Carlos Cartaxo
O mundo parece estar virado! Trafegar pelas ruas caminhando ou de transporte, que é a realidade cotidiana da maioria da população, se tornou um procedimento de risco, portanto perigoso. Há cinquenta anos, era prazeroso sair por aí, sem lenço nem documento, a observar a ordem natural da vida, edificações e pessoas; hoje, essa prática de liberdade é assustadora, impensável. A violência passou a fazer parte das nossas vidas de forma plural; nos atinge de várias maneiras. As situações de perigo são tão diversas que se pode dividir a violência por categorias. Contudo, para o debate aqui, escolhi o golpe econômico, com conhecimento da polícia. Eu me refiro à “normalidade” das falcatruas!
A cultura do golpe é uma realidade que faz parte do cotidiano do brasileiro. A sociedade se tornou refém da bandidagem. As fraudes se transformaram no pavor da sociedade. Os meios de comunicação publicam matérias, diárias, sobre a prática de golpes nos seus diversos gêneros, o que provoca pânico social. No processo de comunicação, onde há a figura do emissor e receptor, essas matérias sempre se fazem presentes, todavia, a segurança pública fica circulando pela tangente, apenas justificando suas ações, o que dá a entender que há conveniência por parte de quem deveria combater.
No Brasil golpes viraram rotinas, notícia velha e repetida, inclusive, com a aparente desconhecimento de quem deveria coibir. A ladroagem é um comportamento normalizado em todos os segmentos sociais. Da gasolina “batizada” ao ladrão de celular; do produto com data de vencimento remarcado no supermercado à oficina de automóvel que faz gambiarra; da empresa de vendas de passagens à balança viciada da feira; do político corrupto ao médico que diagnostica "errado"; tudo isso por falha, propósito ou má fé. Enfim, nosso país se transformou em uma nação de ladrões, reservando a cautela de não generalizar e preservar as pessoas éticas e corretas.
É fato que ações ardilosas acompanham o ser humano desde quando gente se entende como gente. Parece piada, mas é vera; por exemplo, o texto teatral renascentista “Hamlet” de William Shakespeare trata da ganância por poder; é a história do rei, pai de Hamlet, príncipe da Dinamarca, que foi assassinado pelo próprio irmão, Cláudio, que se tornou rei e casou com a rainha Gertrudes, mãe de Hamlet. É uma tragédia que coloca a cobiça pelo poder à frente dos valores éticos e morais. É a apropriação indébita de um reinado. É um golpe!
Combater ações ilícitas deveria ser prioridade da polícia no controle, na repressão e na punição. Se o objetivo da polícia militar é garantir a ordem pública, proteger a população e bens, assim como, prevenir e reprimir crimes, é óbvio que essa notável instituição não está cumprindo com seus objetivos. O mesmo vale para a polícia civil cujo papel é a investigação criminal. Na época da Inteligência Artificial, os caminhos para ações profícuas de investigação deveriam ser tão eficientes quanto deveriam ser severas as punições. É factível que existem tecnologias facilitadoras e eficientes para combater golpes; historicamente, as técnicas de espionagem são muito antigas. Com as inovações tecnológicas, os recursos atuais tornam as investigações mais precisas, eficientes e rápidas. Da mesma maneira, a formação de investigadores, policiais e profissionais de segurança estão aperfeiçoadas e tecnicamente inovadoras. Mesmo assim, infelizmente há um descompasso entre a segurança pública, o combate ao crime e a paz social.
Como ilustração cito alguns casos veiculados nos meios de comunicação que são do conhecimento de todos ou que já aconteceram conosco.
Roubo de fio
No país inteiro há roubo de fio de cobre. Esse é o crime mais fácil de ser combatido; entretanto, é comum informações diárias sobre esses casos sem que haja uma solução. A questão chave é: quem compra o cobre roubado? Tá aí o caminho para a regulamentação, repressão e a punição dos meliantes dessa tipologia de roubo.
Golpes na internet
Esse tipo de golpe é tão vasto que varia da compra de passagens ao Pix; da compra e entrega de produtos ao golpe do amor. Por exemplo, é frequente, no Facebook e no Instagram, propagandas que conduzem ao roubo. Há inúmeros anúncios com inscrições para passagem aérea por R$ 200,00. Uma moça muito bonita de blazer azul anuncia o último dia para inscrição, em nome do portal da cidadania, com logomarca do governo federal. Na reportagem há o endereço www.g1news.com.br , só que o g1 da Rede Globo não corresponde a este endereço. O anúncio dá várias pistas de ser “fake news”, todavia está lá nas redes sem incomodar nenhuma autoridade policial ou outra qualquer. Só o fato de usar a logomarca e o programa de vendas de passagens, a baixo custo para aposentados, do governo federal para dar golpes, já é o suficiente para a polícia federal intervir à procura dos meliantes. Até os jornais da televisão, em rede nacional, abordam o tema e as polícias não agem a contento.
