O contraditório do tecnicismo no ensino da arte
CC
Eu iniciei minha trajetória como diretor teatral, em 1982, no espetáculo
infantil “Vamos brincar de Circo”, texto de Francisco Medeiros. Essa montagem
me introduziu no universo da educação e da cultura como pesquisador. De lá, início
da década de 80, século XX, a segunda década do século XXI, dirigi alguns
espetáculos alguns espetáculos teatrais tendo como fundamento a técnica
circense. Elaborei três personagens de palhaço. O primeiro, Ventania, criei para
a peça teatral “O palhaço e o rei”, texto de Marcos Pequeno; o segundo,
Beroaldo para solos cênicos; e Mimoso, para animação e apresentações
artísticas. Essa experiência com o universo lúdico infantil, na sua magnitude,
se deu através do Grupo de Teatro suspensório Produções Artísticas, em
Parahyba, capital do estado da Paraíba.
Fruto dessas vivências e de uma especialização em Ensino Superior na
Universidade da Amazônia, UNAMA, em Belém do Pará, nasceu o livro “O ensino das
Artes Cênicas na Escola Fundamental e Média”. Nesse trabalho há um capítulo
sobre circo onde abordo a gênese dessa expressão artística: sua origem, as
companhias circenses, a dramaturgia circense, o artista circense, o palhaço, o
circo no contexto do modernismo, e o circo, enquanto conteúdo, na escola.
Introduzo também processos metodológicos
no ensino do circo na escola, momento em que demonstro caminhos metodológicos
através de atividades como: vamos brincar de circo, que são atividades que
podem ser desenvolvidas em todas as séries do ensino básico; brinca de
malabarista; brincar de cambalhotas, exercícios individuais, de dupla e de
trio; parada de mãos; parada de mãos e cabeça; pirâmide de virilha; equilíbrio no
rola-rola; perna-de-pau; o domador e seus “animais amestrados”; e números de
palhaço. Esses exercícios são ilustrados, o que facilita o planejamento e
execução para cada série.
Quando escrevi o livro “O ensino das Artes Cênicas na Escola Fundamental
e Média” já tinha a arte híbrida como foco do meu trabalho. Á época ainda não
tinha um embasamento teórico que certificasse o trabalho como híbrido; todavia,
podemos reconhecer que essa tendência rizomática para a arte na escola tem
fundamento porque compreendo a arte como uma experiência humana que se dá em
rede, de forma diversa e concomitante. Essa é uma questão plural, nunca
específica com base tecnicista, que é abordada pela ótica pedagógica. O seu
conteúdo se dá de forma inter ou transdisciplinar, seja na educação formal ou
informal. Essa concepção se choca com a proposta dos PCNs – Parâmetros
Curriculares Nacionais que vieram depois da LDB 9394/96. Esses PCNs alteraram o
ensino de arte; destituiu o ensino das artes cênicas, para garantir o ensino do
teatro e da dança, além da música e das artes visuais.
Em 20 de abril de 2017, vi o espetáculo “Estações” da Escola Livre de
Circo Djalma Burahêm, na Escola Piolin, em Parahyba. A luz e a trilha sonora
complementam a plasticidade do espetáculo. A base técnica do trabalho é a arte
circense, mas há concomitância com a dança e o teatro. A cada cena, durante a
apresentação, eu me perguntava: como o circo pode estar, como conteúdo, fora do
ensino de arte na educação formal? É um exemplo do estreitamento do conteúdo do
ensino de arte na escola brasileira. Se o professor quiser trabalhar esse
conteúdo tem que inserir na disciplina de teatro. A mesma questão de
cerceamento do circo se dá também com a performance e outros conteúdos do
universo da arte.
Essa tendência de fatiar o ensino de arte em apenas quatro áreas da
expressão humana é uma concepção tradicional, tecnicista, que foi apresentada
ao mundo no final do século XIX, início
do século XX, por Frederick W. Taylor. A proposta de fracionamento do trabalho,
reduzindo a habilidade do trabalhador a apenas uma ação dentro do sistema de
produção, foi apresentada nos Estados Unidos da Américas. Taylor criou a figura
do especialista. Em seguida essa técnica foi adotada por Henry Ford, nas suas
fábricas de automóveis, com o fim de racionalizar o sistema de produção. O
objetivo era limitar o saber do operário sobre seu próprio trabalho e controlar
o conhecimento deste sobre suas atividades profissionais. O operário deveria
ter apenas uma habilidade técnica. Daí nasceu o domínio limitado do saber
profissional. O operário tinha que saber tudo sobre sua atividade, mas não
precisa, em muitos casos, não deveria, saber nada sobre a operação seguinte ou
anterior a sua.
