Romance A família Canuto

Romance A família Canuto
Romance A família Canuto e a Luta camponesa na Amazônia. Prêmio Jabuti de Literatura.

quarta-feira, 10 de abril de 2024

O museu de volta para o futuro

                                                        O museu de volta para o futuro


Carlos Cartaxo


A atividade acadêmica de doutoramento é um patamar difícil que exige muita energia e recursos financeiros; mas, necessário na formação de um professor pesquisador. Pois bem, como profissional da educação, a pós-graduação foi uma das metas no meu projeto de vida. O meu doutorado foi na Escola de Belas Artes da Universidade de Barcelona - UB, Espanha. Para cursá-lo tive algumas dificuldades, por exemplo, a UB é pública, porém, paga, o que exigiu recursos extras porque cursei o doutorado sem bolsa de estudo. Outra dificuldade foi o fato do idioma da UB ser o catalão. Em vários momentos precisei me comunicar em catalão; outras em espanhol; outras em inglês. As atividades curriculares também exigiam leituras em vários idiomas que eu não tinha domínio. Os obstáculos foram muitos, o que exigiu muito esforço para a produção de artigos; e o resultado foi a produção de um romance como tese e o sucesso do doutoramento con laude acadêmica.

 

Museu de Arte Contemporânea de Barcelona. Foto: Carlos Cartaxo


Dentre os artigos gerados no processo de trabalho, no doutorado, há um que merece um debate permanente; me refiro ao artigo “O museu de volta para o futuro” publicado na revista Conceitos. Embora o ideal seja ler o artigo por completo, Abaixo transcrevo fragmentos dessa escrita para reavivar a importância de uma política cultural comprometida com a arte, a ciência e a história.

“A minha primeira ida a um museu foi na infância. Conheci o “meu” primeiro museu na cidade de Picuí no Seridó paraibano. Infelizmente esse museu já não existe mais, porém lembro perfeitamente a fachada do prédio e as peças do acervo. Tendo essa boa recordação como parte do panorama formador da minha cultura e, certamente, de muitas outras pessoas, me pergunto por que será que esse museu foi fechado? Como consequência de uma possível resposta, surge outra questão: por que os museus paraibanos são tão pouco frequentados? 

Diante dessas dúvidas me surge uma proposta, aparentemente absurda, que beira ao surrealismo, mas que deveria ser comum, por exemplo, convidarmos alguém para visitar, passear ou até namorar em um museu, já que este é um espaço que suscita reflexões, comentários, discussões e admiração. Essa visão nostálgica me faz ver o museu como um lugar de encontros e despedidas. Encontro porque lá se encontra o passado e, em alguns, o presente. Despedida porque de lá podemos sair para o futuro.

João Pessoa por ser uma cidade com um pouco mais de quatro séculos, tem história que comporta um museu etnográfico, um museu sacro, um museu de arte contemporânea, um museu de arte popular, um museu da criança, um museu da música, um museu de artes cênicas, enfim, diferentes tipos de museus que podem e devem traduzir a trajetória social, política e cultural do/as paraibano/as e das pessoas que aqui fizeram e fazem história. Não obstante essa condição favorável, como se explica a terceira cidade mais antiga do Brasil não ter um museu? Vou mais longe, não ter uma política cultural, concreta e eficaz, voltada para o seu patrimônio histórico?

Contrariamente a essa realidade, em muitas das grandes cidades do mundo, parte do turismo se sustenta em função dos museus que lá existem. Esses museus não são armazéns que estocam objetos. A sua essência não está nas peças existentes. Eles são espaços culturais que conservam memórias e organizam significados de alguma forma sensorial. Essas cidades se preocupam e investem no que se chama museologia sensorial. Essa leitura de museu, de alguma forma, se aproxima da pós-modernidade, pela referência que tem quanto à questão de classe social, raça, gênero e políticas de correções e revisões (Padró, 2004.). Essa visão conceitual que está sempre passando por revisão, faz dos museus um ambiente de prazer, de descobertas e de aprendizagem. 

Como consequência dessa nova compreensão de gestão museológica, essas instituições se tornam auto-sustentáveis economicamente, chegando ao ponto de se formarem filas enormes para se acessar esses prédios monumentais, patrimônio da nossa história cultural. Devido à adequada importância que se fomenta nessas células culturais, alguns museus, no contexto de análises econômicas, chegam a ter mais importância turística que cultural. Apesar dessa leitura museológica, quando pensamos em museu devemos também pensar em um discurso museológico e como este se tornará acessível a um público amplo. Esse pensamento resulta em um trabalho profundo, dinâmico e crítico, que parte de uma política museística clara, objetiva e bem definida.


