Asas para voar com a
arte
Carlos Cartaxo
O desejo
humano de voar sempre foi exponencial. Ícaro, quem era mesmo? Esse personagem
mitológico foi criado de forma ficcional para o ser humano poder dá forma,
mesmo que conotativa, ao sonho de voar. Aqui temos a arte nos permitindo voar
ou nos dando o direito de voar através da arte ou até mesmo com ela.
Pois bem, no final
de 2017, vi e interagi com uma postagem na internet, de um artista plástico de
Campina Grande, Paraíba, Brasil, que perguntava sobre a opinião de um vídeo de
uma performance. No momento não vem ao caso a performance, mas como ele
adjetivou aquela expressão artística. Ele perguntou se era arte, mas ele mesmo
respondeu dizendo que não era e que aquilo era uma “merda”, palavra dele.
Diante desse
quadro pintado por esse artista, me resta a dúvida: será que ele tem alguma
noção sobre história da arte? Será que ele sabe sequer distinguir arte
clássica, da moderna e da pós-moderna? A trajetória da arte segue a mesma
trajetória da história da humanidade, ou seja, está em constante mutação. Em muitos casos o processo é de constante
transformação. Não obstante essas mudanças, muitos artista ficam apenas focados
no fazer e não se dão conta de que o fazer não deve ser apenas um ato isolado,
até porque ninguém está totalmente isolado sem interferência do meio que o
rodeia. Nesse sentido, o artista é um sujeito, assim como todo mundo, que tem
que se atualizar constantemente porque a arte, como a vida, é dinâmica, é um
fluxo e refluxo de ser e não ser.
Quando o
artista ou qualquer outro ser humano não se atualiza fica refém das mudanças
constantes da vida. Estagnar diante do tempo e das transformações do mundo é
uma opção suicida. A comunicação é um bom referencial para essa tese. “Quem não
se comunica se trumbica”. Esse jargão do animador Chacrinha, Abelardo Barbosa,
é a chave para a compreensão de que se isolar quer dizer se comunicar de forma
estática.
Eu tenho
visitado inúmeros museus e instituições de arte pelo mundo, dentre elas museus de
arte contemporânea. Ao se deparar com a arte contemporânea, que prefiro
denominá-la pós-moderna, temos um impacto de compreensão e admissibilidade de
que “aquilo” é arte. Daí a denominação pelo artista, campinenses, de que essa
arte é “merda”. Para compreendermos algo precisamos conhecer e, na maioria dos
casos, estudar sobre o tema. Como estamos vivendo um momento de transição entre
a modernidade e a pós-modernidade, precisamos de conhecimento sobre como essa
transição acontece, o porquê dela acontecer, como os sujeitos se comportam
diante dessas mudanças significativas, muitas vezes pouco perceptíveis. Para
isso temos que ter humildade para aprender sobre o momento que estamos vivendo
e como a arte se situa nesse contexto.
Uma das formas
de entender e aprende sobre a arte no contexto pós-moderno além de leituras é
visitar museus, galerias, ver filmes, performances e espetáculos. Recentemente
visitei o Instituto de Arte Contemporânea de Boston - ICA, EUA, e lá a primeira
pessoa a qual me lembrei foi o colega artista campinense. Esse cidadão do mundo
da arte, como todos nós, precisa mergulhar no universo artístico que não seja
apenas aquele que ele está inserido. É uma questão de alfabetização visual. É a
importância de compreender e decodificar os processos denotativos e conotativos
que são intrínsecos a arte enquanto expressão comunicativa do ser humano. No
ICA há uma exposição de Mark Dion, artista norte-americano, que rompe com as
formas tradicionais da arte clássica e usa elementos naturalistas no contexto
da pós-modernidade para expressar, através de instalações, sua visão de mundo
no final da segunda década do século XXI. Ele buscou objetos de escavações do
século XIX, como garrafas, ferramentas, cerâmicas e expôs a vida passada e seus
efeitos conotativos no hoje. É um trabalho fruto de pesquisa etnográfica, é um
misto de ciência e arte. É um trabalho pós-moderno que tem nos elementos da
natureza e do cotidiano a essência do ser humano. Para dizer que essa criação é
arte não basta dizer gosto ou não gosto, muito menos adjetivar com palavras
indevidas e preconceituosas.
O ICA também
tem uma agenda de performances. Aqui vem o que considero mais importante no universo
pós-moderno da arte: a arte híbrida. Como escreveu Lúcia Santaella “a
comunicação e arte convergem”. Essa tendência contribui para expressar o mundo
hoje, a pluralidade e velocidade da veiculação das informações, a manipulação
das informações e das formações. A ideologia do consumo e da dependência de
algo e até de alguém.
No Brasil temos
uma série de instituições que trabalham com arte no contexto contemporâneo e/ou pós-moderno, por exemplo, o
Inhotim em Minas Gerais que é um referencial significativo para formação, interação
e lazer. No Porto, em Portugal, temos O Museu de Serralves que é um belo
exemplo de instituição que quebra paradigmas, renova conceitos e contribui esteticamente
para com a alfabetização visual. O Museu de Arte Contemporânea de Barcelona,
Espanha, também engrandece o debate sobre o tema pela riqueza que constitui o
seu acervo e por suas belas exposições programadas.
Peça em exposição no Inhotim
Portanto o
debate, a leitura e estudos são importantes na formação cidadã, até porque
gosto se discute, sim. E quem tem
conhecimento tem vôos mais seguros e precisos sem ser dono da verdade absoluta;
até porque o conhecimento e a humildade nos possibilitam entender que toda
verdade é relativa, inclusive nos relacionamentos humanos e no universo da arte
e da comunicação.
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