Passagem aérea divulgada como se fosse o programa oficial do governo federal, mas é fraude.
Dentro dos casos de golpes na internet, listo dois casos em que conheço de perto.
1) Eu fiz uma experiência com um anúncio das redes sociais que divulgavam uma air fryer por um preço abaixo do mercado. Eu tinha certeza que era fraude. Eles não só não entregam o produto como insistiram através do envio de 23 mensagens por “email” dizendo que a encomenda estava presa na alfândega e eu precisava pagar um imposto para liberar. A pergunta se repete, onde está a polícia que não vê esse tipo de crime?
2) A Shopee Brasil é uma empresa de plataforma de comércio eletrônico de Singapura, filial brasileira que pertence ao Sea Group. Os produtos pequenos como calçados, roupa de cama e banho, óculos, etc., ela entrega; contudo, produtos como eletrodomésticos não são entregues. Resultado, a Shopee vende o produto, recebe o dinheiro, mas, a entrega é realizada por quem fornece o produto; compra esta que nunca chega ao destinatário. A Shopee se compromete em devolver o dinheiro se o produto não for entregue. O produto não é entregue. A empresa fornecedora da mercadoria, que é a responsável pela entrega, fica ludibriando o comprador, informando que o produto será entregue no dia seguinte. Toda a manipulação é feita com anuência da Shopee, até que o produto aparece no histórico do comprador, na plataforma da Shopee, como entregue; tudo é apagado e o cliente não tem mais como cancelar a compra e solicitar devolução do dinheiro pago. No fundo é apropriação indébita da Shopee que foi a empresa que recebeu o dinheiro, mas não garantiu a entrega.
Documento enviado pelos Correios, com anuência da Shoppe, como se fosse a geladeira. Eles deram o produto como entregue.
Envelope enviado pela Shopee, uma carta, como se fosse o produto.
Página da transportadora para o rastreamento da entrega do produto
3) Há também o golpe da falsa loja. O bandido copia a página de uma grande loja e cria outra semelhante para vender produtos abaixo do preço de mercado. Este é mais um caso que é público, mas, as policias não coibem. Por exemplo, é o caso do chuveiro, ilustrado abaixo, em que na loja oficial custa mais de R$ 600,00 reais, já na página falsa custa R$ 69,90.
Chuveiro na página real da Magalu, preço R$ 649,90
Chuveiro com preço de fraude R$ 69,90
Golpes financeiros
Os golpes bancários são uma realidade. A minha comadre Maria das Graças recebe seus proventos no Banco Bradesco, em João Pessoa, e desconfiada porque estava recebendo bem menos do que devia, se dirigiu ao banco e foi informada que se tratava de um empréstimo consignado. Só que a mesma nunca fez empréstimo algum. E, o banco se eximiu dizendo que a mesma tinha assinado. Como reação ao roubo bancário, ela constituiu um advogado que há meses tenta na justiça encerrar esse pesadelo financeiro. Durante três anos ela foi furtada, apropriaram-se de parte da sua aposentadoria através de procedimentos bancários que a mesma não tinha controle.
Golpes no turismo
A Hurb é outra empresa caloteira, funciona como agência de turismo, vende passagem e hospedagem com o campo de atuação em todo Brasil e no mundo. Ela dá golpe diariamente há meses e continua nas redes sociais oferecendo serviços. O presidente/dono da empresa foi preso no final de abril, mas, por roubo de obra de arte. Eles vendem a hospedagem, quando chega quinze dias antes da data marcada enviam um e-mail informando que a reserva foi cancelada. Essa empresa é fraudulenta e do conhecimento de todos. O golpe da Hurb é do conhecimento da polícia, inclusive da rede hoteleira também, e a prática delituosa continua acontecendo dia e noite.
Golpe é um procedimento criminoso de grandes e pequenos; dos descontos indevidos e juros estratosféricos dos bancos aos agiotas; todavia, quando se tem um governo democrático e comprometido com o país e seu povo, vemos ações concretas de combate às práticas delituosas, seja no golpe bilionário do INSS ou nos golpes publicitários das "bigtechs". Felizmente a AGU - Advocacia Geral da União entrou em cena e acusa a empresa Meta de procedimentos irregulares, em suas redes sociais, pela prática de divulgar e promover anúncios fraudulentos utilizando de símbolos oficiais do governo federal, gerando lucros exorbitantes à custa de mentiras. A acusação tem como base enriquecimento ilícito e danos morais coletivos. A ação da AGU se restringe a um ou outro caso, muito pouco, já que no Congresso Nacional e no Judiciário se recebe salários com acréscimos que passam muito do teto constitucional. É o que se diz legal, mas imoral.
Além das imoralidades oficiais e congressuais, concluímos que o papel da polícia de investigar e coibir os crimes cibernéticos ou comuns, está distante, muito longe dos anseios e necessidades da sociedade.
No cômputo geral, quanto custará as perdas anuais frutos de golpes no Brasil?