Compreendendo o papel do museu


Os museus, por muito tempo, foram considerados depósitos de coisas velhas, assim como chegaram a ser sinônimo de passado. Inspirado no filme De volta para o futuro, de Steven Spilberg, hoje, compreendemos que o museu tem novos conceitos que o coloca de volta para o futuro, ou seja, se alicerça na história do passado, percebendo o presente, mas com um foco no futuro. 

Por muitos anos a aristocracia e, posteriormente, a burguesia fizeram dos museus espaços exibicionistas de suas conquistas e seu poder. A modernidade deu continuidade a essa política, abriu os museus ao público e passou a cobrar entrada, capitalizando essas instituições culturais, tornando-as, em muitos casos, em verdadeiras fontes de lucro. 

O conceito de museu é plural e dinâmico, por isso tem sofrido mudanças a partir de estudos que definem e redefinem os fatores inerentes à estrutura e funcionamento desses espaços. Essa visão tem acontecido porque os espaços museológicos estão sendo repensados cotidianamente de forma intensa, o que os tornam instituições que oferecem infinitas possibilidades, dentre elas o direcionamento à educação e, em especial, ao ensino de arte.

Os estudos museológicos têm se desenvolvido em várias áreas de conhecimento. Não obstante essa amplitude, enfatizamos aqui apenas dois olhares: o econômico, que é aquele que torna o museu uma instituição moderna com base em uma economia de mercado; e o humanista, em que o museu é uma célula cultural essencial à formação do ser humano. O primeiro tem como foco a conservação de sua coleção de obra de arte e abre a porta à espera do público. O segundo se volta para o público e abre a porta para ir ao encontro deste. 

Diante de uma análise e com base nos dois enfoques citados, chega-se a ilação de que na cidade de João Pessoa não há museus. As instituições culturais que existem na capital paraibana com perfil de museu são: o Centro Cultural São Francisco, o Museu José Lins do Rego (que de fato é um memorial), a Pinacoteca da Universidade Federal da Paraíba (inoperante), a Fundação Casa de José Américo de Almeida (memorial), O Museu de fotografia Walfredo Rodriguez (galeria) e o acervo tímido, mas importantíssimo, do Núcleo de Pesquisa Popular da UFPB – NUPPO (inoperante). Todas essas instituições têm o perfil que se enquadra como museu, pois nos seus acervos têm peças e obras importantes, entretanto, partindo-se de uma análise crítica, elas não correspondem à realidade do que podemos entender como sendo um museu ou do que se propõe ser um museu.


Centro Cultural São Francisco. Foto Carlos Cartaxo


Essa compreensão está baseada no fato de que não há, nessas instituições citadas, uma prática, concomitante a um discurso contextualizado, que seja facilitadora do entorno do seu acervo. As peças estão expostas como se fossem desgarradas no tempo e no espaço. Isso se deve a falta de uma política museística gerida por profissionais qualificados na área e por falta de ações como: pesquisa, visitas pedagógicas, visitas teatralizadas, visitas de grupos, incluindo visitas para famílias, terceira idade, adolescentes e infantis, oficinas, conferências, mesas redondas e jornadas noturnas, dentre outras atividades possíveis. 

Após essa análise, resta-nos colocar as instituições museísticas pessoenses em um patamar distante do que deve ser de fato um museu. Se partirmos para manter essas instituições culturais como sendo museu, temos que enquadrá-las na concepção formalista de museu (Padró, 2004), cuja base é a gestão amadora e conservadora com ênfase no patrimônio. Além da gestão não profissional, esses museus têm uma concepção tradicional. Logo, para que estes funcionem eficientemente cumprindo suas funções museísticas devem sofrer uma ruptura radical e crítica, ao ponto de não se isolarem, tornando-se ilhas perante os acontecimentos sociais, culturais e educativos.”

Hoje, o quadro de instituições museísticas é outro; além dos já citados, listamos o Museu da Cidade de João Pessoa, Museu Casa de Cultura Hermano José, Museu do Artesanato Paraibano, Museu e Cripta de Epitácio Pessoa, Museu da Polícia Militar, Museu de Esculturas Jurandir Maciel e Museu de História Natural da Bica. Muitas dessas instituições não têm o impacto cultural e social pela simples ilação de que há necessidade de uma política cultural voltada para essas instituições aguerridas.



Referências


PADRÓ, Carla. Historias de museos, historias de prácticas educativas. In V Jornada d´història de l´educació artística. Barcelona: Facultat de Belles arts, universitat de Barcelona, 2004. 

Revista Conceitos. ADUFPB. ISSN 1519-7204.Ano IX. N 16, julho 2011. p26. https://www.adufpb.org.br/site/wp-content/uploads/2011/11/REVISTA-CONCEITOS-16.pdf


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