No final do
século XX essa ideia chegou ao ensino de arte no Brasil e continua até hoje. O
professor, formado em teatro, que trabalhar
com artes visuais ou seja fotografia, elaboração de cartaz, pintura de
moral ou cenário, confecção de bonecos, corre o risco de ficar em uma situação
delicada. É um forte candidato a ir à forca. Podem ser excomungados da “igreja”
dos tecnicistas e especifistas do trabalho. O professor de música que ousar
dirigir um musical com seus alunos, uma performance ou uma coreografia para o
coral da turma, também pode ser julgado pelo tribunal da inquisição do universo
professoral da arte. A habilidade de múltiplos saberes é confundida com
polivalência na educação. Essa resistência a pluralidade de saber conduz à
departamentalização do ensino da arte, o que termina excluindo áreas do
conhecimento artístico do currículo na escola formal. Inúmeras experiências na
educação informal, principalmente, no terceiro setor, tem demonstrado a
eficiência pedagógica de se trabalhar com conteúdos oriundos da arte híbrida. O
Itaú cultural é um bom exemplo. “Em Cena Sonora” foi série da Rádio Itaú Cultural, criado pelo
curador Ricardo Carioba, com programas experimentais que misturam artes cênicas
com peças de áudio, voltados para artistas de formação variadas - músicos,
bailarinos, atores, diretores, poetas, coreógrafos. É a produção de uma
paisagem sonora que possibilite diálogos com a dança ou com a expressão
teatral. É a convergência da arte e da comunicação no processo de aprendizagem.
Os resultados foram quatro programas que, por diferentes abordagens, sugerem
imagens, movimentos e encenações que você ouve ou pode baixar para ouvir onde
quiser através da página do Itaú Cultural que fez o seguinte chamado:
Rádio, dança e teatro: dá
para misturar? Esse foi o desafio que lançamos a
artistas de várias origens − músicos, bailarinos, atores, diretores, poetas e
coreógrafos. O resultado é Em Cena Sonora, nova série da
Rádio Itaú Cultural, com programas experimentais que misturam artes cênicas com
peças sonoras.
Com diferentes abordagens, os quatro programas sugerem imagens,
movimentos e encenações que você ouve ou baixa para ouvir onde quiser. Confira!
(ITAÚ CULTURAL).
Outros centros de pesquisas, pelo mundo, estão caminhando na perspectiva
de trabalhar a arte híbrida pela ótica pedagógica transdisciplinar. Lembro que
de 3 a 5 setembro de 2009 o Colégio das principais universidades da Catalúnia,
Espanha, realizou O III Congreso de
Educación de las Artes Visuales, com o tema: Por um diálogo entre as
artes. Então, parece evidente que as
expressões artísticas e a comunicação estão em uma reta de sintonia no sentido
de ver e rever conteúdos e metodologias nas áreas em questão.
Essa abordagem não é nova, é secular; “o projeto da modernidade instituiu
a especialização e criou um superespecialista” (COELHO, 1995, p. 106), o
tecnocrata, o “gênio” de uma única área do conhecimento, o exímio conhecedor de
uma única coisa, o deus da sabedoria. Ela limita possibilidades de vivências
transdisciplinares, por esse motivo está sujeita a críticas, principalmente
quando nos reportamos a uma compreensão rizomática do conhecimento.
Então, diante da pluralidade representativa do universo da arte, nesse
início de século XXI, acredito que passou da hora de pesquisadore(a)s da área
em questão, pensarem sobre a perspectiva de que a dicotomia entre teoria e
prática no ensino de arte, leituras e vivências, merecem uma análise
aprofundada que não seja aquela da departamentalização do conhecimento sobre o
estudar e o experimentar arte.
Referências
CARTAXO, Carlos.
Amor invisível: artes e possibilidades narrativas. João Pessoa: Ed CCTA, 2015.
______ O ensino das Artes
Cênicas na escola fundamental e média. João Pessoa: Edição do autor, 2001.
COELHO, Teixeira. Moderno Pós-moderno. São
Paulo: Iluminuras, 1995.
LINHART. Robert.
Lenin, os camponeses, Taylor. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.
SANTAELLA, Lucia. Por que as comunicações e as artes estão convergindo? São
Paulo: Paulus, 2007.
http://www.itaucultural.org.br/bcodeaudio2/64458_64459.mp3
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