociedade através da cultura” (Félix e Fernandes, Cult, s/d) porque representa bem o que tratado aqui nesse artigo.
Nas duas primeiras décadas do século XXI, o movimento cultural brasileiro teve um grande impulso com a gestão democrática do Ministério da Cultura nos dois primeiros governos Lula, PT, e no governo Dilma, PT. As leis de incentivo à cultura foram determinantes para a produção e a veiculação do que se produzia na área artística e cultural; ao mesmo tempo que impulsionou o trabalho de organizações não governamentais, empresas e produtores individuais .
O ato de criar é parte essencial da condição humana. Há teorias em várias áreas do conhecimento quanto ao papel do ser criador na sociedade. Um bom parâmetro para se majorar a produção criativa em uma sociedade é identificar o estímulo que gestores e o conjunto da sociedade dão ao processo criativo e ao criador porque daí surgem criaturas com conhecimento, sensibilidade, respeito ao próximo e visão plural do mundo e, principalmente, do seu entorno.
Apesar de ser a terra de Camões, Fernando Pessoa e Saramago, dentre muitos criadores significativos da literatura, me reporto aqui não só aos criadores, mas, a política cultural gerida que faz de Portugal um país expressivo no mundo da arte e, particularmente, na literatura. Por exemplo: vejamos alguns editais de 2023 publicados por lá.
O Prêmio Literário Joaquim Mestre, promovido pela ASSESTA - Associação de Escritores do Alentejo, que premia o vencedor com € 3.000,00 (três mil euros); algo em torno de R$ 16.000,00 (dezesseis mil reais).
Prêmio Literário Alves Redol, 9° edição,promovido pela Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, nas modalidades literárias de conto e romance. O prêmio para contos é de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), algo em torno de, R$ 14.000,00 (quatorze mil reais).
Prêmio Literário Luís Miguel Rocha, 3° edição, da Câmara Municipal de Viana do Castelo. O prêmio será de € 6.000,00 (seis mil euros), aproximadamente R$ 33.000,00 (trinta e três mil reais).
Prêmio Res Pública, da Fundação Res Publica, 5° edição,cujo tema este ano é “Políticas Públicas num futuro e num contexto de Alterações Climáticas”, tem o valor de um valor de € 2.500 (dois mil e quinhentos euros), aproximadamente R$ 14.000,00 (quatorze mil reais)e € 1.500 (um mil e quinhentos euros), em torno de R$ 8.000,00 (oito mil reais), a atribuir ao autor ou autores dos ensaios vencedores do primeiro e segundo prêmios, respetivamente, e um valor de € 1.000, em torno de R$ 5.500,00 (cinco mil e quinhentos reais), a atribuir ao autor vencedor do Prêmio Jovem (para autores nascidos depois de 2002).
Prêmio Literário Santos Stockler do Município de Lagoa. O prêmio será de € 10.000,00 (dez mil euros), em torno de R$ 55.000,00 (cinquenta e cinco mil reais).
Esses prêmios citados são apenas uma pequena fração dos prêmios que são publicados em Portugal com o fim de valorizar a língua portuguesa, promover e enaltecer a identidade daquele povo, assim como a diversidade sócio cultural dos leitores e dos artistas; ao mesmo tempo, estimular a criação literária, a propensão pela escrita e, naturalmente, pela leitura, desencadeando um potencial universo de apreciadores culturais.
Voltando para casa; sentado à poeira da aridez, mesmo no verdejante inverno do sertão e se deliciando com a brisa do mar, vejo na Paraíba um panorama frágil e ineficiente quanto a política cultural no que concerne ao estímulo aos criadores e ao fomento aos leitores e apreciadores. Um estado que tem uma lista enorme de significativos artistas e uma produção cultural de projeção internacional, tem uma política cultural pífia. Para não dizerem que falo demais, vejam, por exemplo, o edital 008/2023, Prêmio Literário José Lins do Rego, do Governo do Estado da Paraíba, através da FUNESC - Fundação Espaço Cultural, e façam um paralelo com os editais de pequenas cidades de Portugal; vemos que no caso da Paraíba é um atentado ao criador da literatura paraibana. Os valores dos prêmios em Portugal humilham a premiação inexistente do concurso paraibano. Aqui o Edital reza que:
4 DA PREMIAÇÃO
4.1 No total, serão selecionadas para publicação em livro com os selos Edições Funesc e
Editora A União, 5 (cinco) obras, uma em cada categoria, conforme especificado a seguir:
4.1.1 Coleção Riacho Doce: Romance (1);
4.1.2 Coleção Gordos e Magros: Conto(1) e Crônica (1);
4.1.3 Coleção Pureza: Poesia (1);
4.1.4 Coleção Velha Totônia: Infantojuvenil (1);
4.2 As 5 (cinco) obras classificadas no PRÊMIO LITERÁRIO JOSÉ LINS DO REGO serão, após seleção pela FUNESC, editoradas e impressas na Gráfica A União.
