Julieta, meu amor
Carlos Cartaxo
Ouvir amigos pode ser uma boa terapia; aliás, ouvir sempre é bom porque nós adquirimos habilidade para efetivar uma comunicação equilibrada, atenta e de qualidade. Pois bem, certa vez meu amigo Newton Jorge me indagou pelo fato de eu conhecer algumas cidades italianas, todavia, não conhecia Verona, a cidade em que William Shakespeare situou a peça teatral “Romeu e Julieta".
A simples pergunta do amigo se transformou em uma provocação que, consequentemente, resultou em minha visita àquela urbe, consagrada pela famosa peça teatral do dramaturgo inglês. Por curiosidade procurei saber se no renascimento Verona já pertencia a Itália e descobri que só em 1866 ela foi incorporada ao Reino da Itália, período da Terceira Guerra da Independência do país. Posteriormente Verona foi declarada, pela UNESCO, como sendo patrimônio da humanidade, tendo em vista a preservação da bela estrutura arquitetônica e urbana.
Dentro do meu planejamento da ida a Verona foi reler a peça teatral shakespeariana “Romeu e Julieta” para que eu pudesse me situar na cultura da cidade no período renascentista e, consequentemente, traçar um paralelo com a realidade de hoje. Essa releitura foi impactante porque sempre que leio algo mais de uma vez, surgem compreensões antes não vistas. Aqui fica minha ressalva para aqueles leitores que ainda não mergulharam na poesia de William Shakespeare, que o faça o quanto antes. Essa releitura fortaleceu minha paixão pelo autor, principalmente sua criatividade dramática e o seu vocabulário poético. Faço questão de afirmar que todas as vezes que leio Shakespeare estimulo minha capacidade de amar porque sempre me sinto mais apto para redefinir o amor pela ótica lexical em que, como substantivo, entendo ser o comportamento incondicional de fazer bem ao próximo.
Como sempre somos influenciados pela cultura em nossa volta; reconheço que meu apreço pela obra de Shakespeare se deve aos estudos teatrais e, particularmente, às colegas docentes Vitória Lima e Sandra Luna; o colega docente e crítico literário João Batista de Brito e o multiartista W. J. Solha, que tão bem conhecem o autor inglês em pauta aqui.
Com o ímpeto shakesperiano que brota dentro de mim e jorra pelos olhos, trago comigo o conceito de amor, que é aquele que torna um sentimento incondicional.
Em busca do amor irrestrito, parti para desbravar Verona com a curiosidade que só o coração pode traduzir o que, afinal, é ficção e realidade, estória e história, no comportamento humano, assim como, na criação dramática e, consequentemente, no meu vasto imaginário.
Em Verona fui caminhar para descobrir os becos, vielas e ruas milenares. Saí pela cidade afora, lépido, com um mapa na mão a desbravar as pérolas arquitetônicas e culturais que, porventura, me diziam respeito. A primeira parada, para minha surpresa, foi diante do dito cujo, o querido dramaturgo inglês. Ao entrar no jardim do Mosteiro de São Francisco do Corso, ele estava com a exponencial expressão de sabedoria. Claro que me aproximei da autoridade e me dei o direito de viajar no tempo, um pouco mais de 500 anos passados, mais especificamente no século XV. Nesse momento, entre prédios históricos de riqueza cultural imensurável, me deparei com situações históricas que mais pareceram ficcionais; por exemplo, no Mosteiro citado, prédio do século XIII, há o túmulo de Julieta. O sarcófago foi instalado lá em 1937; e claro, está vazio. Contudo, é memorável porque, hipoteticamente, foi neste Mosteiro que Shakespeare se inspirou para escrever as cenas fatídicas da peça teatral, de 1596, em que o casal romântico morreu. Não obstante a lógica histórica, há quem afirme que Julieta, assim como Romeu, não passaram de personagens ficcionais de Shakespeare. Contudo, há quem afirme que essa história é uma lenda popular que vem sendo contada há séculos. Entre a história e a cultura ficcional, eu fico com a quimera shakespeariana. A prova é que registrei minha tentativa de comunicação com o nobre escritor no jardim, entrada, do referido Mosteiro. Evidentemente, ele não me deu atenção. Contudo, emocionado, agradeço por ele ter existido e por eu ter estado naquele cenário.
