Formação de professor e qualidade da educação
Carlos
Cartaxo
É
importante termos consciência de que a educação deve ser determinada por uma
política de Estado. Muitos veem a educação como uma política de governo. Esse
raciocínio é um equívoco porque é determinístico para o debate em pauta. Governos
saem, governos entram; já o Estado permanece com suas responsabilidades
políticas e administrativas. Considerando o conceito acima podemos afirmar que
formação é uma questão de política de Estado cuja aplicação necessita de uma
ação de governo.
Então
o governo que cumpri uma policia de Estado de investir em educação, tendo como
um dos pilares a formação do professor, está gerindo essa área com a responsabilidade
devida que todo país merece. Pois bem, no momento estamos diante de uma quadro
pouco favorável a esse raciocínio. O governo Federal do Brasil acabou de
aprovar o projeto de Lei do Ensino Médio que cria a figura do professor notório
saber. Na verdade essa “figura” foi tirada do fundo do baú onde já havia sido “esquecida”
devido seu papel pouco construtivo para a qualidade na educação.
O
professor notório saber fazia sentido quando a sociedade não tinha
profissionais qualificados pedagogicamente para ministrarem certas áreas do
conhecimento. Todavia, hoje com inúmeras licenciaturas, não faz sentido colocar
em sala de aula quem não tem formação pedagógica para tal. Na prática significa
dizer que o engenheiro, da prefeitura ou da construtora, pode dar aula de
matemática ou física. A enfermeira, do posto de saúde, pode ministrar biologia
e ciências. O padre pode ministrar línguas e português. O organizador de
casamentos e festas infantis pode dar aula de artes, etc. Essa lógica de adoção
do professor notório saber é um retrocesso; é perversa no que concerne a busca de
qualidade na educação para nossos filhos e para todos os discentes
independentemente de classe social. É claro que não está em tela a competência
de conteúdo do engenheiro, da enfermeira, do padre, muito menos do
ornamentador. O que está em jogo é a formação pedagógica do profissional que
assume o papel de professor.
Esses
profissionais não licenciados, certamente, não conhecem, com propriedade e com vivências
didáticas as tendências pedagógicas. Quem assume a tarefa de educador precisa
conhecer as principais tendências, ou seja, Tradicional, Escola Nova,
Tecnicista, Libertadora, Crítico-social dos conteúdos, Piagetiana,
Construtivista e Construcionista. Sem conhecimento, como vão proceder em sala
de aula? Que instrumentos e recursos pedagógicos utilizarão nas aulas? Essas questão
aparentam simplicidade, todavia, no fundo, são de uma complexidade significativa
porque a propensão é que o profissional docente não qualificado trabalhe com a
tendência tradicional, que é uma proposta de educação centrada no professor,
cujo procedimento pedagógico se resume em ações de vigiar os alunos,
aconselhá-los, ensinar a matéria de forma reprodutiva e corrigi-la de forma que
a verdade seja unilateral.
Sem
conhecimento pedagógico, o professor, na maioria dos casos, não implementa uma
relação de ensino-aprendizagem construtiva e dialógica. A relação não é flexível,
mas instável, despontando insegurança em quem ensina e em quem aprende. O laço
pedagógico constituído, nesse caso, tem como base o amor líquido (BAUMAN, 2004)
que se exaure com uma rapidez estonteante, imprevisível, confuso e complexo.
O
tema Formação de professor e qualidade
da educação faz parte de um contexto que foi diretamente afetado pela Medida
Provisória, MP, Nº 746/2016 da contrarreforma
do Ensino Médio, no Brasil. Ela altera a Lei 9.394 de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional quanto ao termo Notório Saber. Essa MP resgata a figura do
professor notório saber, que é aquele não precisa ter graduação, nem formação
pedagógica para ensinar. No artigo 1, no item IV, da Medida Provisória, lê-se:
“IV – profissionais com notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de
ensino para ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação para atender o
disposto no inciso V do caput do artigo 36” que diz: “Art.
36. O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum
Curricular e por itinerários formativos específicos, a serem definidos pelos
sistemas de ensino, com ênfase nas seguintes áreas de conhecimento ou de
atuação profissional: I – linguagens;
II –
matemática; III – ciências da natureza;
IV –
ciências humanas; e no que concerne a formação de professor
diz: V –
formação técnica e profissional.” Portanto,
cada sistema de ensino poderá reconhecer diferentes profissionais para
ministrarem os conteúdos referentes à área técnica e profissional, sem
exigência de uma formação em licenciatura, por exemplo.
Se contrapondo a referida Medida Provisória,
fortaleço a ideia de que a formação do professor deve ser constituída de duas
fases. A primeira a formação inicial que se dá na licenciatura; e a segunda,
continuada, que se dá quando do exercício da profissão. A sustentação que dá
suporte a qualidade do ensino, no que concerne a formação do professor, é a
formação continuada. Contudo se o professor é notório saber e não tem uma
formação pedagógica inicial, para ministrar aulas, como se dará a formação
continuada. Com esforço esse professor tentará acompanhar o debate pedagógico
acerta dos avanços metodológicos da disciplina e dos conteúdos que ministra,
todavia na realidade é um professor, notório saber, fora do contexto pedagógico
e tentando trabalhar com procedimentos tradicionais que se chocam com a realidade
pós-moderna em que estamos inseridos.
Todo
professor deve conhecer a evolução do pensamento da criança para poder diagnosticar
a fase evolutiva da aprendizagem em que o discente se encontra. Essa é uma
condição necessária para se ter na sala de aula uma aprendizagem que seja
prazerosa e motivadora. Isso significa dizer que o profissional que não tem
formação pedagógica encontrará em sala situações que ele não tem formação para
administrar. Nesse caso será instituída uma relação de poder onde a razão estará
sempre com o professor e o aluno se torna um sujeito invisível no processo de
ensino-aprendizagem.
A
qualidade na educação está diretamente ligada a formação de professor. Essa é
uma relação que exige decisões políticas que devem ser consolidadas e
elaboradas a partir da determinação de relações de poder, realidade que tem
sido constituída por políticas pedagógicas equivocadas e, concretamente, falta
de políticas de Estado para uma educação voltada a equidade do saber. Por ilação,
é um equivoco incomensurável o retorno do professor notório saber à sala de
aula porque é a volta de uma educação opressora, conservadora, indo na contramão
da educação que faz do aluno um sujeito ativo e participativo no processo de
ensino-aprendizagem.
Referências
BAUMAN,
Zygmunt. Amor líquido: sobre as fragilidades dos laços humanos. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 2004.
CARTAXO, Carlos. Amor invisível: artes e
possibilidades narrativas. João Pessoa: Ed. CCTA, 2015.
______O ensino das artes cênicas na escola fundamental e média.
João Pessoa: edição do autor, 2001.
FOUCAULT, Michel. A Arqueología do saber. Rio de
janeiro: Forense Universitária, 2008.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1988.
GOERGEN, Pedro. Pós-modernidade, ética e educação. Campinas:
Autores Associados, 2001.
GOODSON,
Ivor F. Historias de vida del profesorado. Barcelona: Octaedro, 2004
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes,
1991.
http://appprova.com.br/2016/09/29/notorio-saber-verdades-e-mitos/
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