4.3 Serão impressos 400 (quatrocentos) livros de cada categoria, no total de 2.000 (dois mil)
exemplares. Os candidatos (as) premiados (as) terão direito, cada um, a uma cota de 50
(cinquenta) exemplares de suas respectivas obras, a título de direitos autorais em forma
de produto, ficando a FUNESC e a Editora A União isentas de posterior pagamento por
direitos desta natureza.
4.4 O saldo remanescente de 1.750 (mil setecentos e cinquenta) exemplares dos cinco
títulos premiados serão de responsabilidade distributiva da FUNESC, através da
Biblioteca Pública Juarez da Gama Batista e da EPC, que dividirão o saldo de livros entre
si, na proporção de 150 (cento e cinquenta) exemplares de cada categoria para FUNESC
e 200 (duzentos) exemplares de cada categoria para EPC, a esta para fins de
comercialização.
A obra do autor premiado será publicada com 400 livros, ficando para o autor, como pagamento dos direitos autorais, 50 volumes, pouco mais de dez por cento; vejam que proporção é desleal para aquele que é o criador da obra. E tem mais, os direitos autorais ficam para os editores por cinco anos. E a premiação em dinheiro? Inexiste! Sério? Parece não ser sério; mas, é apenas absurdo! Sendo assim, entendo esse edital, da mesma forma a política cultural do estado da Paraíba, como sendo a usurpação da criatividade e do trabalho do autor.
Será que o trabalho de cinco anos de um autor merece o valor de uma, duas ou três diárias de um secretário de estado? Não, não vale é muito pouco! Dez dias de diárias do trabalho de um, jamais valerá cinco anos do trabalho do outro? É claro que essa analogia não cai bem. O trabalho de um secretário pode ser realizado por qualquer outro secretário; e o trabalho do escritor? Será que se meu computador quebrar e eu perder o capítulo de um livro, posso passar essa responsabilidade para outra pessoa reescrevê-lo? Alguém pode até tentar, mas jamais o fará mesmo! Então, a questão não é de comparação de ganhos, mas, de desvalorização, negação e não reconhecimento do trabalho do outro; é negar a grandeza que compõe o processo de criação; da elaboração de cenas e a complexidade de construção de um enredo, de uma ou várias personagens.
Contudo, não cabe aqui a teoria da queixa; mas, da crítica caee, sim. Cabe criticar a política cultural do Governo do Estado da Paraíba, da política cultural dos municípios e dos artistas que silenciam como se essa debilidade de gestão pública fosse normal e aceitável. É fato que o advento da pós-modernidade isolou os sujeitos; que nos olhamos mais no espelho do que no entorno social; que pensar no pŕoximo, por conseguinte, no coletivo é utopia; e que utopia era concepção da luta para derrubar a ditadura. Diante desse quadro faço um exercício hercúleo para não acreditar no que acabei de escrever; por isso, conclamo os criadores, leitores e apaixonados pela arte e cultura, para se posicionarem e exigirem uma política cultural do Governo do Estado da Paraíba e dos municípios que seja condizente com o que a sociedade paraibana necessita e merece, no que diz respeito a arte, a cultura, ao entretenimento e a socialização do saber.
Referências
https://www.cult.ufba.br/maisdefinicoes/POLITICACULTURAL.pdf Consultado em 31/08/2023 às 11h10.
https://culturaemercado.com.br/os-oito-anos-do-governo-lula-e-os-pontos-de-cultura/ Consultado em 31/08/2023 às 14h30.
http://livro.dglab.gov.pt/sites/DGLB/Portugues/premios/PremiosaDecorrer/Paginas/PremiosaConcurso.aspx Consultado em 31/08/2023 às 18h30.
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