Formação superior em arte: bacharelado ou licenciatura?
Carlos Cartaxo
Dentre as minhas preocupações como pesquisador, a temática que tem sido recorrente é a estrutura pedagógica dos cursos de artes em nível superior no Brasil. Estamos chegando ao final da segunda década do século XXI e ainda encontramos cursos de licenciaturas de arte que são apenas complemento pedagógico do bacharelado. Quem pensa por essa ótica não conhece os procedimentos pedagógicos das artes no ensino básico.
Primeiramente: a arte no ensino básico não tem a função de formar artistas. Portanto deve ser ministrado por profissionais licenciados, professores, preparados pedagogicamente para ministrarem conteúdos para formação estética e cultural dos discentes.
Segundo: o bacharel não tem formação pedagógica, apenas técnica; portanto é o profissional preparado para atuar no mercado como artista.
Os bacharelados formam profissionais que, muitas vezes, não encontram mercado de trabalho, então vão atuar como professores do ensino básico sem formação para tal. Partem do pressuposto de que o fato de ser artista lhe dá qualificação para entrar em sala de aula do ensino infantil, fundamental ou médio. Quando isso acontece, as pesquisas que desenvolvo no grupo de pesquisa Artes, Comunicação e possibilidades narrativas, constatam que falta a formação didática e a finalidade do ensino de arte no ensino básico toma outro rumo que não é o mais adequado, nem o indicado.
Então, o argumento de que a licenciatura é apenas uma complementação pedagógica do bacharelado é um equívoco de quem não conhece a estrutura pedagógica para formação docente. Não basta conhecer arte ou ser um bom artista para ser professor de arte; faz-se necessário saber como e com que recursos trabalhar a arte em sala de aula. Precisa conhecer os conceitos de Piaget e Vygotski sobre a evolução do pensamento. Precisa conhecer o método dialético de Paulo Freire. Uma coisa é dar aula para formar artista; outra é dar aula para forma cidadãos cultos, intelectualmente preparados para apreciar e partilhar o universo artístico e cultural. A pessoa que conhece arte e é consumidor de arte, necessariamente não precisa ser artista. É a mesma lógica das outras disciplinas. A matemática que se ensina na escola não é com o fim de formar matemáticos; a literatura que se ensina, não é necessariamente para formar escritores.
No universo plural, líquido, volátil e individualizado que estamos vivendo não se comporta mais o ego de artistas que se tornam professores no ensino superior, distantes quilômetros da sala de aula do ensino básico, mas que insistem em fazer dos cursos de graduação, cursos eminentemente tecnicistas. Nunca é demais lembrar a essas pessoas que o tecnicismo fruto do taylorismo e do fordismo foi há um século. O contexto atual é outro e eles, esses professores, estão inseridos nessa nova realidade.
Essa questão eu abordei no meu livro O ensino das Artes Cênicas na escola Fundamental e Média de 2000. Critico o enquadramento do ensino das artes em apenas quatro categorias: Teatro, Dança, Música e Artes Visuais. Esta última é confundida com artes plásticas. E onde fica o ensino do áudio-visual, do circo, da performance, da capoeira, da ópera? Lembro que ópera não é apenas a erudita. Os folguedos populares como: Nau Catarineta, Boi bumbá, etc., são óperas populares. O argumento é que essas expressões artísticas entram nas quatro categorias principais, ou seja, essas últimas ficam à margem, infelizmente por falta de inclusão são marginalizadas.
Esse modelo de matriz pedagógica para o ensino de arte não corresponde à dinâmica da pós-modernidade. Há muito tempo que venho combatendo esse equivoco que até hoje muitos insistem em martelar no conservadorismo. Meu livro Amor invisível: artes e possibilidades narrativas, de 2015, também aborda essa questão.
A arte se reinventa, todavia o ensino de arte no Brasil insiste e persiste dentro de um sistema de casta que faz da arte um emblema que não pode mudar muito menos avançar. Enquanto isso, os cursos nas instituições de ensino superior se distanciam da realidade e permanecem, lembrando o compositor nordestino Belchior, “como nossos pais”.
Referências
CARTAXO, Carlos. Amor invisível: artes e possibilidades narrativas. João Pessoa, Ed. CCTA, 2015.
̶ ̶ ̶ ̶ ̶ ̶ ̶̶ ̶ ̶ ̶̶ ̶ ̶ ̶ ̶ ̶ ̶ O ensino das Artes Cênicas na escola Fundamental e Média. João Pessoa, Ed do autor, 2000.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1971.
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
Nenhum comentário:
Postar um comentário