Na visita a Verona, uma das indicações era ir à casa de Julieta Capuleto, e fui. Pena que no circuito cultural da cidade não há a casa de Romeu Montecchio; eu pensei ser machismo a não existência da morada de Romeu em Verona. Todavia, na peça teatral o foco está na casa de Julieta. Conquanto, a sensibilidade de desta a torna uma personagem mais representativa no contexto da peça. Também compreendi que o charme da cena está na sacada da casa de Julieta que se tornou referencial turístico e evidente fonte de renda para a cidade.
Em Verona, as famílias abastadas e os membros das cortes tinham casamentos arranjados; até hoje essa prática pode ocorrer entre nós mortais contemporâneos. Por esse motivo, a Senhora Capuleto, mãe de Julieta, conversava com a filha, atentando-a de que, aos quatorze anos, havia chegado o momento de pensar na escolha de um noivo. Como consta na peça teatral, a família Capuleto ofereceu um jantar para convidados, possíveis candidatos a casamento com a bela Julieta. Aqui inicia o conflito dramático da peça teatral.
É difícil resistir ao imaginário ficcional shakespeariano, como se de fato, tudo que ele, o dramaturgo inglês, escreveu fosse apenas a fértil imaginação que louvamos há séculos pela sua bela narrativa. Conforme comprova a fala do autor: “o amor, em tamanha extremidade, sabe fazer da dor felicidade”. Não há dúvida, o homem tinha fértil sabedoria e domínio das letras e do teatro.
Para compreender a complexidade da criação ficcional é importante saber que William Shakespeare teve influência da Itália medieval e, principalmente, renascentista; todavia, ele nunca esteve presente na cidade de Verona, o que comprova a força da sua criatividade que persiste até hoje na bruma dos logradouros.
Ao vaguear por Verona eu pude comprovar o quanto a narrativa escrita e oral renascentista, secular, foi importante e determinante na criação artística de hoje. Ao colocar Verona como cenário da peça Romeu e Julieta, Shakespeare fez uma ótima escolha porque a Itália renascentista era o berço criativo da época e a região tem um encanto que deslumbra qualquer humano; por isso Verona é denominada a “cidade do amor”. A vida real através da arquitetura, das pessoas, das colinas, do rio Ádige, caudaloso e límpido, da Arena do século I d.C, dos castelos, se constitui num cenário natural adequado para os personagens fictícios da literatura, que parecem presentes, de tal forma, que nos encantam como se espalhassem, eternamente, um aroma de romantismo pelos quatro cantos da cidade.
Como mortal que trás consigo o imaginário fértil também fui à casa de Julieta. Embalde, ela não me recebeu! Prefiro acreditar que ela havia saído, possivelmente há mais de cinco séculos. No tresloucado passo entre a ficção e a realidade, me pus no contexto shakespeariano me fazendo ser Romeu e naturalmente pensei no silêncio do amor, escrito por Shakespeare: “Julieta, deitar-me-ei ao teu lado ainda esta noite”. Como é de se acreditar, não obtive resposta. Não fui correspondido, muito menos atendido! O fato é que bati em sua porta, como se fosse o Romeu, como se eu fosse um outro personagem, no caso, o Roteu ou Roseu! Na inserção da novela de Shakespeare, lembrei da fala de Julieta para Romeu: “Quem és tu que, encoberto pela noite, entras em meu segredo?”.
Como séquito da literatura renascentista, busquei e me vi no contexto que sempre sonhei. Não obstante o ensejo de não encontrar Julieta, me dei por vencido e fui distribuir mesuras pelos logradouros de Verona. Felizmente não compartilhei da infeliz tragédia final, bem escrita na peça teatral, o que me fez pensar o que bem disse a Senhora Capuleto, mãe de Julieta: “Pelas praças o nome de Romeu o povo grita; outros, o de Julieta; outros de Páris, correndo com clamores toda gente para o lado do nosso monumento.” Decidi deixar Julieta e Shakespeare na memória e fui desbravar a bela arquitetura romana, medieval e renascentista que ainda há, bem conservada, pela adorável urbe italiana. Lá encontrei um rio caudaloso que bastou para a alacridade de meu regozijo admirador da literatura do escritor inglês e amante da dramaturgia. Do alto do antigo castelo de San Pietro pude exalçar o quanto é divino viver e alimentar sonhos para realimentar utopias.
Se a experiência vivida em Verona foi bela, tanto quanto ler o dramaturgo inglês, só me resta pedir licença a Shakespeare e a Romeu para concluir com uma mesura que expresse meu encanto pela cidade e a principal personagem dessa história: Julieta, meu amor, a vida é um encanto com ou sem dor.
Referência
Shakespeare, W.. Romeu e Julieta. eBooksBrasil.com https://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/romeuejulieta.pdf
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